Do
já visto, que mais há a ver ou a esperar de Mariupol, de Lviv, de Kherson, de
Kiev?...
Só
uma incurável tendência masoquista poderá suportar mais esse cálculo
transformado em demência – ou essa demência calculada – em que se tornou a
ambição de um monstro de traje humano. Por isso, o único móbil destas linhas,
consiste, acima de tudo, em extrair as ilações que daí advêm para o nosso solo
pátrio ou para o terreiro do nosso quotidiano. Comparar e concluir.
Aí
está o primeiro golpe, mais suavemente, o primeiro semáforo. Claro, candente,
inequívoco. É um padre que no-lo apresenta. Ele, o padre ortodoxo Ioann Burdin,
pároco da aldeia russa de Karabanovo, é preso, condenado a pagar uma multa de
300 euros e terá de comparecer a
julgamento quinta-feira próxima, acusado de crime lesa-Estado-Forças Armadas.
Mas qual crime? Tão-só o de ter pronunciado o vocábulo “guerra” (nome proibido
pela censura do Kremlin) ao referir-se à invasão da Ucrânia. E ainda por ter
denunciado na homilia da sua missa o absurdo do derramamento de sangue entre irmãos da mesma fé, cristãos contra cristãos.
Que fez o Patriarca Cirilo, seu superior hierárquico? Defendeu o padre Burdin, cuja jurisdição pertence ao Patriarcado de Moscovo? Não, pelo contrário. Porquê? É amigo (e vassalo) de Putin. A Igreja Ortodoxa na Rússia está nacionalizada, está toda sob a alçada do Estado.
Sem
mais preâmbulos nem desvios diletantes, vamos ao paralelo entre Rússia e Portugal, sob o ponto de vista
orgânico-eclesiástico. Refiro-me aos 48 anos do fascismo salazarista, em que a
aliança escandalosa (eu diria, incestuosa) entre o Patriarca Cerejeira e o Chefe do
Governo Oliveira Salazar perpetrou perseguições e atentados políticos contra sacerdotes contestatários da
guerra colonial, chegando ao extremo de expulsar do país o famoso Bispo do
Porto António Ferreira Gomes.
Gostaria de conhecer e manifestar ao Padre Ioann o quanto sinto eu de simpatia e solidariedade humana, cristã, sacerdotal! E quanto aprecio a sua coragem e coerência evangélica!... Recordo a minha forçada integração no Batalhão de Caçadores 1899, atirado para a guerra em Cabo Delgado, Moçambique, anos 1967-1969. Recordo a repreensão que levei por não ter lançado a bênção protocolar ao estandarte do Batalhão, na igreja da Amadora, onde estava sediado o Regimento de Infantaria1. Mais impressiva me ficou a ordem de comparecer no gabinete do comandante, já em África, onde me transmitiu o seu descontentamento por “o nosso capelão não falar em Nossa Senhora de Fátima para dar força e sangue-frio aos nossos rapazes na invasão dos aldeamentos dos nativos”, ao que prontamente e perfilado respondi: “Se o meu comandante pensa que vou fazer de Nossa Senhora de Fátima uma segunda padeira de Aljubarrota, desengane-se, mande-me já para a minha terra”. Devo dizer que na hora temi pelas consequências!... No entanto, ainda tive tempo de justificar a minha resposta: "Permita-me, meu comandante manifestar-lhe o meu remorso quando me vejo metido entre cristãos que matam outros cristãos. Nas minhas saídas ao mato com os nossos soldados, digo-lhe que nas palhotas das populações fugidas à nossa tropa tenho encontrado terços, miniaturas de Nossa Senhora em marfim, crucifixos em pau-preto, tudo trabalhado pelos indígenas, e até evangelhos bilingue, em maconde e em português. É este o meu drama de capelão militar"
Deixemos
os 48 anos da ditadura ante-25 de Abril. Façamos a radiografia do regime russo
e do seu alucinado líder Putin, sobrepondo ao mapa da imensa ex-URSS o
mini-reinado territorial chamado Madeira, em tempos de Autonomia pós-25 de
Abril. Os traços e os passos são rigorosa e qualitativamente decalcados um pelo
outro, diferindo apenas no volume quantitativo das operações. Um dia alguém
há-de fazer a história da mais degradante relação incestuosa entre dois
poderes, o político e o eclesiástico, a começar pela subserviência mendicante
dos bispos madeirenses sob as “botas cardadas” do governante. Jamais
esqueceremos (embora a comunicação social tudo faça para rasurar o caso) a
tremenda tentativa de anexação de uma igreja madeirense, quando em 1985 um
contingente de 70 polícias armados fez a ocupação selvagem do modesto templo da
Ribeira Seca, durante 18 dias e 18 noites !!! Putin, na sua demência calculada,
seria capaz de fazê-lo.
As
conclusões – certas e directas:
1.
Em 1974, a união Povo-Forças Armadas
derrubou o ditador.
2.
Em 1985, o povo vigilante e
inabalável, viu sair, humilhado e impotente, o contingente policial, ficando
definitivamente em paz segura o povo daquela encosta.
3.
Os ditadores não nascem por geração
espontânea, instantânea. É o povo que os faz, primeiro entram com passos de
fino algodão e, no fim, investem com tanques de guerra. Para eles deixou Zeca
Afonso a emblemática balada dos “Vampiros”. Para nós, fica o alarme de cada
manhã e de cada noite: Ao fascismo e seus nem uma vasa, nem um vão, nem uma
vasa, nem um passo!
4.
No Dia Mundial da Poesia, é este o
nosso poema:
Viva o Padre Burdin. Viva a Ucrânia !!!
21.Mar.22
Martins Júnior
Bom dia, Brilhante, como sempre! O que não presta e nem prestou, nem prestaria, já sabemos.... Relembrar só nos leva à depressão.... Mas, o que esses gritos de Liberdade têm ajudado a sua Ribeira Seca a crescer?
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