quinta-feira, 29 de setembro de 2022

QUE DISSERAM, UM AO OUTRO, OS IRMÃOS – “FRATELLI TUTTI” E “FRATELLI D’ITÁLIA” ?

                                                                    


         Para evitar equívocos, apresso-me a reformular a pergunta focalizando-a nas respectivas instituições. E é assim: Que saudações terá endereçado o Vaticano, aqui identificado pela encíclica Fratelli Tutti, aos vencedores das eleições italianas, os Fratelli d’Italia de Georggia Meloni, admiradora do ditador Benitto Mussolini, e seus coligados comparsas Salvini e Berlusconi, a extrema direita radical?

         Se a alguém cheirar a provocação esta minha pergunta, adianto-me já, com apoio do direito consuetudinário internacional, alegando que é curial e conforme aos usos e costumes diplomáticos dirigirem os Estados, uns aos outros, mensagens congratulatórias, sobretudo por ocasião dos fastos marcantes ou picos altos da história dos seus países, caso das vitórias eleitorais. E é precisamente aí que quero chegar. Terá o Vaticano – e de que modo – saudado os titulares da vitória eleitoral em Itália, onde se situa territorialmente a sede do poder pontifício?

De toda a Europa e fora dela - até de Portugal -  foram-se sucedendo as mais esparsas tiradas palacianas, umas jubilatórias, outras reticentes e, ainda outras, de pendor misto, balanceado entre a hipocrisia e a provocação habilmente encadernada. E a do Vaticano, ali ao pé da porta, como teria sido?

Dirão os mais escolásticos canonistas que o Vaticano não se mete nisso.  Não se manifesta, o seu estatuto não lho permite. Como não? –

 

 

 pergunto eu.  Porque, alegam reverentemente, ao Vaticano  como Santa Sé, não lhe compete misturar-se com os negócios políticos dos Estados. E fundamentam o seu veredicto  na citação bíblica: “A César o que é de César e a Deus o que é de Deus”.

         Precisamente aí está o nó górdio e aí está também a solução da questão posta. É que o Vaticano não é, pura e exclusivamente, Santa Sé ou Sede do Poder Espiritual. É, simultaneamente, sede do poder temporal, quantitativamente exíguo em termos territoriais, é certo,  mas qualitativamente idêntico ao estatuto de qualquer Estado Soberano. Por isso mesmo, se lhe chama Estado do Vaticano, dotado de ministros, dicastérios, embaixadas, eufemisticamente designadas de ‘nunciaturas apostólicas’. Portanto, o Vaticano é, paradoxalmente César e Deus, ao mesmo tempo, enxertados num mesmo tronco. No mesmo conjunto arquitectónico reúnem-se o santuário divino e o palácio real. E é justamente nesta investidura de Estado que em nada destoaria se o Chefe de Estado Romano endereçasse ao novo Executivo Italiano as normais saudações do protocolo.

         Através do seu órgão oficial, L’Ossevatore Romano, sabemos que tal não aconteceu. No entanto, uma nota impressiva - citada pelo  excelente jornal digital português “7 Margens” – fez saltar para todo o mundo, urbi et orbi, o testemunho da Conferência Episcopal Italiana, em termos suficientemente elucidativos sobre o eventual futuro do país nas mãos da extrema direita, vista como hostil a grande parte da agenda social do Papa Francisco. É o próprio cardeal Matteo Zuppi, presidente da CEI, que assim fala aos recém-eleitos:

   

         Exerçam o mandato como uma alta responsabilidade, ao serviço de todos, começando pelos mais débeis, nomeadamente os migrantes.  

         Sabendo da política de exclusão dos migrantes que a extrema-direita inscreveu nas linhas programáticas do futuro governo, logo se vê a coragem do episcopado italiano face a tão premente drama social. Mas não fica por aqui. Insiste no:

Acolhimento, proteção, promoção e integração dos migrantes, atenção às taxas de pobreza continuamente crescentes, diminuição da natalidade, necessidade de cuidado e proteção aos idosos, acentuada disparidade entre o norte e o sul do país, elevados níveis de desemprego, especialmente entre os jovens, e a crise ambiental e energética.

