segunda-feira, 23 de maio de 2022

COINCIDÊNCIAS, SIMULAÇÕES, CONTRADIÇÕES – A TRILOGIA DA CRUZ

                                                                                  


O azul cobriu-lhe o berço último e o sol de maio domingueiro abriu-lhe o caminho. Oitenta anos feitos e o dobro deles, vividos e sofridos.  Franzina e rija como as árvores que morrem de pé, deixou a terra mais verde, a comunidade mais forte. Tantas vezes lutou contra o anjo da morte e outras tantas venceu-o, regressando ao chão da vida, ressuscitando na manhã de cada dia, desfolhando cravos de otimismo por onde quer que passasse.

Mas desta vez sucumbiu. Foi o último combate.

Veio dizer adeus ao seu povo, ali no supedâneo do templo que ela ajudou a construir e que tanto amava. Ali, no mesmo lugar onde, semanas antes, estivera a Cruz-talismã das “Jornadas Mundiais da Juventude”.

Olhei o caixão de pinho, recuperei o cruzeiro jovem e veio-me ao pensamento aquele vendável de abismo e fé produzido pelo Padre António Vieira no imponente santuário de  São Luís do Maranhão, em pleno Nordeste Brasileiro: “As cruzes do crucificado que estão nas igrejas são imagens falsas, porque não padecem nem sofrem. Imagens verdadeiras de Jesus são os pobres, os doentes que padecem e sofrem”…

Então vi em plena luz que aquela caixa de pinho era maior que ela: era uma enorme Cruz que abraçava corpo e alma da Teresa, octogenária sempre jovem, sempre ressuscitada. Foi esse o seu percurso, uma Cruz física, psicológica, familiar, social, dedicada a uma comunidade que era sua, também marcada pela luta em prol de mais justiça, mais saúde e alegria. Ela transportou toda a vida a verdadeira Cruz de que falou o soberano orador português, há mais de quatrocentos anos.

A essa mesma hora, vibravam vistosos e altissonantes em terras açorianas os coros quase celestiais em merecida homenagem ao Santo Cristo, uma ‘imagem’ de Jesus  macerado e triste na efígie, mas ‘compensado’ pelo pesado  recheio de ouro em profusão que lhe pendia dos ombros a mais não poder. Opas guarnecidas, casulas bordadas a filigrana principesca, mitras flamejantes, oratórias salomónicas, enfim, tudo em honra do Flagelado coberto de joias - e em manifesto proveito de romeiros e figurantes…

Coincidências, simulações, contradições!

Nas sua pupilas de sangue poderia ler-se o que Ele, Jesus, disse um dia: “Quem tem ouvidos para entender – que entenda! Quem tem olhos de ver – que veja”!

Ontem, domingo, à mesma hora, no silêncio de um cortejo sentido, emocionado, seguia viagem para o seu apartamento final a nossa querida e saudosa octogenária, enquanto ecoavam no mais íntimo de nós mesmos ‘aquela frase batida’ há quatro séculos lembrada: “As verdadeiras imagens de Jesus são os que padecem”……..

  

23.Mai.22

Martins Júnior

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