Não
se trata da cadavérica formatura de ir depor flores no cemitério onde repousam
as cinzas dos heróicos promotores de 1820 nem mesmo de beijar o chão do Forte
de ‘São Julião da Barra’ onde ardiam as fogueiras testemunhas do assassinato do o general Gomes Freire de
Andrade, imortalizado por Luis de Sttau Monteiro na prestimosa peça “Felizmente
há Luar”.
Também
não chamo ninguém para os salões da nobreza oficial, decorada com personagens
majestosas de largos gestos retóricos em quadros de ínclita memória. Aí, cada
parlamentar (onde andariam alguns deles, pelos vistos, do lado oposto à nova
Era Constitucional) mas hoje debitando traves de fonemas e parangonas avulsas
sobre a “Magna Carta” que revigorou
Portugal em 1822.
De
cartilha, sabemos que uma rajada de ar puro varreu as estruturas malsãs de um
governo absolutista, não eleito, detentor de todos os poderes, o legislativo, o
executivo e o judicial, a cujo bastão teria de vergar-se um povo de súbditos.
De aí em diante – já lá vão dois séculos – a soberania deixou de ostentar o
sangue azul de uma só família, o ‘Mono-Arca’, para nascer das entranhas,
puro-sangue, do povo português. De aí em diante, o Monarca tornara-se súbdito
do Cidadão, investido de uma personalidade maior – o Povo – representado nos
três poderes, convergentes no mesmo serviço público, mas autónomos na sua
esfera de acção.
Tremenda
aventura esta por caminhos bem conhecidos e pisados, mas coalhada de estacas,
precipícios, armadilhas e falências premeditadas, tais ou mais fragosas que as dos ‘mares nunca
dantes navegados’. Porque os saudosistas
do outrora nasceram no mesmo dia dos
constituintes renovadores da Nação. Aos solavancos (desde o início, o voto era
um privilégio de élites), outras vezes aos sobressaltos, a Nau Constitucional
chegou aos estuários da República, o almejado ‘xeque-mate’ aos resquícios do
regime monárquico. E foi o que se viu até 1974!...
As
mãos que escrevem uma Constituição não são as mesmas que a produzem. A
soberania está no Povo, certo. Mas os administradores dela, parece que um
estranho vírus os corrói e os desfigura: tornam-se ‘o negativo’ do ‘original’
que dizem representar. Vi-o eu, sofrido e revoltado, num parlamento regional,
regido por uma mini-constituição a que deram o pomposo nome de Estatuto
Político-Administrativo da RAM! Não estava lá o Povo para ver e sentir a fraude
em que se prevertera o seu voto.
Os
retóricos voos rasantes que os oradores tentam ensaiar nesta atmosfera eufórica
do “23 de Setembro de 1822” respeito-os, mas não me convencem porque não
pertencem ao linguajar transparente do Povo. Um deles, porém, peço licença para
integrar este meu escrito, o discurso do Presidente da República,
cirurgicamente naquele passo incisivo: “A Constituição constrói-se todos os
dias. E todos os dias, também, enfraquece- a Constituição”.
Aí
está o genoma identitário de toda a Constituição. Pelo Povo, com o Povo e para
o Povo! A Constituição, cujo qualificativo terá de ser sempre Popular (não haja
medo da substância Popular) terá de espelhar a vida do seu soberano
constituinte e seu directo destinatário – a população.
Acrescento:
a Constituição está no prato que se tem (ou se não tem) à mesa, no quarto que
habitamos, no mercado onde nos abastecemos, na escola onde aprendemos, no transporte que temos de usar, no centro de
saúde, no trabalho-contributo para a
comunidade, na repartição equitativa dos bens produzidos. Que não é só de
dinheiro que se trata. Da educação, do saber, da sensibilidade comunitária,
bens invisíveis que não se compram nem vendem.
Até
onde levar-nos-ia o guião da Constituição?!
Até
às raízes de nós mesmos e ao vértice de uma civilização global.
Porque
o Povo se demite do seu estatuto de “Constituinte Residente”, acorrem os
constituintes de passagem, nómadas de interesses inconfessados, assolapados sob
o voto que lhes dá (ou não dá) quantas vezes de forma inconsciente e gratuita.
Que
ninguém esqueça: Constituintes somos nós todos. Em cada dia que passa!
23.Set.22
Martins Júnior
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