Assumindo-se como ‘sentinela da madrugada’ dos tempos que aí vêm e talvez  prenunciando um desafio que tem a ver com o povo e, por osmose identitária, com a matriz da Igreja original, o documento termina em modo de vanguarda vigilante:

Em Itália, a Igreja continuará a indicar com severidade, se necessário, o bem comum e não os interesses pessoais, a defesa dos direitos invioláveis da pessoa e da comunidade.

“Com severidade” - eloquente Declaração da CEI, que não desdoura, antes as ultrapassa, as tomadas de posição, premonitórias e incisivas, do Parlamento Francês e da Comissão Europeia, quando frontalmente previnem a extrema direita italiana que a Europa nunca abdicará dos valores fundamentantes da Democracia e da Civilização.

Fratelli… Fratelli – é o que apetece trautear, em jeito de refrão de revista. E concluir, notando: Tão iguais na sonoridade fonética e Tão diferentes na sua tradução semântica!

 

         29.Set.22

terça-feira, 27 de setembro de 2022

OITENTA E OITO ANOS – A HORA DO SOL NASCENTE !

                                                                             


É tão breve quanto emotivo, irreprimível, o apelo que hoje sai de dentro do meu peito: Liguem a RTP e puxem para trás a entrevista de ontem à noite – NA PRIMEIRA PESSOA – em que o entrevistado é, nem mais nem menos, o decano, em Portugal, do pensamento holístico humano-quase divino: BENTO DOMINGUES !

         Com acertada razão definiu-o a jornalista ao classificá-lo como “Um Homem de Fronteira dentro da Igreja Católica”.

         E mais que um vigilante atento a todos os movimentos de translação do planeta em mudança, o que deveras impressiona e sacode o espectador é o espírito novo num corpo octogenário, transparente no olhar límpido e no embargo da voz transformada em trombeta de arcanjo madrugador sobre as cordilheiras sombrias da noite.

Já o conhecíamos nós que o acompanhamos, domingo a domingo, nas páginas do jornal “Público”. Mas redescobri-lo assim, ao vivo, ficamos com a sensação de que é aos oitenta e oito anos que o sol nasce. Vem-nos à memória o texto de Paulo de Tarso aos Coríntios: “Se aquilo que é visível aos nossos olhos se vai arruinando, o que o há em nós de mais íntimo vai-se renovando de dia para dia”.

Sem coarctar a  natural apetência de surpreender-se alguém com o visionamento do programa, apenas porei na mesa breves ‘aperitivos’  preliminares, tais como:

A Teologia para mim consiste em desfazer equívocos.

A grande tentação é pensarmos que temos a Verdade.

Não posso admitir uma espiritualidade de olhos fechados.

Pecar é estragar a vida dos outros.

O Evangelho deve fermentar a cultura contemporânea.

É preciso uma revolução, insurreição pacífica, sobre a Economia.

O maior dom do Homem é a Liberdade.

Não admito que, pela religião, se assuste ninguém.

A minha religião é a da alegria.

Jesus foi o Primeiro Feminista no mundo.

                                ********

Fico-me por aqui, na convicção de que abri a portagem para a grande auto-estrada do pensamento global de Bento Domingues. Vale a pena ouvi-lo e segui-lo. A sua lucidez e a sua coerência de acção são os luminosos semáforos para a grande via verde do pensamento livre e construtivo. Tudo isto e muito mais já tivemos a dita e o tesouro de lhe escutarmos, presencialmente, no Funchal, em Machico e na Ribeira Seca.

Por isso, daqui reitero a enorme gratidão de todos nós transmitida via telefónica, esta tarde, ficando-me a transfiguração anímica do seu todo, em que a fragilidade da voz fez emergir a frescura  sadia  do seu pensamento.

 

27.Set.22

Martins Júnior

  

 

domingo, 25 de setembro de 2022

A BÍBLIA EM CIMA DA MESA DO ORÇAMENTO!

                                                             

     


                   Em cima da mesa do(s) Orçamentos(s) – o orçamento local, regional, nacional, europeu e, mais que tudo, o Orçamento Global! Em cima dos programas dos governos, em cima e bem na frente dos mercados regulados e não regulados, enfim, na letra e no espírito do primeiro e único Testamento outorgado a todo o ser humano que chega a este planeta: “Tomai a Terra, fazei-a frutificar, Crescei e multiplicai-vos”.

