sábado, 31 de outubro de 2020

O HERÓI SEM TERMO!!!

                                                                     


      Andam por aí, ululando pela noite densa, bandos de bruxas, sacolas vesperais de “Pão-por-Deus” e ainda os plangentes requiem’s  nas saudades sepulcrais que se aproximam. Todavia, o pior de todos os ‘halloween’s’ é esse agoiro sem máscara que, nem passado um ano, faz segunda visita indesejável às nossas portas. É, por isso, um tempo de heróis aquele que nos coube viver. Em vários registos e múltiplas direcções caminham eles, muitas vezes anónimos, mas em todas as circunstâncias, corajosos, persistentes e, quase sempre, incompreendidos.

         Em fim-de-semana, volto ao meu recanto pré-definido, para visualizar essoutro herói, tão imponente quanto ignoto, protótipo de tudo quanto de coerente e consequente o mundo produziu. Procuro-o, atravessando a alameda de tantos heróis, sempre verdes e robustos como os seculares embondeiros das florestas inexploradas. Entre eles, António Vieira, supremo de verbo e inquebrável de acção. Luther King e Mandela. Mais perto de nós, Hélder Câmara e António Ferreira Gomes, o do Porto, que afrontaram os ditadores, o primeiro no Brasil, o segundo em Portugal. E, para honra nossa e privilégio do planeta, o “Homem que veio do fim do mundo”, cuja palavra e exemplo têm abalado as estruturas viciadas de um mundo mergulhado na corrupção, na hipocrisia e na “economia que mata”.

No reino das sombras, senão mesmo nas novas catacumbas das velhas trevas do Vaticano, lá está o Homem, o Herói sem medo, com a sua voz frágil espadanando os mitos e os tronos, as aras e os baldaquinos onde nos querem fazer crer que está Deus, quando afinal não passam de bruxos e cadafalsos,  ‘nomes com que o povo néscio se engana’. Grande Papa Francisco, Admirável, ‘Superstar’ de um mundo disperso na noite!

Mas, interrogo-me, por que peregrina razão se espanta a nossa civilização com a palavra do argentino Bergoglio?... Que há de novo nos seus rasgos de veemente interpelação ao mundo, aos poderosos, aos políticos e, sobretudo, aos cardiais da corte vaticana, à Igreja total?... Não vejo outra resposta senão a da inércia, da ignorância, melhor dito, do absoluto desconhecimento, por acção e omissão. Ao longo dos séculos, a inércia dos homens e o ardil dos manipuladores encarregaram-se de esconder aos olhos do povo a página que é publicamente exposta neste fim-de-semana diante de quem queira ler com olhos de ver. É do capítulo 23 de Mateus Evangelista.

Foi duro, corrosivo e sem tréguas o conflito sócio-religioso de Jesus de Nazaré com as hierarquias sacro-políticas reinantes, mais acérrimo, porém, com os titulares do Templo de Jerusalém. Não há equivalência possível entre essa época e a actual. Compaginando os dados históricos, os corifeus dominadores da sociedade de então, alguns deles rivais entre si, uniram-se num único projecto comum: calar aquela voz, liquidar aquele ‘estorvo’ provocador da comunidade judaica. Era esse o desígnio ‘constitucional’ do monstro de duas cabeças: o poder político e o poder religioso.

Contra os Golias de ferro-e-fogo, o Nazareno não perdeu tempo em diplomacias, maciezas, poematos, complacências prudentes, nem com pílulas assintomáticas. Com o mesmo vigor com que zuniu os azorragues de corda dobrada contra os vendilhões do Templo, brandia a palavra como uma espada de muitos gumes. Sem comentar, para não tirar-lhe a veemência, ei-la em discurso directo:

«Na cadeira de Moisés sentaram-se os escribas e os fariseus.

Fazei e observai tudo quanto vos disserem,

mas não imiteis as suas obras,

porque eles dizem e não fazem.

Atam fardos pesados e põem-nos aos ombros dos homens,

mas eles nem com o dedo os querem mover.

Tudo o que fazem é para serem vistos pelos homens:

alargam as filactérias e ampliam as borlas;

gostam do primeiro lugar nos banquetes

e dos primeiros assentos nas sinagogas,

das saudações nas praças públicas

e que os tratem por ‘Mestres’.

