quinta-feira, 31 de março de 2022

BISPOS E ARCEBISPOS EM GUERRA: PUTIN OU CRISTO ?

                                                                           


Por mais estranho e paradoxal que se nos afigure, é no mar alto das vagas revoltas que, por um lado, se revelam os ânimos dos mareantes e, por outro, se distinguem os genuínos timoneiros das grandes naus. As águas paradas, indistintas, não têm rosto nem alma – leia-se, identidade.

Os bárbaros acontecimentos perpetrados pela Rússia em território ucraniano trouxeram à tona da história a séria questão das identidades religiosas, ou seja, o pêndulo e o lugar da Religião no grande teatro da Política. Nesta especial conjuntura, o caso toma proporções gigantes, fratricidas, visto que estão em litígio frontal dois irmãos da mesma família, mais precisamente dois braços do mesmo corpo – a Igreja Cristã Ortodoxa – ao ponto de estarmos à beira de um iminente cisma dentro da mesma milenar instituição.

Em breve comentário, cinjo-me ao recente artigo de Cécile Chambraud, jornalista de Le Monde, tendo por fundo a posição bicéfala da Igreja Ortodoxa face à invasão da Ucrânia. Posicionado entre as tropas invasoras de Putin, apresenta-se o Arcebispo de Moscovo, a cuja jurisdição pertencem oficialmente os bispos das dioceses ucranianas. Enquanto o hierarca moscovita cauciona religiosamente a ofensiva militar, conferindo-lhe uma “dimensão metafísica, contra as forças do mal que se opõem à unidade do povo e das igrejas russas”,  o episcopado da nação martirizada deplora e condena a “guerra” (nomenclatura esta, “guerra”, proibida por Putin), afrontando sem tréguas não só o Kremlin, mas também o próprio patriarca Kirill, de Moscovo. Em consequência, os bispos decidiram pôr em exercício o estatuto de “autocefalia canónica”, isto é,  a independência face ao patriarca Kirill, uma prerrogativa que lhes foi outorgada pelo patriarca máximo Bartolomeu, de Constantinopla, primus inter pares.

O conflito aceso dos bispos,  (na vanguarda está Onuphre, bispo de Kiev) chega ao extremo de suspender o nome de Kirill nas celebrações litúrgicas. Em suporte da autoridade que reclamam, as igrejas ucranianas invocam o primado da fé, pois que a Ucrânia é considerada o “berço do cristianismo eslavo”. Ademais, no Sínodo episcopal da Ucrânia, realizado em 24 de Fevereiro de 2022, foi exigida a “soberania do Estado e a integridade territorial do seu país”, ajuntando o pedido oficial ao patriarca de Moscovo “para apelar aos dirigentes da Federação da Rússia o cessar imediato das hostilidades”.

As tensões alastram-se pelos países ex-soviéticos, sobressaindo o testemunho de Innocent, bispo de Vilnius, afirmando que a Lituânia está abertamente contra a posição de Kirill, o mesmo acontecendo com as igrejas fundadas por emigrantes russos em Amsterdão e na Bélgica.

A guerra de Putin arrastou a guerra dentro da própria Igreja Ortodoxa. Isto acontece quando os responsáveis religiosos se tornam presas venáveis nas mãos dos políticos. Mas é aí, no remover das ondas alterosas, que se distinguem as identidades: os que permanecem fiéis à causa do Cristo do Evangelho e os que se vendem pelos trinta dinheiros sujos dos ditadores e seus aprendizes. É aí que se purificam as religiões, muitas e tantas vezes à custa da prisão de padres, do exílio de bispos, do extermínio misterioso de cristãos, de homens e mulheres que lutaram por uma digna cidadania.

Onde é que já vimos isto?...

Informem-se, leiam a história não muito longínqua do nosso país, da nossa ilha.

Quem dera fosse ouvida lá nos confins das igrejas e ermidas ucranianas, entre cinzas e mortalhas, esta voz dirigida aos verdadeiros crentes e aos seus lídimos pastores, caminheiros da Vida, combatentes pela Verdade:

VITÓRIA UCRÂNIA, VITÓRIA !!!

 

31.Mar/01.Abr.22

Martins Júnior

terça-feira, 29 de março de 2022

TODO O HOMEM É UMA ILHA E TODO O MUNDO É ‘SÃO JORGE’

                                                                          


É em São Jorge, onde 1.200 habitantes de Velas fugiram para a Calheta. É em Portugal, onde se gastam 6,3 milhões de euros, por mês, em medicamentos e suplementos para dormir. Nem é preciso rever os milhões de ucranianos que abandonam as suas cidades e aldeias. Thomas More definiu que “Homem Algum é uma Ilha”. Pois nesta hora, num mundo tendencialmente neurótico, Somos Todos Ilha de São Jorge. O mundo dorme em sobressalto!  