         Esta semana começa sob o signo e o mandato do Livro do Génesis, mas sob a cominação enérgica do Profeta Amós:

         Vós que vos sentis seguros na capital do país,

         Que dormis em camas de marfim e vos refastelais em vossos divãs,

         Mas não vos toca nem incomoda a miséria do povo,

Vós que comeis os melhores cordeiros do rebanho

E os mais gordos vitelos do estábulo,

Que cantais ao som do alaúde e inventais instrumentos músicos,

Mas não vos toca nem incomoda a ruína do vosso povo,

Vós que bebeis o bom vinho em grandes taças

E vos perfumais com os mais raros cosméticos,

Mas em nada vos aflige a desgraça do vosso povo.

Então ficai sabendo:

Sereis os primeiros a ser deportados, para lá bem longe do vosso país. E assim desaparecerá do mundo esse bando de gente ociosa, parasita.

Não é nada macia, muito menos pia e ambígua a sentença bíblica, complementada pelo Livro de Lucas, capítulo 16, onde o Mestre põe ao rubro o escândalo do ricaço avarento que dava banquetes todos os dias, mas nem deixava que o pobre Lázaro, jacente às portas do palácio,  aparasse as migalhas desses lautos banquetes. Só os cães vinham lamber-lhe as chagas,

Cuidado com a parábola!... Durante séculos os pregadores oficiais manipularam a mensagem, incutindo nos pobres escravizados a resignação que alcançaria o grande banquete de especiosas iguarias no Além, a quem chamavam docemente o Céu.  Redobrado crime de falsificação, defraudando o original e amortalhando em vida um povo que nascera para ser feliz.

A lição do Mestre é frontal, directa, sem reticências. E tão simples, que até parece demagógica, tal a clareza do ensino. Sublinhei demagógica, um douto qualificativo que ouvi hoje a um celebrante da Eucaristia, via TV, precisamente para definir o pensamento de Jesus de Nazaré face a esta injusta, escandalosa, diabólica assimetria entre uma escassa minoria detentora dos bens de todos e uma esmagada maioria que nem apanha as migalhas da mesa dos latifundiários da riqueza.

Amós profetizou que esse “bando desapareceria do planeta”. Mas Deus não pode fazer o que, pelo profeta, anunciou. Somos nós – outra vez, os genuínos Constituintes – que cumpriremos o vaticínio bíblico, anseio da Divindade Criadora. Os bens sociais de que hoje disfrutamos devemo-los às gerações predecessoras que lutaram, algumas até a custo da própria vida, para que fosse o nosso presente mais risonho que o seu passado. Beijamos-lhes a memória e o legado.

Compete-nos fazer o mesmo para que os vindouros – e eles já aí estão – possam lograr os louros sociais da nossa luta de hoje. Que, ao menos, não nos apedrejem pelos crimes de inércia e cobardia.

“Bem-aventurados, Felizes os que sofrem por amor da Verdade e da Justiça” – proclamou o Nazareno no alto da montanha.

 

25.Set.22

Martins Júnior

   

sexta-feira, 23 de setembro de 2022

CONSTITUINTES SOMOS TODOS NÓS! ---------------------------------23 de Setembro de 1822--------------

                                                                         


Não se trata da cadavérica formatura de ir depor flores no cemitério onde repousam as cinzas dos heróicos promotores de 1820 nem mesmo de beijar o chão do Forte de ‘São Julião da Barra’ onde  ardiam as fogueiras testemunhas do assassinato do  o general Gomes Freire de Andrade, imortalizado por Luis de Sttau Monteiro na prestimosa peça “Felizmente há Luar”.

Também não chamo ninguém para os salões da nobreza oficial, decorada com personagens majestosas de largos gestos retóricos em quadros de ínclita memória. Aí, cada parlamentar (onde andariam alguns deles, pelos vistos, do lado oposto à nova Era Constitucional) mas hoje debitando traves de fonemas e parangonas avulsas sobre a “Magna Carta”  que revigorou Portugal em 1822.

De cartilha, sabemos que uma rajada de ar puro varreu as estruturas malsãs de um governo absolutista, não eleito, detentor de todos os poderes, o legislativo, o executivo e o judicial, a cujo bastão teria de vergar-se um povo de súbditos. De aí em diante – já lá vão dois séculos – a soberania deixou de ostentar o sangue azul de uma só família, o ‘Mono-Arca’, para nascer das entranhas, puro-sangue, do povo português. De aí em diante, o Monarca tornara-se súbdito do Cidadão, investido de uma personalidade maior – o Povo – representado nos três poderes, convergentes no mesmo serviço público, mas autónomos na sua esfera de acção.

