quinta-feira, 29 de setembro de 2022

QUE DISSERAM, UM AO OUTRO, OS IRMÃOS – “FRATELLI TUTTI” E “FRATELLI D’ITÁLIA” ?

                                                                    


         Para evitar equívocos, apresso-me a reformular a pergunta focalizando-a nas respectivas instituições. E é assim: Que saudações terá endereçado o Vaticano, aqui identificado pela encíclica Fratelli Tutti, aos vencedores das eleições italianas, os Fratelli d’Italia de Georggia Meloni, admiradora do ditador Benitto Mussolini, e seus coligados comparsas Salvini e Berlusconi, a extrema direita radical?

         Se a alguém cheirar a provocação esta minha pergunta, adianto-me já, com apoio do direito consuetudinário internacional, alegando que é curial e conforme aos usos e costumes diplomáticos dirigirem os Estados, uns aos outros, mensagens congratulatórias, sobretudo por ocasião dos fastos marcantes ou picos altos da história dos seus países, caso das vitórias eleitorais. E é precisamente aí que quero chegar. Terá o Vaticano – e de que modo – saudado os titulares da vitória eleitoral em Itália, onde se situa territorialmente a sede do poder pontifício?

De toda a Europa e fora dela - até de Portugal -  foram-se sucedendo as mais esparsas tiradas palacianas, umas jubilatórias, outras reticentes e, ainda outras, de pendor misto, balanceado entre a hipocrisia e a provocação habilmente encadernada. E a do Vaticano, ali ao pé da porta, como teria sido?

Dirão os mais escolásticos canonistas que o Vaticano não se mete nisso.  Não se manifesta, o seu estatuto não lho permite. Como não? –

 

 

 pergunto eu.  Porque, alegam reverentemente, ao Vaticano  como Santa Sé, não lhe compete misturar-se com os negócios políticos dos Estados. E fundamentam o seu veredicto  na citação bíblica: “A César o que é de César e a Deus o que é de Deus”.

         Precisamente aí está o nó górdio e aí está também a solução da questão posta. É que o Vaticano não é, pura e exclusivamente, Santa Sé ou Sede do Poder Espiritual. É, simultaneamente, sede do poder temporal, quantitativamente exíguo em termos territoriais, é certo,  mas qualitativamente idêntico ao estatuto de qualquer Estado Soberano. Por isso mesmo, se lhe chama Estado do Vaticano, dotado de ministros, dicastérios, embaixadas, eufemisticamente designadas de ‘nunciaturas apostólicas’. Portanto, o Vaticano é, paradoxalmente César e Deus, ao mesmo tempo, enxertados num mesmo tronco. No mesmo conjunto arquitectónico reúnem-se o santuário divino e o palácio real. E é justamente nesta investidura de Estado que em nada destoaria se o Chefe de Estado Romano endereçasse ao novo Executivo Italiano as normais saudações do protocolo.

         Através do seu órgão oficial, L’Ossevatore Romano, sabemos que tal não aconteceu. No entanto, uma nota impressiva - citada pelo  excelente jornal digital português “7 Margens” – fez saltar para todo o mundo, urbi et orbi, o testemunho da Conferência Episcopal Italiana, em termos suficientemente elucidativos sobre o eventual futuro do país nas mãos da extrema direita, vista como hostil a grande parte da agenda social do Papa Francisco. É o próprio cardeal Matteo Zuppi, presidente da CEI, que assim fala aos recém-eleitos:

   

         Exerçam o mandato como uma alta responsabilidade, ao serviço de todos, começando pelos mais débeis, nomeadamente os migrantes.  

         Sabendo da política de exclusão dos migrantes que a extrema-direita inscreveu nas linhas programáticas do futuro governo, logo se vê a coragem do episcopado italiano face a tão premente drama social. Mas não fica por aqui. Insiste no:

Acolhimento, proteção, promoção e integração dos migrantes, atenção às taxas de pobreza continuamente crescentes, diminuição da natalidade, necessidade de cuidado e proteção aos idosos, acentuada disparidade entre o norte e o sul do país, elevados níveis de desemprego, especialmente entre os jovens, e a crise ambiental e energética.

Assumindo-se como ‘sentinela da madrugada’ dos tempos que aí vêm e talvez  prenunciando um desafio que tem a ver com o povo e, por osmose identitária, com a matriz da Igreja original, o documento termina em modo de vanguarda vigilante:

Em Itália, a Igreja continuará a indicar com severidade, se necessário, o bem comum e não os interesses pessoais, a defesa dos direitos invioláveis da pessoa e da comunidade.

“Com severidade” - eloquente Declaração da CEI, que não desdoura, antes as ultrapassa, as tomadas de posição, premonitórias e incisivas, do Parlamento Francês e da Comissão Europeia, quando frontalmente previnem a extrema direita italiana que a Europa nunca abdicará dos valores fundamentantes da Democracia e da Civilização.

Fratelli… Fratelli – é o que apetece trautear, em jeito de refrão de revista. E concluir, notando: Tão iguais na sonoridade fonética e Tão diferentes na sua tradução semântica!

 

         29.Set.22

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