 

 

Redonda ou quadrada transparente ou opaca

Tragam-me uma pedra

Almofada enxerga ou maca

 Mas que segure

A ilha do fogo clandestino e bravo

Que transporto sob a derme de todas as noites e de todos os instantes

 

Mas quem ma traz é quem ma pede

Esta e aquele, aqueles e aquelas

Submersa rede

Maior que o mar de Velas

Vagando cambaleando no dorso do planeta

Turbilhão encadeado que não acha

O berço-amparo de uma ‘Calheta’

 

Tragam-me o rochedo onde sepulte

A fúria dos mísseis de Mariupol e Odessa

E possa enfim pousar a cabeça

De todas as ilhas-ventre de vulcão

 

Fugir, quem pode e para que cavernas,

Se já ninguém tem bastão

E já não aguentam calos e pernas

De tanto fugir sem solução

 

Mordido invadido sacudido

Desde o verde doce até às entranhas

Por mais pesado de ouro o seu alforge

O mundo todo cabe

Na Ilha de São Jorge

 

Nem a lança gigante

Do patrono lendário

Algemará triunfante

As garras do ‘rublo’ dragão imaginário

 

Até quando?...

 

29.Mar.22

Martins Júnior

domingo, 27 de março de 2022

A PAZ ENTRE DUAS E MUITAS E TODAS AS GUERRAS

                                                                            


Fosse este Domingo o prenúncio da reunião de amanhã entre Rússia e  Ucrânia! Seria então o cessar-fogo definitivo, seria o tão angustiadamente almejado fim da guerra!

         Porque hoje foi dia de mudar de hora. E mais que mudar de hora, melhor seria mudar de era - a metamorfose pacificadora de passar das armas das trevas para as armas da luz, como escreveu Paulo de Tarso. Passar da razão da força para a força da razão! Ultrapassar a era do homem das cavernas e alcançar o reino do “Homo Sapiens”, uma humanização holística em que, de todos os outros, sobressai o talismã da Paz.

         Para entrarmos neste círculo virtuoso de pensamento e acção, sugiro a leitura do LIVRO – o ponto alto entre uma semana e outra deste Senso & Consenso – mais precisamente, no capítulo 15,11-32, de Lucas: o vigoroso e, ao mesmo tempo, comovente episódio conhecido por ‘Regresso do Filho Pródigo’.  Como todos os textos plenos de profundidade e vastidão, dispensa comentários excedentários: melhor senti-lo que explicá-lo.

         Estão ali sectorialmente desenhadas as guerras de diferentes tipologias; as classistas, as familiares, as psicológicas. E de entre todas, avulta o pedagogo exemplar e o criador ficcionista de uma realidade sociológica incontornável – o Nazareno – cujo poder comunicacional pretende um bem maior, o da reconciliação. Numa palavra, a Paz duradoura.

         Sintetizando. Duas classes: de um lado,  os fariseus, os doutores da Lei, a classe aristocrática e, do outro, os publicanos, os pecadores, os párias, os proletários, os da valeta. No meio, um Líder, um Mestre, um Amigo solidário com os valeta, ao qual a classe dominante lança uma campanha pública de arrasar: “Esse homem só faz camaradagem com os pecadores, come e bebe com eles”, é mais um demagogo que aí anda, um populista da ralé – diríamos hoje.

         Então aqui surge o criador ficcionista da realidade: a parábola em que entram um pai e dois filhos, o mais novo a reclamar prematuramente a herança, que viria a dissipá-la, pouco depois, numa vida dissoluta com prostitutas, diz claramente o Mestre. O mais velho, porém,  sempre fiel ao pai, trabalhador, poupado, sensato. Na trama da ficção (decalcada do real quotidiano) o jovem, reduzido à miséria extrema, ganha força anímica, volta à casa paterna, reconhece o erro, pede perdão e há festa grande, música, danças e ementa opípara. O irmão, o mais velho, regressando do trabalho nos campos, recusa-se a entrar em casa, alegando que o mais novo não merecia aquela pompa injustificada. O pai, sempre apaziguador, vem cá fora e convence o filho a entrar e a congratular-se festivamente porque “este teu irmão estava morto e voltou à vida, estava perdido e foi reencontrado”.

           É de uma vastidão interminável, abrangente e universal a radiografia impressa neste episódio ficcional revelador da sociedade em que vivemos, em que sempre se viveu e há-de viver. Quem não se sente identificado com esta ‘ressonância’ psico-social de várias direcções: pais, educadores, professores, governantes, políticos?... Quanto custam os pedregosos caminhos da reconciliação!

