quinta-feira, 31 de março de 2022

BISPOS E ARCEBISPOS EM GUERRA: PUTIN OU CRISTO ?

                                                                           


Por mais estranho e paradoxal que se nos afigure, é no mar alto das vagas revoltas que, por um lado, se revelam os ânimos dos mareantes e, por outro, se distinguem os genuínos timoneiros das grandes naus. As águas paradas, indistintas, não têm rosto nem alma – leia-se, identidade.

Os bárbaros acontecimentos perpetrados pela Rússia em território ucraniano trouxeram à tona da história a séria questão das identidades religiosas, ou seja, o pêndulo e o lugar da Religião no grande teatro da Política. Nesta especial conjuntura, o caso toma proporções gigantes, fratricidas, visto que estão em litígio frontal dois irmãos da mesma família, mais precisamente dois braços do mesmo corpo – a Igreja Cristã Ortodoxa – ao ponto de estarmos à beira de um iminente cisma dentro da mesma milenar instituição.

Em breve comentário, cinjo-me ao recente artigo de Cécile Chambraud, jornalista de Le Monde, tendo por fundo a posição bicéfala da Igreja Ortodoxa face à invasão da Ucrânia. Posicionado entre as tropas invasoras de Putin, apresenta-se o Arcebispo de Moscovo, a cuja jurisdição pertencem oficialmente os bispos das dioceses ucranianas. Enquanto o hierarca moscovita cauciona religiosamente a ofensiva militar, conferindo-lhe uma “dimensão metafísica, contra as forças do mal que se opõem à unidade do povo e das igrejas russas”,  o episcopado da nação martirizada deplora e condena a “guerra” (nomenclatura esta, “guerra”, proibida por Putin), afrontando sem tréguas não só o Kremlin, mas também o próprio patriarca Kirill, de Moscovo. Em consequência, os bispos decidiram pôr em exercício o estatuto de “autocefalia canónica”, isto é,  a independência face ao patriarca Kirill, uma prerrogativa que lhes foi outorgada pelo patriarca máximo Bartolomeu, de Constantinopla, primus inter pares.

O conflito aceso dos bispos,  (na vanguarda está Onuphre, bispo de Kiev) chega ao extremo de suspender o nome de Kirill nas celebrações litúrgicas. Em suporte da autoridade que reclamam, as igrejas ucranianas invocam o primado da fé, pois que a Ucrânia é considerada o “berço do cristianismo eslavo”. Ademais, no Sínodo episcopal da Ucrânia, realizado em 24 de Fevereiro de 2022, foi exigida a “soberania do Estado e a integridade territorial do seu país”, ajuntando o pedido oficial ao patriarca de Moscovo “para apelar aos dirigentes da Federação da Rússia o cessar imediato das hostilidades”.

As tensões alastram-se pelos países ex-soviéticos, sobressaindo o testemunho de Innocent, bispo de Vilnius, afirmando que a Lituânia está abertamente contra a posição de Kirill, o mesmo acontecendo com as igrejas fundadas por emigrantes russos em Amsterdão e na Bélgica.

A guerra de Putin arrastou a guerra dentro da própria Igreja Ortodoxa. Isto acontece quando os responsáveis religiosos se tornam presas venáveis nas mãos dos políticos. Mas é aí, no remover das ondas alterosas, que se distinguem as identidades: os que permanecem fiéis à causa do Cristo do Evangelho e os que se vendem pelos trinta dinheiros sujos dos ditadores e seus aprendizes. É aí que se purificam as religiões, muitas e tantas vezes à custa da prisão de padres, do exílio de bispos, do extermínio misterioso de cristãos, de homens e mulheres que lutaram por uma digna cidadania.

Onde é que já vimos isto?...

Informem-se, leiam a história não muito longínqua do nosso país, da nossa ilha.

Quem dera fosse ouvida lá nos confins das igrejas e ermidas ucranianas, entre cinzas e mortalhas, esta voz dirigida aos verdadeiros crentes e aos seus lídimos pastores, caminheiros da Vida, combatentes pela Verdade:

VITÓRIA UCRÂNIA, VITÓRIA !!!

 

31.Mar/01.Abr.22

Martins Júnior

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