sexta-feira, 11 de março de 2022

RUSSOS = PUTIN… AMERICANOS = BUSH E TRUMP… ALEMÃES = HITLER… PORTUGUESES = SALAZAR… MADEIRENSES = ?

                                                                         


      Poucas palavras serão precisas para exprimir e denunciar uma nova forma de racismo, aquela que sempre se infiltrou no ADN dos povos, mas que na hora que passa surge quase instintivamente, rasando a epiderme agressiva dos intervenientes. Digo ‘sobretudo na hora que passa’ porque é esse um dos efeitos colaterais da guerra Rússia-Ucrânia.

         Em termos eufemísticos, digamos que estamos perante um dos tropos da linguagem ou figuras de estilo, mais conhecido por “metonímia” que consiste em tomar o todo pela parte ou a parte pelo todo. Tudo seria  inócuo se não estivessem em jogo vítimas inocentes, retaliações tribais que humilham e esmagam nações e gerações. É fenómeno indissociável do quotidiano actual a aversão a tudo quanto ‘cheire’ a Moscovo. Não me refiro às sanções justíssimas que por todo o mundo têm sido decretadas contra Putin e o seu regime perverso. O que está em causa (e não será de todo admissível) é o estigma do ódio visceral contra quem é condenado publicamente, só por este crime: ter nascido na Rússia.

         Entrando mais assertivamente no vírus deste estigma, cresce a indignação desenfreada contra os soldados que vestem o camuflado de guerra ao serviço de Putin. Quem nos dera perscrutar o povo russo e seus filhos ‘carne-para-canhão’…  Não tenho a menor dúvida de que o povo invadiria as ruas, ocuparia os paióis e não deixaria sair nem mais uma arma, nem mais uma munição.

Pergunto: será justo invectivar o cidadão comum nascido na Rússia, ou o Zé-soldado do Kremlin ou o simples migrante que habita noutro país?

Semelhante equívoco se passa com o americano normal  que tem de arrostar com os crimes de Bush no Iraque ou de Trump no Capitólio. Para já não falar do anátema, até hoje pendente contra o povo alemão, só porque entre os seus antepassados figura o monstro dos fornos crematórios.

Como português que sou, escuso de ir tão longe respigar sensibilidades contraditórias nesta área. Aquando da guerra colonial, Salazar e o seu círculo autista, hermeticamente fechado sobre si mesmo, proclamavam o heroísmo dos nossos ‘valentes soldados, heróis da pátria’, louvados e medalhados em campanha. Mal sabiam eles – mas o Zé-soldado português sabia-o bem e sentia-o na pele – que os nossos jovens lá estavam insatisfeitos, revoltados. E pior estavam os seus familiares, chorando indignados a morte dos seus filhos em terra alheia. Seria justo condenar o cidadão comum de Portugal  por causa da brutalidade cega de ‘Um homem Só’ ?... E foi tal a revolta do ‘Bom Povo Português’ que levou os militares lusos ao derrube do regime da ditadura!

E que dizer do cartilha artesanal de guerra, made in Madeira, sustentada por um indivíduo da ‘quinta coluna selvática’ que instigava ódio feroz a irmãos portugueses do Continente, cujo crime consistia tão-só em ter nascido fora da ilha?! “Vimos, sabemos e lemos, não podemos ignorar”!

É imperioso estarmos atentos e não permitirmos que novas e capciosas formas de racismo poluam Portugal e os que aqui habitam!  Não deixaremos que a parte comprometa e envergonhe o todo. A este propósito, o articulista de Le Monde mui criteriosamente observava numa reportagem recente: “Por esta crescente onda neo-racista, qualquer dia estaremos impedidos de representar Anton Tchekhov, o grande dramaturgo russo?”.

11.Mar.22

Martins Júnior

 

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