         Terá Putin, o cristão Putin, na sua basílica da ortodoxia oficial, terá lido o texto proposto para este Domingo? Ter-se-á ele colocado no papel do filho pródigo que continua a destruir não só os bens do seu povo e jovens soldados, filhos do povo, mas também, criminosamente, os bens e vidas alheias na Ucrânia?! … Quando regressará ele à Casa do Pai?... e deixará que os mártires ucranianos voltem às suas casas, embora  destruídas?... O problema, o trágico e inultrapassável dilema, é que o deus dele é o deus da guerra, o mitológico Marte travestido de um deus cristão. E tem a seu lado, o sacro ou sacrílego lugar-tenente, o Arcebispo Cirilo de Moscovo, que banha em luzidia água-benta as metralhadoras e os tanques de guerra!

Se ao menos viesses, Jesus de Nazaré, e te sentasses à mesa das conversações russo-ucranianas e aí lhes recontasses o episódio do Filho Pródigo…  

 

27.Mar. 22

Martins Júnior

sexta-feira, 25 de março de 2022

‘POR QUEM OS SINOS DOBRAM?’ – POR DEUSES INEXISTENTES !

                                                     


Chegaram aos inóspitos fundos marinhos

E abalaram  magmas viscerais do planeta

Susteve o sol talvez o seu curso diurno

Terão ultrapassado Marte e Saturno  

Mas não subiram ao Olimpo de Júpiter-Sibério

Nem as colunas salomónicas do Vaticano

Comoveram sequer as cortinas da sala do Império

Onde férreo e gélido assenta  o novo imperador

 

 Enquanto os sinos dobram e os coros inundam as estrelas

Apodrecem os trigais da Ucrânia

Sob as  bombardas que semeiam a cizânia

Cruel e assassina

Podem os sinos dobrar a mais doce ária divina

Que jamais calarão a fúria das granadas

E os gritos que estalam sob os escombros

 

Onde param os deuses dos humanos?

O dos russos saberão

Mas onde o dos ucranianos?

 

O gélido férreo imperador

Brinda o seu deus com juras de fé e amor

E tem-no preso à mão direita

Na ponta do fuzil e no porão do nuclear

 

Por isso é vão o vosso dobrar

Sinos da aldeia  carrilhões potentes

Só acordais deuses inexistentes

 

Mas tocai sempre, cantai

Até que mudem o bronze e o badalo

E ao czar-imperador senhorio de um deus vassalo

Soltem-lhe a alma mas amarrem-lhe os braços

E não se oiça mais um ai sob os estilhaços.

 

        25.Mar.22

        Martins Júnior


quarta-feira, 23 de março de 2022

17.500 contra 17.499 !!!

                                                                                      


A soma de todas as manhãs venceu a soma de todas as noites. E ergueu o padrão vitorioso no dia – um só dia e hoje foi – em que os homens e mulheres de todo o país não deixaram cair ao chão a Bandeira da Liberdade reconquistada!

Por muito que desagrade aos corvos nocturnos das 17.499 valas comuns em que devoraram e sepultaram gerações, era imperioso fazer uma festa – a Festa da Democracia contra a Ditadura.

Belo, belíssimo tudo quanto se passou na capital portuguesa: os poemas, os cânticos, a homenagem aos militares de Abril e a saudade aos que não viram o sol desta manhã do 17.500º dia!

Mas não há festa sem dor. Ad Augusta per Angusta!

Muitos foram – muito mais que os dias contados – aqueles que carregaram aos ombros e apertaram ao peito a miséria, o medo, a prisão, a deportação e a morte para que chegasse o Dia Maior.

Em preito de gratidão e respeito pela sua memória, seja nosso, ao menos, um dia dos 17.500 gloriosos dias. Isto é, que não voltemos as costas ao apelo quotidiano da Democracia. Porque a ditadura serpenteia subtilmente por entre os seixos que pisam os nossos pés: na rua, na oficina, na escola, na choça, no trono e no altar. Acrescentemos uma pétala mais ao majestoso Cravo Vermelho do 25 de Abril !!!

Somos portugueses, é nossa a vitória!

Mas também somos madeirenses. Por isso, deixo no mais fundo do nosso subconsciente esta pergunta: Teremos nós, ilhéus, conseguido atingir plenamente o 17.500º Dia da Liberdade?!...

 

23.Mar.22

Martins Júnior


segunda-feira, 21 de março de 2022

PADRE CONTRA-PUTIN… BISPO PATRIARCA PRÓ-PUTIN: QUALQUER SEMELHANÇA NÃO É PURA COINCIDÊNCIA DE REGIMES

                                                                          


Do já visto, que mais há a ver ou a esperar de Mariupol, de Lviv, de Kherson, de Kiev?...