Tremenda aventura esta por caminhos bem conhecidos e pisados, mas coalhada de estacas, precipícios, armadilhas e falências premeditadas, tais  ou mais fragosas que as dos ‘mares nunca dantes navegados’. Porque  os saudosistas do outrora  nasceram no mesmo dia dos constituintes renovadores da Nação. Aos solavancos (desde o início, o voto era um privilégio de élites), outras vezes aos sobressaltos, a Nau Constitucional chegou aos estuários da República, o almejado ‘xeque-mate’ aos resquícios do regime monárquico. E foi o que se viu até 1974!...

As mãos que escrevem uma Constituição não são as mesmas que a produzem. A soberania está no Povo, certo. Mas os administradores dela, parece que um estranho vírus os corrói e os desfigura: tornam-se ‘o negativo’ do ‘original’ que dizem representar. Vi-o eu, sofrido e revoltado, num parlamento regional, regido por uma mini-constituição a que deram o pomposo nome de Estatuto Político-Administrativo da RAM! Não estava lá o Povo para ver e sentir a fraude em que se prevertera o seu voto.

Os retóricos voos rasantes que os oradores tentam ensaiar nesta atmosfera eufórica do “23 de Setembro de 1822” respeito-os, mas não me convencem porque não pertencem ao linguajar transparente do Povo. Um deles, porém, peço licença para integrar este meu escrito, o discurso do Presidente da República, cirurgicamente naquele passo incisivo: “A Constituição constrói-se todos os dias. E todos os dias, também, enfraquece- a Constituição”.

Aí está o genoma identitário de toda a Constituição. Pelo Povo, com o Povo e para o Povo! A Constituição, cujo qualificativo terá de ser sempre Popular (não haja medo da substância Popular) terá de espelhar a vida do seu soberano constituinte e seu directo destinatário – a população.

Acrescento: a Constituição está no prato que se tem (ou se não tem) à mesa, no quarto que habitamos, no mercado onde nos abastecemos, na escola onde aprendemos,  no transporte que temos de usar, no centro de saúde,  no trabalho-contributo para a comunidade, na repartição equitativa dos bens produzidos. Que não é só de dinheiro que se trata. Da educação, do saber, da sensibilidade comunitária, bens invisíveis que não se compram nem vendem.

Até onde levar-nos-ia o guião da Constituição?!

Até às raízes de nós mesmos e ao vértice de uma civilização global.

Porque o Povo se demite do seu estatuto de “Constituinte Residente”, acorrem os constituintes de passagem, nómadas de interesses inconfessados, assolapados sob o voto que lhes dá (ou não dá) quantas vezes de forma inconsciente e gratuita.

Que ninguém esqueça: Constituintes somos nós todos. Em cada dia que passa!

 

23.Set.22

Martins Júnior

 

quarta-feira, 21 de setembro de 2022

QUANTOS ROSTOS TEM “ALZHEIMER” ?!

                                                                        


Ainda em tempo da invertebrada e mole estação - a silly season  do novo God Save The King -  aí está a Lei do Menor Esforço: Esquecer!

         Memória – a faculdade de esquecer. Que tanto toma a veste de um fantasma como o fato-macaco de um dever ou o ceptro autoritário de um direito! Todos iguais e todos diferentes. Porque é dentro das paredes ósseas de cada um de nós que está a oficina onde se fabricam os três modelos de esquecimento e respectivos derivados.

         Mais claro: é do Alzheimer que falamos.

         O Alzheimer, avantesma vindo das entranhas do génesis que nos amassou e  misturou com o barro de que que somos feitos. Quanto a nós, o que se lhe pede é que o alzheimer se esqueça do Alzheimer. Mas se vier, que venha tarde ou nunca!

         O Alzheimer imposto pelo vírus da ingratidão  que anestesia o melhor que há em nós e se esquece da mão que nos deu a vida e dos braços que nos arrancaram à morte!

