sexta-feira, 23 de setembro de 2022

CONSTITUINTES SOMOS TODOS NÓS! ---------------------------------23 de Setembro de 1822--------------

                                                                         


Não se trata da cadavérica formatura de ir depor flores no cemitério onde repousam as cinzas dos heróicos promotores de 1820 nem mesmo de beijar o chão do Forte de ‘São Julião da Barra’ onde  ardiam as fogueiras testemunhas do assassinato do  o general Gomes Freire de Andrade, imortalizado por Luis de Sttau Monteiro na prestimosa peça “Felizmente há Luar”.

Também não chamo ninguém para os salões da nobreza oficial, decorada com personagens majestosas de largos gestos retóricos em quadros de ínclita memória. Aí, cada parlamentar (onde andariam alguns deles, pelos vistos, do lado oposto à nova Era Constitucional) mas hoje debitando traves de fonemas e parangonas avulsas sobre a “Magna Carta”  que revigorou Portugal em 1822.

De cartilha, sabemos que uma rajada de ar puro varreu as estruturas malsãs de um governo absolutista, não eleito, detentor de todos os poderes, o legislativo, o executivo e o judicial, a cujo bastão teria de vergar-se um povo de súbditos. De aí em diante – já lá vão dois séculos – a soberania deixou de ostentar o sangue azul de uma só família, o ‘Mono-Arca’, para nascer das entranhas, puro-sangue, do povo português. De aí em diante, o Monarca tornara-se súbdito do Cidadão, investido de uma personalidade maior – o Povo – representado nos três poderes, convergentes no mesmo serviço público, mas autónomos na sua esfera de acção.

Tremenda aventura esta por caminhos bem conhecidos e pisados, mas coalhada de estacas, precipícios, armadilhas e falências premeditadas, tais  ou mais fragosas que as dos ‘mares nunca dantes navegados’. Porque  os saudosistas do outrora  nasceram no mesmo dia dos constituintes renovadores da Nação. Aos solavancos (desde o início, o voto era um privilégio de élites), outras vezes aos sobressaltos, a Nau Constitucional chegou aos estuários da República, o almejado ‘xeque-mate’ aos resquícios do regime monárquico. E foi o que se viu até 1974!...

As mãos que escrevem uma Constituição não são as mesmas que a produzem. A soberania está no Povo, certo. Mas os administradores dela, parece que um estranho vírus os corrói e os desfigura: tornam-se ‘o negativo’ do ‘original’ que dizem representar. Vi-o eu, sofrido e revoltado, num parlamento regional, regido por uma mini-constituição a que deram o pomposo nome de Estatuto Político-Administrativo da RAM! Não estava lá o Povo para ver e sentir a fraude em que se prevertera o seu voto.

Os retóricos voos rasantes que os oradores tentam ensaiar nesta atmosfera eufórica do “23 de Setembro de 1822” respeito-os, mas não me convencem porque não pertencem ao linguajar transparente do Povo. Um deles, porém, peço licença para integrar este meu escrito, o discurso do Presidente da República, cirurgicamente naquele passo incisivo: “A Constituição constrói-se todos os dias. E todos os dias, também, enfraquece- a Constituição”.

Aí está o genoma identitário de toda a Constituição. Pelo Povo, com o Povo e para o Povo! A Constituição, cujo qualificativo terá de ser sempre Popular (não haja medo da substância Popular) terá de espelhar a vida do seu soberano constituinte e seu directo destinatário – a população.

Acrescento: a Constituição está no prato que se tem (ou se não tem) à mesa, no quarto que habitamos, no mercado onde nos abastecemos, na escola onde aprendemos,  no transporte que temos de usar, no centro de saúde,  no trabalho-contributo para a comunidade, na repartição equitativa dos bens produzidos. Que não é só de dinheiro que se trata. Da educação, do saber, da sensibilidade comunitária, bens invisíveis que não se compram nem vendem.

Até onde levar-nos-ia o guião da Constituição?!

Até às raízes de nós mesmos e ao vértice de uma civilização global.

Porque o Povo se demite do seu estatuto de “Constituinte Residente”, acorrem os constituintes de passagem, nómadas de interesses inconfessados, assolapados sob o voto que lhes dá (ou não dá) quantas vezes de forma inconsciente e gratuita.

Que ninguém esqueça: Constituintes somos nós todos. Em cada dia que passa!

 

23.Set.22

Martins Júnior

 

Sem comentários:

Enviar um comentário