Só uma incurável tendência masoquista poderá suportar mais esse cálculo transformado em demência – ou essa demência calculada – em que se tornou a ambição de um monstro de traje humano. Por isso, o único móbil destas linhas, consiste, acima de tudo, em extrair as ilações que daí advêm para o nosso solo pátrio ou para o terreiro do nosso quotidiano. Comparar e concluir.

Aí está o primeiro golpe, mais suavemente, o primeiro semáforo. Claro, candente, inequívoco. É um padre que no-lo apresenta. Ele, o padre ortodoxo Ioann Burdin, pároco da aldeia russa de Karabanovo, é preso, condenado a pagar uma multa de 300 euros e terá de comparecer  a julgamento quinta-feira próxima, acusado de crime lesa-Estado-Forças Armadas. Mas qual crime? Tão-só o de ter pronunciado o vocábulo “guerra” (nome proibido pela censura do Kremlin) ao referir-se à invasão da Ucrânia. E ainda por ter denunciado na homilia da sua missa o absurdo do derramamento de sangue entre  irmãos da mesma fé, cristãos contra cristãos.

Que fez o Patriarca Cirilo, seu superior hierárquico? Defendeu o padre Burdin, cuja jurisdição pertence ao Patriarcado de Moscovo? Não, pelo contrário. Porquê? É amigo (e vassalo) de Putin. A Igreja Ortodoxa na Rússia está nacionalizada, está toda sob a alçada do Estado.                           


Sem mais preâmbulos nem desvios diletantes, vamos ao paralelo  entre Rússia e Portugal, sob o ponto de vista orgânico-eclesiástico. Refiro-me aos 48 anos do fascismo salazarista, em que a aliança escandalosa (eu diria, incestuosa)  entre o Patriarca Cerejeira e o Chefe do Governo Oliveira Salazar perpetrou perseguições e atentados  políticos contra sacerdotes contestatários da guerra colonial, chegando ao extremo de expulsar do país o famoso Bispo do Porto António Ferreira Gomes.

 Gostaria de conhecer e manifestar ao Padre Ioann o quanto sinto eu de simpatia e solidariedade humana, cristã, sacerdotal! E quanto aprecio a sua coragem e coerência evangélica!... Recordo a minha forçada integração no Batalhão de Caçadores 1899, atirado para a guerra em Cabo Delgado,  Moçambique, anos 1967-1969. Recordo a repreensão que levei por não ter lançado a bênção protocolar ao estandarte do Batalhão, na igreja da Amadora, onde estava sediado o Regimento de Infantaria1. Mais impressiva me ficou a ordem de comparecer no gabinete do comandante, já em África, onde me transmitiu o seu descontentamento por “o nosso capelão não falar em Nossa Senhora de Fátima para dar força e sangue-frio aos nossos rapazes na invasão dos aldeamentos dos nativos”, ao que prontamente e perfilado respondi: “Se o meu comandante pensa que vou fazer de Nossa Senhora de Fátima uma segunda padeira de Aljubarrota, desengane-se, mande-me já para a minha terra”. Devo dizer que na hora temi pelas consequências!... No entanto, ainda tive tempo de justificar a minha resposta: "Permita-me, meu comandante manifestar-lhe o meu remorso quando me vejo metido entre cristãos que matam outros cristãos. Nas minhas saídas ao mato com os nossos soldados, digo-lhe que nas palhotas das populações fugidas à nossa tropa tenho encontrado terços, miniaturas de Nossa Senhora em marfim, crucifixos em pau-preto, tudo trabalhado pelos indígenas, e até evangelhos bilingue, em maconde e em português. É este o meu drama de capelão militar"

Deixemos os 48 anos da ditadura ante-25 de Abril. Façamos a radiografia do regime russo e do seu alucinado líder Putin, sobrepondo ao mapa da imensa ex-URSS o mini-reinado territorial chamado Madeira, em tempos de Autonomia pós-25 de Abril. Os traços e os passos são rigorosa e qualitativamente decalcados um pelo outro, diferindo apenas no volume quantitativo das operações. Um dia alguém há-de fazer a história da mais degradante relação incestuosa entre dois poderes, o político e o eclesiástico, a começar pela subserviência mendicante dos bispos madeirenses sob as “botas cardadas” do governante. Jamais esqueceremos (embora a comunicação social tudo faça para rasurar o caso) a tremenda tentativa de anexação de uma igreja madeirense, quando em 1985 um contingente de 70 polícias armados fez a ocupação selvagem do modesto templo da Ribeira Seca, durante 18 dias e 18 noites !!! Putin, na sua demência calculada, seria capaz de fazê-lo.