         O Alzheimer cego, surdo e mudo – alzheimer do autismo, produto endémico nosso – erguido como grossas muralhas às vozes que gritam, às fomes que choram e acabam por jazer inanes à nossa porta! Tem endereço firmado, auto-fabricado: nos palácios dos cônsules, nos arcos romanos do poder, no crude viscoso dos poços metalizados, nos paraísos fiscais, guardados por  férreos, satânicos portões. Perto ou longe ou, quem sabe, dentro de nós, tem as suas sucursais estandardizadas, tantas vezes dissimuladas.

O Alzheimer armado, missilizado, nuclearizado,  terra-mar-e-ar, para quem o planeta não passa de um punhado de cinza em lista de espera.

Mas no interminável Vade-Mecum das variantes desta patologia, uma existe e, silenciosa, aguarda o nosso olhar. Vejo-a, estendo-lhe o abraço lúcido e peço-lhe que me revista com a sua túnica alvacenta e regeneradora: o Alzheimer da introspecção, do despojamento interior e de uma catarse tão possessiva que me faça (e nos faça) esquecer as sombras de todas as noites e olhar apenas o sol que nasce na fímbria dos montes, desvendando  o caminho novo do futuro e a “urgência de cantar a Vida” !

 

21.Set.22

Martins Júnior

  

              

 

 

segunda-feira, 19 de setembro de 2022

TRIBUTO ÀS RAINHAS…

                                                                       


Àquela, isabel, que ainda não nascida, já era rainha…

Àquela, inês, “que depois de morta foi rainha”…

Àquelas, todas marias, - escravas em vida – envoltas ou arquivadas em lençóis de linho, caixão de pinho ou sudários de pranto, foram lançadas à vala comum das rainhas anónimas…

 

         19.Set.22

         Martins Júnior

sábado, 17 de setembro de 2022

O EVANGELHO, SEGUNDO MAMMONA

                                                                         


    Estão na moda, de  há uns tempos a esta parte, as diversas versões dos Evangelhos, Segundo este, Segundo aquele, Segundo mais um outro estranho evangelista, quanto mais desconhecido mais apetecido. É assim uma espécie de reaparição dos Evangelhos Apócrifos que nasceram na mesma época dos Quatro Autênticos.

         Vou acrescentar mais água à sopa – logo vereis porquê – e já lá vão de bandeja mais cinco ou seis exemplares saídos do prelo:

         Evangelho, Segundo o BCE.

         Evangelho, Segundo Os OLIGARCAS.

         Evangelho, Segundo o PANAMÁ.

         Evangelho, Segundo o OPUS DEI.

         Evangelho, Segundo a COSA NOSTRA.

         Evangelho, Segundo o BANCO VATICANO.

E tudo somado,

O Evangelho, Segundo o DEUS MAMMONA.

 

Todas estas “Boas-Novas” têm os seus santuários, os seus ícones intocáveis, os seus missionários, uns fixos, outros itinerantes, têm os seus arsenais, as suas abluções em lavatórios super-higienizados. E o mais comovente, têm todo o mundo a seus pés. Com tanta subtileza, engenho e arte, que se misturam em farto conúbio de alianças tais que não se sabe quando acaba o culto ao Deus Santo e começa o altar do deus Mammona.

São os próprios ‘crentes’ acocorados diante do “Bezerro de Ouro” do Monte Sinai que o confessam e proclamam: “O DEUS DO MUNDO É O DINHEIRO” !!!...

E eis que do fundo de um túnel sem começo surge uma figura esquálida - meio herói, meio fantasma – e faz estalar as paredes concêntricas onde caminha, ribombando até às extremidades: “NÃO PODEIS SERVIR A DEUS E AO DINHEIRO”.

Ele vem hoje e amanhã. Muitos de nós escutá-lo-emos, em Lucas,  16,1-13.

 Jesus de Nazaré, olha o mundo à tua volta. Assim era, antes de cá chegares. Assim é, depois de cá estares.

Não terá razão o poeta quando escreveu:

‘De que te serviu, ó Cristo, regares com o teu sangue as urzes do Calvário?’.

Dizem que o Natal vem a caminho. É lícito perguntar:

“Qual Natal?... O Teu – ou o Natal do Deus Mammona?!”.

 

19.Set.22

Martins Júnior

quinta-feira, 15 de setembro de 2022

ENIGMAS D’ “O EVANGELHO SEGUNDO JESUS CRISTO”…

                                                                            


“…Onde quer que estejamos e onde quer que sejamos, não fazemos mais na vida do que procurar um lugar onde iremos ficar para sempre. Nem sempre é assim, cismava José, com uma amargura tão funda…”.

