O
azul cobriu-lhe o berço último e o sol de maio domingueiro abriu-lhe o caminho.
Oitenta anos feitos e o dobro deles, vividos e sofridos. Franzina e rija como as árvores que morrem de
pé, deixou a terra mais verde, a comunidade mais forte. Tantas vezes lutou
contra o anjo da morte e outras tantas venceu-o, regressando ao chão da vida,
ressuscitando na manhã de cada dia, desfolhando cravos de otimismo por onde quer
que passasse.
Mas
desta vez sucumbiu. Foi o último combate.
Veio
dizer adeus ao seu povo, ali no supedâneo do templo que ela ajudou a construir
e que tanto amava. Ali, no mesmo lugar onde, semanas antes, estivera a
Cruz-talismã das “Jornadas Mundiais da Juventude”.
Olhei
o caixão de pinho, recuperei o cruzeiro jovem e veio-me ao pensamento aquele vendável
de abismo e fé produzido pelo Padre António Vieira no imponente santuário
de São Luís do Maranhão, em pleno
Nordeste Brasileiro: “As cruzes do crucificado que estão nas igrejas são imagens
falsas, porque não padecem nem sofrem. Imagens verdadeiras de Jesus são os
pobres, os doentes que padecem e sofrem”…
Então
vi em plena luz que aquela caixa de pinho era maior que ela: era uma enorme
Cruz que abraçava corpo e alma da Teresa, octogenária sempre jovem, sempre ressuscitada.
Foi esse o seu percurso, uma Cruz física, psicológica, familiar, social,
dedicada a uma comunidade que era sua, também marcada pela luta em prol de mais
justiça, mais saúde e alegria. Ela transportou toda a vida a verdadeira Cruz de
que falou o soberano orador português, há mais de quatrocentos anos.
A
essa mesma hora, vibravam vistosos e altissonantes em terras açorianas os coros
quase celestiais em merecida homenagem ao Santo Cristo, uma ‘imagem’ de
Jesus macerado e triste na efígie, mas ‘compensado’
pelo pesado recheio de ouro em profusão
que lhe pendia dos ombros a mais não poder. Opas guarnecidas, casulas bordadas
a filigrana principesca, mitras flamejantes, oratórias salomónicas, enfim, tudo
em honra do Flagelado coberto de joias - e em manifesto proveito de romeiros e
figurantes…
Coincidências,
simulações, contradições!
Nas
sua pupilas de sangue poderia ler-se o que Ele, Jesus, disse um dia: “Quem tem
ouvidos para entender – que entenda! Quem tem olhos de ver – que veja”!
Ontem,
domingo, à mesma hora, no silêncio de um cortejo sentido, emocionado, seguia
viagem para o seu apartamento final a nossa querida e saudosa octogenária,
enquanto ecoavam no mais íntimo de nós mesmos ‘aquela frase batida’ há quatro
séculos lembrada: “As verdadeiras imagens de Jesus são os que padecem”……..
23.Mai.22
Martins Júnior
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