As conclusões – certas e directas:

1.     Em 1974, a união Povo-Forças Armadas derrubou o ditador.

2.     Em 1985, o povo vigilante e inabalável, viu sair, humilhado e impotente, o contingente policial, ficando definitivamente em paz segura o povo daquela encosta.

3.     Os ditadores não nascem por geração espontânea, instantânea. É o povo que os faz, primeiro entram com passos de fino algodão e, no fim, investem com tanques de guerra. Para eles deixou Zeca Afonso a emblemática balada dos “Vampiros”. Para nós, fica o alarme de cada manhã e de cada noite: Ao fascismo e seus nem uma vasa, nem um vão, nem uma vasa, nem um passo!

4.     No Dia Mundial da Poesia, é este o nosso poema:

Viva o Padre Burdin. Viva a Ucrânia !!!

      

21.Mar.22

Martins Júnior

sábado, 19 de março de 2022

CRISTO CAPITALISTA?!... REALISMO E CONTRADIÇÃO

                                                                               


 

       Guerras, catástrofes, economia, produtividade, relações de causa e efeito – é disto que hoje se fala. Ninguém se espante, ninguém estranhe. Porque há mil, dois mil, há milhões de anos, era assim, era disso que se falava. Também no tempo de Jesus de Nazaré. Com uma nota contrastante: é que Ele interpretava os factos, mesmo os mais imprevisíveis e aberrantes, interpretava-os com um realismo duro e cru, extraindo deles lições de optimismo mobilizador.

         É só abrir o LIVRO (o costume que, por opção própria,  já erigi em lei para cada fim-de-semana) e aí encontraremos a lógica deste prólogo inicial. Está tudo descrito no capítulo 13 de Lucas, versículos 1-19. Primeiro acontecimento fatídico: Um tal Pilatos (traduzamos por um tal Putin) mandou chacinar um grupo numeroso de galileus. Segundo: uma alta torre, classificada de Siloé, desmoronou-se e ao cair matou 18 homens. Na mentalidade da época, desastres, epidemias e guerras eram tidas como castigos de Deus (por mais incrível que seja, ainda prolifera esta crença na mente de muitos devotos do século XXI…). Ora, o Mestre das Gentes confronta os judeus, interpela-os e acusa-os de ignorância e blasfémia: ”Acham que foi castigo divino? Desiludam-se, porque vocês não são melhores que aqueles que morreram”.

         Realismo puro e duro, mas esclarecedor para um povo mergulhado no obscurantismo doentio das superstições! Voltasse Ele à Terra, que diria de certas devoções absurdas em que se pede a Deus que acabe a guerra, quando se sabe que o Supremo Arquitecto do Universo não entra nas guerras dos homens. Maior ultraje ainda à Divindade é pedir-Lhe a morte das forças beligerantes adversas! É o que faz Putin na sua Igreja Ortodoxa, É o que fazíamos nós (com os capelães militares à cabeça) nos vergonhosos tempos da guerra colonial.

         Mas o nosso Líder Sócio-Espiritual vai mais longe na desmistificação das falsas mensagens dirigidas a Deus e a Ele próprio, que mais não são que indignas tiradas provocatórias, as quais o verdadeiro crente nunca se atreveria a fazer, ou seja, forçar outrem a realizar as tarefas que só ao próprio devoto impetrante se devem exigir. Como exímio pedagogo que é,  recorre à alegoria da figueira que ‘se recusava a dar fruto’, três anos seguidos. Se não produz - quando tudo tinha para produzir - então a solução é dar lugar a outra. Nada mais consequente em termos de economia circular.

         Abro aqui um breve parêntesis para dar conta da contradição em que se envolvem muitos comentadores, alegando que Jesus de Nazaré advogaria neste caso a apologia do capitalismo, a exploração primária dos meios de produção ou o primado do capital sobre o trabalho. Em apoio desta tese, juntam uma situação paralela, a dos talentos ou das minas (Mateus, 25, 14-30) em que são premiados os subalternos (digamos, os operários, os caseiros, etc,) que apresentam lucros a 100% aos seus patrões e senhorios. Logo, pelas premissas falsas, uma falsa conclusão: Jesus era apologista do capitalismo.

         Bem vaticinou o velho Simeão no Templo de Jerusalém: “Esta Criança que sustento nos braços será um sinal de contradição no mundo”. (Lucas, 2, 21-40). Com efeito, ao Jesus comunitário, a quem chamam de ‘comunista’, vêm agora outros que lhe lançam em rosto o baldão de ‘capitalista’!