“…Foi ontem, e é o mesmo que dizermos, foi há mil anos, o tempo não é uma corda que se possa medir nó a nó, o tempo é uma superfície oblíqua e ondulante que só a memória é capaz de fazer mover e aproximar…”.

“…Desde a aurora do mundo sempre os incêndios atraíram os homens, há mesmo quem diga que se trata de uma espécie de chamamento interior, inconsciente, uma reminiscência do fogo original…” .

“…Há momentos em que a dor é mais forte que o temor da morte…”.

“…Pode bem pouco afinal, a mão de Deus, se não chega para interpor-se entre o cutelo e o sentenciador… Todo o acto humano, por mais insignificante que seja, interfere com a vontade Deus…”.

“…As ilusões de óptica, sem as quais não há prodígios nem milagres, não são uma descoberta  do nosso tempo, basta ver…”.

“…Não gostaria de me ver na pele de um deus que ao mesmo tempo guia a mão do punhal assassino e oferece a garganta que vai ser cortada…”.

“…Não faltará já por aí quem esteja protestando que semelhantes miudezas  exegéticas em nada contribuem  para a inteligência de uma história afinal arquiconhecida, mas ao narrador deste evangelho não parece que seja a mesma coisa, tanto no que toca ao passado como no que ao futuro há-de tocar…”.

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         Caso muito sério este do percurso de José Saramago na floresta imensa da  misteriosa e nunca assaz contada vida do Nazareno! Vale a pena tentar descobri-la e decifrá-la, pela mão do Autor, tal como Dante Alighieri, pela mão de Virgílio na “Divina Comédia”.

“O Espírito sopra onde quer”!  (Jo,3,8).

        

15.Set.22

Martins Júnior

terça-feira, 13 de setembro de 2022

O QUE O POVO CONTA… QUANDO CANTA !

                                                                       


                           

    Aqui está o Até já do último dia, a crónica da Festa, cuja segunda página hoje completa a primeira anteriormente descrita. Chamam-lhe vulgarmente  a festa profana em oposição à festa dita religiosa, mas para nós elas são os ramos do mesmo tronco culto-cultural e efusivo daquela atmosfera sadia que todos precisamos de respirar e onde optámos por viver.

         Para memória futura, a Festa ritual e processional em honra da Protagonista Senhora do Amparo desdobrou-se inteira do templo para a rua, como já é protocolo não escrito desde há mais de 50 anos. Os ribassequenses esperam a sua festa para confraternizar, divertir-se e, sobretudo, levar ao palco as suas tradições, umas centenárias, outras mais recentes, a sua trajectória sócio-existencial e cultural, transformada em verso, música e dança. Quem quiser escrever a história do Povo da Ribeira Seca encontrará  nas canções festivas da terra  um manancial fidelíssimo da sua génese, do seu crescimento, das sua altitudes  e das suas depressões, das suas glórias e contratempos, numa palavra, da sua luta até ao vértice, sempre inalcançável, da perfeição, os valores humano-culturais e espirituais de que deve enformar-se uma sociedade habitável.

         Assim se cumpriu mais um ano. Os seis sítios da Ribeira Seca, jovens e adultos – e a que se juntaram também as crianças – apresentaram-se em palco coreografando os versos e as músicas originais evocativas do seu percurso histórico. Aqui deixo apenas alguns dos estribilhos de cada grupo, não obstante o desejo de fixá-los por inteiro, datando-os da época a que dizem respeito.

                                                           


Ó noite tão ditosa                                        Viva a alegria do povo

É aquela que hoje se tem                            Que é alegria verdadeira     

Ó noite mais formosa                                  As uvas dão vinho novo

Que todos se querem bem                           Vinho novo da Madeira

Viva a canção da terra                               O povo está amargurado

Da terra que nos dá o pão                          Cansado de trabalhar

Viva o Moinho da Serra                             Temos vivido espremidos

Que aqui traz seu coração                         Como as uvas no lagar

         (1976)                                                              (1983)

 

Viva quem de longe vem                           Vem tronco em flor

Ver de novo a terra-mãe                           Povo que te levantas

Sua terra pequenina                                 Conta a tua dor

É de todas a mais linda                            Nos versos que hoje cantas

Este nosso baile rodado

 É cantado com amizade                           O povo em festa

É para o nosso emigrante                         Canta mas não se ilude

Que vem de lá bem distante                      Quer ter e com razão

Matar a sua saudade                                 O Centro de Saúde

A festa em que o povo dança                                 (1982)

