Para evitar equívocos, apresso-me a
reformular a pergunta focalizando-a nas respectivas instituições. E é assim:
Que saudações terá endereçado o Vaticano, aqui identificado pela encíclica Fratelli Tutti, aos vencedores das
eleições italianas, os Fratelli d’Italia de
Georggia Meloni, admiradora do ditador Benitto Mussolini, e seus coligados comparsas
Salvini e Berlusconi, a extrema direita radical?
Se a alguém cheirar a provocação esta
minha pergunta, adianto-me já, com apoio do direito consuetudinário
internacional, alegando que é curial e conforme aos usos e costumes
diplomáticos dirigirem os Estados, uns aos outros, mensagens congratulatórias,
sobretudo por ocasião dos fastos marcantes ou picos altos da história dos seus
países, caso das vitórias eleitorais. E é precisamente aí que quero chegar.
Terá o Vaticano – e de que modo – saudado os titulares da vitória eleitoral em
Itália, onde se situa territorialmente a sede do poder pontifício?
De
toda a Europa e fora dela - até de Portugal -
foram-se sucedendo as mais esparsas tiradas palacianas, umas
jubilatórias, outras reticentes e, ainda outras, de pendor misto, balanceado
entre a hipocrisia e a provocação habilmente encadernada. E a do Vaticano, ali
ao pé da porta, como teria sido?
Dirão
os mais escolásticos canonistas que o Vaticano não se mete nisso. Não se manifesta, o seu estatuto não lho
permite. Como não? –
pergunto eu.
Porque, alegam reverentemente, ao Vaticano como Santa Sé, não lhe compete misturar-se
com os negócios políticos dos Estados. E fundamentam o seu veredicto na citação bíblica: “A César o que é de César
e a Deus o que é de Deus”.
Precisamente aí está o nó górdio e aí
está também a solução da questão posta. É que o Vaticano não é, pura e
exclusivamente, Santa Sé ou Sede do Poder Espiritual. É, simultaneamente, sede
do poder temporal, quantitativamente exíguo em termos territoriais, é
certo, mas qualitativamente idêntico ao
estatuto de qualquer Estado Soberano. Por isso mesmo, se lhe chama Estado do
Vaticano, dotado de ministros, dicastérios, embaixadas, eufemisticamente
designadas de ‘nunciaturas apostólicas’. Portanto, o Vaticano é, paradoxalmente
César e Deus, ao mesmo tempo, enxertados num mesmo tronco. No mesmo conjunto
arquitectónico reúnem-se o santuário divino e o palácio real. E é justamente
nesta investidura de Estado que em nada destoaria se o Chefe de Estado Romano
endereçasse ao novo Executivo Italiano as normais saudações do protocolo.
Através do seu órgão oficial, L’Ossevatore Romano, sabemos que tal não
aconteceu. No entanto, uma nota impressiva - citada pelo excelente jornal digital português “7 Margens” – fez saltar para todo o
mundo, urbi et orbi, o testemunho da
Conferência Episcopal Italiana, em termos suficientemente elucidativos sobre o
eventual futuro do país nas mãos da extrema direita, vista como hostil a grande
parte da agenda social do Papa Francisco. É o próprio cardeal Matteo Zuppi,
presidente da CEI, que assim fala aos recém-eleitos:
Exerçam
o mandato como uma alta responsabilidade, ao serviço de todos, começando
pelos mais débeis, nomeadamente os migrantes.
Sabendo
da política de exclusão dos migrantes que a extrema-direita inscreveu nas
linhas programáticas do futuro governo, logo se vê a coragem do episcopado
italiano face a tão premente drama social. Mas não fica por aqui. Insiste no:
Acolhimento,
proteção, promoção e integração dos migrantes, atenção às taxas de pobreza
continuamente crescentes, diminuição da natalidade, necessidade de cuidado e
proteção aos idosos, acentuada disparidade entre o norte e o sul do país,
elevados níveis de desemprego, especialmente entre os jovens, e a crise
ambiental e energética.
Assumindo-se como ‘sentinela
da madrugada’ dos tempos que aí vêm e talvez
prenunciando um desafio que tem a ver com o povo e, por osmose
identitária, com a matriz da Igreja original, o documento termina em modo de
vanguarda vigilante:
Em Itália,
a Igreja continuará a indicar com severidade, se necessário, o bem comum
e não os interesses pessoais, a defesa dos direitos invioláveis da pessoa e da
comunidade.
“Com severidade” - eloquente
Declaração da CEI, que não desdoura, antes as ultrapassa, as tomadas de
posição, premonitórias e incisivas, do Parlamento Francês e da Comissão
Europeia, quando frontalmente previnem a extrema direita italiana que a Europa
nunca abdicará dos valores fundamentantes da Democracia e da Civilização.
Fratelli…
Fratelli – é o que apetece trautear, em jeito de refrão de revista. E
concluir, notando: Tão iguais na sonoridade fonética e Tão diferentes na sua
tradução semântica!
29.Set.22
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