             Não serão necessários brilhantes silogismos demonstrativos da evidente hermenêutica do texto, aliás dos dois textos reproduzidos. O sábio Nazareno quis tão-só (e ainda hoje o quer) relevar o insubstituível contributo do factor Trabalho na construção da sociedade. Contra o imobilismo, seja ele braçal, intelectual ou religioso, o nosso Mestre pretende libertar o ser humano do seu atávico complexo de inferioridade ou de impotência básica, conferindo-lhe em contrapartida o seu papel de Co-Criador, construtor das Civilizações, sem cujo esforço a terra, o homem, o progresso não passarão de 'terra queimada' que nada produz.

         Transpondo para o trágico cenário que hoje vivemos, o que o martirizado povo ucraniano pede (eu diria, exige de nós) não são mãos enclavinhadas rogando aos deuses e às sacras esculturas mortas aquilo que está exclusivamente nas mãos dos vivos, a começar pelos líderes das nações. Acção, dinamismo, resiliência e criatividade: eis o que desponta dos ramos da figueira-protagonista que hoje se nos propõe.

         Seja cada um de nós tronco de figueira reprodutiva para merecermos viver e ocupar os palmos de terra que nos são dados com prazo predeterminado!    

          19.Mar.22

Martins Júnior

quinta-feira, 17 de março de 2022

AS JUSTIÇAS CONTRA A JUSTIÇA

                                                                             


Das aberrações sangrentas sadicamente infligidas contra o povo ucraniano nem vale mais a pena carpi-las ou abominá-las, tais os extremos a que chegaram. Resta-nos apenas tirar as conclusões e aguardar que a espada severa da Justiça se erga tão vigorosa e firme como a espada de Salomão. E é precisamente de Justiça – da Justiça – que podemos extrair algumas conclusões, talvez uma única, enorme sentença acerca dela. Digamos que é a Justiça no banco dos réus.

Em filosofia, aprende-se a partir do particular para o universal. Inversamente também se parte do universal para o particular como método seguro à  construção do pensamento científico. Dito de uma forma mais simplista, partimos das situações-macro para entendermos melhor  os episódios-micro. É o caso.

O Tribunal Internacional de Justiça deliberou a suspensão imediata da invasão russa e a desactivação de toda a logística armada das forças a soldo da Rússia na Ucrânia. O que se passou? Todos os juízes votaram a favor da decisão, fundamentada em argumentos e factos concretos. Todos, menos dois. Quais?... Os juízes da Rússia e da China! Por mais evidentes e arrasadores os fundamentos carreados para o processo, os intérpretes da Justiça russo-chinesa entenderam que a invasão e suas execráveis consequências estão isentas de qualquer cominação, ou seja, podem continuar. Sabemos que a Justiça é cega (e deve sê-lo intransigentemente) na  imparcialidade operativa das decisões, mas mais cegos são os justiceiros sectários daqueles dois países que não têm pejo de colocar a suprema deusa da Justiça sob as botas cardadas dos vampiros que os governam. É a mais degradante baixeza e é o mais autofágico atentado da dignidade humana.

Perante este escândalo-macro, que se há-de pensar de outros deuses menores sujeitos às negaças/favores/ cantos de sereia que pesam mais que a verdade na balança dos julgamentos?!...

Como são ardilosos e subtis os homens na urdidura das teias conducentes à prossecução dos seus interesses! À maneira de certos mecanismos tecnológicos hiper-calculados, também os legisladores criam automatismos tecno-jurídicos, cujo conteúdo funcional dirige-se exclusivamente a beneficiar o agressor, imunizar o criminoso. Estamos perante um desses casos mais engenhosos e maquiavélicos:

Ainda que o Tribunal Internacional decida qual a sanção sobre este ou aquele país visado, a sua eficácia coerciva só será exequível após a aprovação unânime do Conselho de Segurança das Nações Unidas. Neste órgão superior da magistratura internacional tem assento a Rússia, cujo voto é imprescindível para a execução das decisões do Tribunal. Ora, a Rússia tem “direito de veto”, pelo que nunca será posta no terreno a sentença do Tribunal Internacional de Justiça que ordena a suspensão imediata da invasão. É a farsa perfeita, o embuste em que medram os Tratados Internacionais que, iludindo a opinião pública, engendram válvulas de segurança para arquivar os processos e  proteger os criminosos públicos.

É o mundo que fabricámos ou outros fabricaram nas nossas costas, quantas vezes com os nossos ‘deferimentos tácitos’, quando silenciamos leis injustas, decretos abusivos, portarias, regulamentos e despachos, desde que “não nos pisem os calos”, os nossos… sabendo que vão prejudicar o vizinho, o colega, o irmão.

