Aqui
está o Até já do último dia, a
crónica da Festa, cuja segunda página hoje completa a primeira anteriormente
descrita. Chamam-lhe vulgarmente a festa
profana em oposição à festa dita religiosa, mas para nós elas são os ramos do
mesmo tronco culto-cultural e efusivo daquela atmosfera sadia que todos
precisamos de respirar e onde optámos por viver.
Para memória futura, a Festa ritual e
processional em honra da Protagonista Senhora do Amparo desdobrou-se inteira do
templo para a rua, como já é protocolo não escrito desde há mais de 50 anos. Os
ribassequenses esperam a sua festa para confraternizar, divertir-se e, sobretudo,
levar ao palco as suas tradições, umas centenárias, outras mais recentes, a sua
trajectória sócio-existencial e cultural, transformada em verso, música e
dança. Quem quiser escrever a história do Povo da Ribeira Seca encontrará nas canções festivas da terra um manancial fidelíssimo da sua génese, do
seu crescimento, das sua altitudes e das
suas depressões, das suas glórias e contratempos, numa palavra, da sua luta até
ao vértice, sempre inalcançável, da perfeição, os valores humano-culturais e espirituais
de que deve enformar-se uma sociedade habitável.
Assim se cumpriu mais um ano. Os seis
sítios da Ribeira Seca, jovens e adultos – e a que se juntaram também as
crianças – apresentaram-se em palco coreografando os versos e as músicas
originais evocativas do seu percurso histórico. Aqui deixo apenas alguns dos
estribilhos de cada grupo, não obstante o desejo de fixá-los por inteiro,
datando-os da época a que dizem respeito.
Ó noite tão ditosa Viva a alegria do povo
É aquela que hoje se tem Que é alegria verdadeira
Ó noite mais formosa As uvas dão vinho novo
Que todos se querem bem Vinho novo da Madeira
Viva a canção da terra O povo está amargurado
Da terra que nos dá o pão Cansado
de trabalhar
Viva o Moinho da Serra Temos vivido espremidos
Que aqui traz seu coração Como
as uvas no lagar
(1976)
(1983)
Viva quem de longe vem Vem tronco em flor
Ver de novo a terra-mãe Povo que te levantas
Sua terra pequenina Conta a tua dor
É de todas a mais linda Nos versos que hoje
cantas
Este nosso baile rodado
É cantado com amizade O povo em festa
É para o nosso emigrante Canta mas não se ilude
Que vem de lá bem distante Quer ter e com razão
Matar a sua saudade O Centro de
Saúde
A festa em que o povo dança (1982)
Fica sempre na lembrança
(1987)
Inaugurar o quê Cantai crianças
Aquilo que se paga Nesta festa do povo
Quanto mais se inaugura Cantai crianças
Mais dinheiro se estraga P´ra fazer um mundo novo
O que o povo precisa As crianças da
paróquia
É de ver a sua vida Têm muito que contar
Toda bem organizada Querem
ver os seus direitos
E de ver a sua estrada Toda a gente respeitar
Bem depressa alcatroada
(1994)
As estradas são do povo
A luz é do povo Foi no ano de 60
Ele é que é o patrão Passou-se uma grande coisa
O povo é que paga tudo Novas paróquias nasceram
Essa é a nossa condição Com o bispo David Sousa
O povo é que paga tudo O povo ficou contente
É nossa a inauguração Com este caso tão raro
(1983) Nasceu a nova paróquia
Na Capela do Amparo
(1969)
Esta curta amostra da participação activa da comunidade (mais de 60 elementos em palco) poderia ser ampliada o triplo e o quádruplo, tantas são as centenas de canções produzidas pelo povo (a letra) e por mim (a música), algumas das quais já editadas em CD e publicadas nas redes sociais.
Ao
delicioso bolo da alegria faltava ainda a “cereja sonora”: a comemoração do 39º
aniversário da nossa tuna, a TCM- Tuna de Câmara de Machico – fundada por
jovens da Ribeira Seca em 1983. Atravessou quase quatro décadas e, por isso, os
jovens de hoje, herdeiros de pais fundadores, ofereceram ao público presente
uma breve actuação, de que se destaca a KleineSerenad
(nº13) de Mozart, Time, Funiculi Funiculá e, para encerramento, Canção do Mar, e Amor a Portugal na voz
de Paula Spínola.
Aqui
fica, portanto, para memória futura, esta apressada síntese do espírito que tem
sobrevoado o chão e o firmamento deste pequeno vale incrustado no coração do
grande vale de Machico. Nas nossas festas, o Povo é que tem ocupado a centralidade
dos programas festivos, porque ele – o Povo Ribassequense – é que tem sido a
inspiração, a composição, a construção e a exibição coreográfica dos mesmos
programas. Ele é autor, actor, construtor e intérprete da sua própria festa.
Viva
Ribeira Seca !!!
Pois é! Aqui está bem explícito e traduzido na bruma do tempo presente a história de um Povo. Para quem se interessa pela investigação de histórias de vida coletiva, muito em voga no espaço académico do Brasil, EUA, Canadá e, em algumas regiões do nosso país, comece por estudar a historia cantada do povo da Ribeira Sêca.
ResponderEliminarObrigado Pe. Martins por mais este texto, por mais estas dicas tão importantes nos meandros da elevação resiliente do Povo Ribassequense.