Fica sempre na lembrança                         

                   (1987)

 

Inaugurar o quê                                        Cantai crianças

Aquilo que se paga                                    Nesta festa do povo

Quanto mais se inaugura                           Cantai crianças          

Mais dinheiro se estraga                            P´ra fazer um mundo novo

O que o povo precisa                                  As crianças da paróquia

É de ver a sua vida                                     Têm muito que contar                                      

Toda bem organizada                                  Querem ver os seus direitos

E de ver a sua estrada                                 Toda a gente  respeitar

Bem depressa alcatroada                                                  (1994)

As estradas são do povo

A luz é do povo                                                  Foi no ano de 60

Ele é que é o patrão                                           Passou-se uma grande coisa

O povo é que paga tudo                                     Novas paróquias nasceram

Essa é a nossa condição                                     Com o bispo David Sousa

O povo é que paga tudo                                      O povo ficou contente   

É nossa a inauguração                                        Com este caso tão raro

                  (1983)                                                Nasceu a nova paróquia

                                                                             Na Capela do Amparo

                                                                                              (1969)

Esta curta amostra da participação activa da comunidade (mais de 60 elementos em palco) poderia ser ampliada o triplo e o quádruplo, tantas são as centenas de canções produzidas pelo povo (a letra) e por mim (a música), algumas das quais já editadas em CD e publicadas nas redes sociais.             


Ao delicioso bolo da alegria faltava ainda a “cereja sonora”: a comemoração do 39º aniversário da nossa tuna, a TCM- Tuna de Câmara de Machico – fundada por jovens da Ribeira Seca em 1983. Atravessou quase quatro décadas e, por isso, os jovens de hoje, herdeiros de pais fundadores, ofereceram ao público presente uma breve actuação, de que se destaca a KleineSerenad (nº13) de Mozart, Time, Funiculi Funiculá e, para encerramento,  Canção do Mar, e Amor a Portugal na voz de Paula Spínola.

Aqui fica, portanto, para memória futura, esta apressada síntese do espírito que tem sobrevoado o chão e o firmamento deste pequeno vale incrustado no coração do grande vale de Machico. Nas nossas festas, o Povo é que tem ocupado a centralidade dos programas festivos, porque ele – o Povo Ribassequense – é que tem sido a inspiração, a composição, a construção e a exibição coreográfica dos mesmos programas. Ele é autor, actor, construtor e intérprete da sua própria festa.

Viva Ribeira Seca !!!


A HISTÓRIA QUE UM POVO CONTA… A CANTAR !

                                                                            


            É a de um Dia Ímpar esta crónica – ímpar no cômputo do calendário, 11 do mês, ímpar sobretudo pela viva e revivalista comemoração da história de um Povo situado na periferia urbana da cidade de Machico – a Ribeira Seca.

Cumprindo a secular tradição de evocar a memória e prestar homenagem, desde 1692, a Maria de Nazaré, Senhora do Amparo, a população ribassequense juntou-lhe as vivências centenárias dos seus antepassados e conjugou-as com as diversas fases de um percurso feito de há 50 anos até ao presente.

Focalizados na Protagonista reverencial  da Festa, os habitantes da Ribeira Seca iniciaram a sua marcha, a partir da velha capelinha da Senhora do Amparo, situada no sítio do Lombo do Xeque e construída pelo capitão-secretário da Câmara Municipal de Machico, Francisco Dias Franco, na data citada, 1692. Foi como que a reincarnação de todo um passado, marcado pela colonia em que os ‘servos da gleba’, os caseiros, mirravam de sol a sol sob a canga dos senhorios. Ali prestou-se gratidão, homenagem, solidariedade póstuma às gerações de outrora confinadas às montanhas deste vale, privadas dos meios mais elementares para uma vida familiar e social: sem estradas, sem luz, sem água potável.