Os maus exemplos vêm de cima. Quando os gigantes magnatas assim procedem, que se há-de esperar dos pigmeus alpacas dos burgos e das aldeias? Partimos do macro para o micro, do geral para o particular. E é por tudo isto que nas fráguas do nosso consciente e do nosso subconsciente escorre o lodo do desânimo, entorpece a sede de Justiça. Ou (e é o melhor) desperta em nós o sopro da revolta. Acordai! – dizia e cantava o nosso imortal Lopes Graça.

Os ditadores não temem as armas nem respeitam os tribunais. Só há uma única autoridade, um único exército pacífico e eficaz para pô-los em sentido: o POVO !!! Esperamos que assim faça o POVO RUSSO.

 

17.Mar.22

Martins Júnior   

terça-feira, 15 de março de 2022

NASCIDOS PARA UM ALZHEIMER SEM FIM

                                                                                  




Muito provavelmente esgotarei hoje o meu arsenal – ou o meu amargo oceano - de palavras sobre a interminável angústia do leste europeu, baixando os braços lassos caídos na areia das praias de Odessa a escrever esta sina congénita: a espécie humana nasceu inelutavelmente condenada ao Alzheimer total! Sem remédio e sem emenda.

De cada genocídio perpetrado pela mão do homem, os sobreviventes deixam na bandeira branca da memória universal este inapagável testemunho: PARA QUE OS HOMENS NÃO ESQUEÇAM !!!

 

  Assim em Auschwitz Birkenau, 1939-1945:

PARA QUE OS HOMENS NÃO ESQUEÇAM

                            


Assim em Hiroshima e Nagazaki, 1945:

PARA QUE OS HOMENS NÃO ESQUEÇAM

 


Assim no Vietnam, 1965-1973:

PARA QUE OS HOMENS NÃO ESQUEÇAM

 


Assim no Iraque, 2003-2011:

PARA QUE OS HOMENS NÃO ESQUEÇAM

 


E  agora, aqui na Europa, perante as dementes atrocidades cometidas pela Rússia  contra o povo da Ucrânia, que havemos de dizer?

TÃO DEPRESSA OS HOMENS ESQUECERAM !!!

 

 


Que prazo terá a memória dos homens sobre os horrores deste nosso tempo?!...

Quando daremos uma definitiva “Oportunidade à Paz?!

 

15.Mar.22

Martins Júnior

 

domingo, 13 de março de 2022

“AFASTEM DE MIM ESSE CÁLICE” – EM BUSCA DE UM SENTIDO PARA A VIDA !

 

                                                         

Não há mais eco nem labirinto dentro de mim para esconder-me dos estampidos de guerra, das lágrimas furtivas que as mães contêm diante das crianças que trazem ao colo. “Afastem de mim esse cálice” – é o grito abafado que me sai dentro do peito, diante de hospitais destruídos, escolas arrasadas, habitações em chamas, mulheres que partem sem destino certo e os homens que ficam, talvez para não mais se reencontrarem. Basta!... Terá sido em situações de transe, de efeitos idênticos, que Antero de Quental esgotou todo o sentido da vida ao escrever num dos seus sonetos: “Que sempre o pior mal é ter nascido”?!

 Para isto, para assistir de olhos e coração enxutos a este macabro suicídio da condição humana, seguramente mais valia ter ficado no mundo dos possíveis…

 No entanto, um halo de ânimo doce mistura-se na moenga amarga desta manhã de Domingo. E traz de novo a dimensão e o sentido da vida. Na mesma ara os dois marcos de toda a existência: um berço e um caixão.

Primeiro foi o berço, o Carlos Henrique que os pais trouxeram à pia baptismal, as flores em arco e o repique festivo dos sinos. Daí a pouco, a Senhora Maria, valorosa centenária - completá-los-á, os 100 anos, no próximo mês de Abril entre as quatro tábuas que levámos ao mausoléu da terra fria. Bem se lhe podia encimar aquele panegírico que honra a fronte dos ‘mortais imortais’: Missão Cumprida!

Oh, o enigma indecifrável daquilo a que chamamos Vida!

Enquanto a centenária ‘viajante’ do Além desce à sepultura e sela a última página do seu episódio, o bebé emerge sorridente para a alvorada da existência. Uma é a árvore centenária que deixa cair generosa o fruto maduro, a outra é semente e raiz carregada da esperança de primaveras em flor. Uma termina a marcha, a outra toma o seu lugar e lá começa a aventura do amanhã.

Até chegar a sua vez…

Será esse talvez um dos mais sublimes sentidos da Vida: Somos apenas um episódio da Grande História que outros continuarão, escrevendo e realizando o seu próprio episódio. Que ninguém se exclua desta corrente energética que une o primeiro ao último passageiro do trem da Vida. Se outro conforto nunca ninguém nos der, fica-nos ao menos este, pessoal, inalienável, glorioso: continuaremos a viver em alguém! Queiramos ou não, é o facho olímpico da Vida que alguém transportará por nós.

O que importa é que enquanto formos os portadores, nunca a chama se apague em nossas mãos. E que na Grande História, seja belo, seja fértil, seja inspirador o episódio que deixarmos!

Assim se transfigura o nosso ser, à semelhança da transfiguração do Nazareno no Monte Tabor, como nos informa hoje o LIVRO de Domingo.

Assim desejaria (mas como é possível?) ao povo da Ucrânia: que as lágrimas caídas na face dos mártires da pátria se transfigurem em radiosas constelações de estrelas futuras.

 

13.Mar.22

Martins Júnior   

sexta-feira, 11 de março de 2022

RUSSOS = PUTIN… AMERICANOS = BUSH E TRUMP… ALEMÃES = HITLER… PORTUGUESES = SALAZAR… MADEIRENSES = ?

                                                                         


      Poucas palavras serão precisas para exprimir e denunciar uma nova forma de racismo, aquela que sempre se infiltrou no ADN dos povos, mas que na hora que passa surge quase instintivamente, rasando a epiderme agressiva dos intervenientes. Digo ‘sobretudo na hora que passa’ porque é esse um dos efeitos colaterais da guerra Rússia-Ucrânia.

         Em termos eufemísticos, digamos que estamos perante um dos tropos da linguagem ou figuras de estilo, mais conhecido por “metonímia” que consiste em tomar o todo pela parte ou a parte pelo todo. Tudo seria  inócuo se não estivessem em jogo vítimas inocentes, retaliações tribais que humilham e esmagam nações e gerações. É fenómeno indissociável do quotidiano actual a aversão a tudo quanto ‘cheire’ a Moscovo. Não me refiro às sanções justíssimas que por todo o mundo têm sido decretadas contra Putin e o seu regime perverso. O que está em causa (e não será de todo admissível) é o estigma do ódio visceral contra quem é condenado publicamente, só por este crime: ter nascido na Rússia.

         Entrando mais assertivamente no vírus deste estigma, cresce a indignação desenfreada contra os soldados que vestem o camuflado de guerra ao serviço de Putin. Quem nos dera perscrutar o povo russo e seus filhos ‘carne-para-canhão’…  Não tenho a menor dúvida de que o povo invadiria as ruas, ocuparia os paióis e não deixaria sair nem mais uma arma, nem mais uma munição.

Pergunto: será justo invectivar o cidadão comum nascido na Rússia, ou o Zé-soldado do Kremlin ou o simples migrante que habita noutro país?

Semelhante equívoco se passa com o americano normal  que tem de arrostar com os crimes de Bush no Iraque ou de Trump no Capitólio. Para já não falar do anátema, até hoje pendente contra o povo alemão, só porque entre os seus antepassados figura o monstro dos fornos crematórios.

Como português que sou, escuso de ir tão longe respigar sensibilidades contraditórias nesta área. Aquando da guerra colonial, Salazar e o seu círculo autista, hermeticamente fechado sobre si mesmo, proclamavam o heroísmo dos nossos ‘valentes soldados, heróis da pátria’, louvados e medalhados em campanha. Mal sabiam eles – mas o Zé-soldado português sabia-o bem e sentia-o na pele – que os nossos jovens lá estavam insatisfeitos, revoltados. E pior estavam os seus familiares, chorando indignados a morte dos seus filhos em terra alheia. Seria justo condenar o cidadão comum de Portugal  por causa da brutalidade cega de ‘Um homem Só’ ?... E foi tal a revolta do ‘Bom Povo Português’ que levou os militares lusos ao derrube do regime da ditadura!

E que dizer do cartilha artesanal de guerra, made in Madeira, sustentada por um indivíduo da ‘quinta coluna selvática’ que instigava ódio feroz a irmãos portugueses do Continente, cujo crime consistia tão-só em ter nascido fora da ilha?! “Vimos, sabemos e lemos, não podemos ignorar”!

É imperioso estarmos atentos e não permitirmos que novas e capciosas formas de racismo poluam Portugal e os que aqui habitam!  Não deixaremos que a parte comprometa e envergonhe o todo. A este propósito, o articulista de Le Monde mui criteriosamente observava numa reportagem recente: “Por esta crescente onda neo-racista, qualquer dia estaremos impedidos de representar Anton Tchekhov, o grande dramaturgo russo?”.

11.Mar.22

Martins Júnior