O cortejo pedonal, representativo da marcha do passado para o presente, fez-se rumo à actual sede da comunidade, o templo construído em 1963 e renovado em 1999. Celebrou-se, então, a Eucaristia com o mesmo ritual deste meio-século, a comunicação directa e coloquial entre o altar e os participantes, o acompanhamento da nossa Tuna, mas enriquecida a cerimónia pela presença de dois grandes sacerdotes, o Padre Pedro Nóbrega e o Padre José Luís Rodrigues. Foram momentos impressivos inesquecíveis, não pela oratória balofa característica de celebrações congéneres, mas pelo acurado sentido pedagógico-didáctico que o Padre Pedro  imprimiu à sua lição e pela visão de futuro – um futuro sombrio, talvez inexistente - que o Padre José Luís vaticinou para uma Igreja Regional, consequência dos mais recentes ‘exemplares’ clericais e o ‘anacrónico triunfalismo’ de uma hierarquia ‘divorciada da vida dos cristãos’.

                                                 


E foi do futuro desta comunidade que se fez, de seguida,  a terceira fase da marcha pelas estradas e caminhos locais, com três ´picos’ plenos de simbologia e realismo: a Imagem da Senhora do Amparo transportada pelos jovens neste longo percurso, a participação da Filarmónica da Atouguia Baleira de Peniche e a Banda Municipal de Machico, sendo que a ‘cereja em cima do bolo’  brilhou aos olhos do muito povo acompanhante, num desfile digno de ver e deliciar: em vez das opas, capas e capinhas das Irmandades da Senhora das Lágrimas, dos Socorros e do Último Suspiro, ou as de São Lázaro e de Santa Ifigénia (respeitamos quem as tenha e faça), aqui as crianças, jovens e adultos representativos de todos os sítios, desfilaram com o colorido da indumentária festiva, confecionada pelos próprios, as saias das raparigas ostentando as mensagens, bordadas à mão, de SAÚDE, CULTURA, PÃO, VIDA, LIBERDADE, AMOR, FELICIDADE – os melhores votos que Maria de Nazaré, a Mãe do Amparo,  pode desejar aos filhos.   

Ao terminar a homenagem culto-espiritual à Protagonista-Patrona e Padroeira da Ribeira Seca, senti-me no dever de, em poucas palavras, registar a ornamentação cheia de leveza e graciosidade do nosso templo, onde só existem duas reminiscências hagiográficas: a escultura da Senhora do Amparo, evocativa de Maria histórica de Nazaré – não da “Senhora que faz favores a baixo preço”, como disse o Papa Francisco em Fátima, nem as piedosas novelas de milhentas aparições, improváveis e duvidosas, a maior parte e com as quais se explora, abusivamente, a frágil mentalidade de um povo híper-crente.                                          


A outra representação hagiográfica neste templo é a efígie do Padre Mário Tavares Figueira, para nós um Santo que ‘vimos, ouvimos e lemos’ e tocámos de corpo e alma, um Santo pela robustez do seu tronco ideológico-teológico, pela telúrica osmose da sua fé onde se cruzavam e cresciam o corpóreo e o espiritual, o humano e o divino. E, estruturalmente para nós, um Santo que nunca abandonou a população indefesa da Ribeira Seca durante a travessia no exílio de décadas de ostracismo a que nos atirou a hierarquia diocesana em pornográfico conúbio com o poder político. Desde a sua morte, temo-lo aqui na nossa igreja onde ele tantas vezes partilhou as nossas dores e a nossa resistência, sofreu com as ameaças, os medos e os danos que o conluio político-religioso da Madeira infligiu a este povo. Formulei e reitero de novo o voto-promessa de que, venha quem vier, nunca se retire deste templo, a efígie do Padre Mário Tavares Figueira, junto da escultura da Senhora do Amparo – as duas únicas imagens de santos presentes neste lugar sagrado. Sem descurar a magnitude espiritual de milhares de outras figuras hagiográficas da história da Igreja – e não só da Igreja – o nosso templo não está vocacionado para museu de estátuas, mas para Casa de Oração e Progressão Evangélica.

Esta é a crónica do dia 11 – assim comecei. Mas fiquei-me apenas pela primeira página, a homenagem à Protagonista  Sacra, Maria Histórica, a da Nazaré, sob o título de Senhora do Amparo, uma opção necessária mas muitas vezes obliterada ou secundarizada nos arraiais do mundo.

Permitam-me anexar os dias ímpares 11 e 13, complementando depois a narração com a segunda página: o histórico do Povo ribassequense através da música, verso e dança no palco aberto do nosso adro. Até já.

 

11-13.Set.22

Martins Júnior