Vós, porém, não vos deixeis tratar por ‘Mestres’,

porque um só é o vosso Mestre e vós sois todos irmãos.

Aquele que for o maior entre vós será o vosso servo”.

 

Traduzamos estas inultrapassáveis imprecações para os tempos e as estruturas actuais. Quem seria capaz de as proferir?... Quem ousaria afrontar com tanta transparência e intrepidez os magnatas das finanças, das políticas e das religiões?...

Jesus de Nazaré, o Maior!

 

31.Out.20

Martins Júnior

 

 


quinta-feira, 29 de outubro de 2020

APARIÇÃO PERPÉTUA

 


Viandante da saudade,

Procurei-a

Desde os carreiros da aldeia

Até à cidade

Nem o mago Parsifal

Nutriu tanto afã

Na demanda do Graal

 

Porque nela tudo era manhã

E até sob os seus pés

De cadência firme aureolada 

Quando as pisavam

Eram sonoras as pedras da calçada

 

Das cinzas fizeram-lhe asas

Soltas e livres

Migrantes férteis

Que onde voassem e onde caíssem

Ficava o chão mais puro e o céu mais claro

 

 

Adivinhei-a

Na corola dos crisântemos

No bolbo das orquídeas

Na berma cheia

De alfazemas buganvílias

 De todos os jardins

 

Não era ela

Mas o perfume dela

 

Descobri-a

Na falésia daquela baía

Que misturou as cinzas e os sais

Canção da maresia

Picor das ondas que não voltam mais

Frescor de velas largadas dos calhaus

Na proa de novas rotas e ritmos de outras naus

 

Não era ela

Era o eco da voz dela

 

Respirei-a

Em cada sopro e em cada ideia

Que me cercam e libertam

Suspensas como estrelas

Do espírito sidéreo

Avatar universal

 

Mas ainda não é ela

Plena e só a alma dela

 

Vi-a e vejo-a

Na paleta  de mil cores

E no enorme coração aberto

Do Ricardo e do Gilberto

Beijo-a

Nas pupilas de água de mel

Na ternura infante da  Mafalda e Gabriel

 

Mas não é ela

É a imagem dela

 

A estrada da saudade fez-se pátria do encanto

Quando por fim

As vi   no banco de pedra rude

De um longínquo edénico jardim

As duas sentadas lado a lado

Oh aparição perpétua e sonho inacabado:

A saudosa e sempre viva Maria

Maria José

E  junto dela  sua  diva comadre

Seu nome também Maria

Maria de Nazaré

 

Em homenagem e saudade à jovem octogenária Maria José Freitas Gouveia, para ser lido e sentido, ao calor da lareira de família.

 

                29.Out.20

Martins Júnior

terça-feira, 27 de outubro de 2020

E AGORA, FUNDAMENTALISTAS LÍQUIDOS DA INSUSTENTÁVEL CERTEZA EPIDÉRMICA???

 


Tempos tumultuosos os que vivemos!

O tumulto vem, subtil e penetrante como vírus perturbador, na leveza da grande nuvem que envolve neurónios, cérebros, pulsões e decisões. A nuvem toma a figura de um ponto de interrogação, tão grande e disforme que não cabe nas teclas em que escrevo.

          ?

Hoje, dirijo-me aos cultores  do (oficialmente) Sagrado.

Aos vassalos indefectíveis do Poder Hierárquico.

Aos escrupulosos dogmatistas de uma Fé virtual (também ela oficial), assente numa indiscutida infalibilidade pontifícia.

Aos construtores de uma torre inexpugnável a que deram o temerário nome de Moral “cristã e ocidental”.

Em síntese, aos fogosos panegiristas do Papado Imperial, (Deus no céu e o Papa na terra) os tais “mais papistas que o Papa”.  

A todo o séquito-exército inquisitorial (especialmente o instalado nos dicastérios da cúria vaticana) fundamentalistas líquidos da espuma epidérmica que adoram como deusa do Templo:

E agora?...

Após as últimas declarações do Romano Pontífice sobre o estatuto humano e cristão da comunidade LGBT, vem o tumultuante tropel das interrogações:

É lícito dar (ou não) crédito ao Chefe e Líder universal da Igreja?

É legítimo (ou não) o culto ao Soberano Pontífice?

É justo (ou blasfemo) considerá-lo representante de Cristo?

É imperativo de Fé obedecer (ou desobedecer) ao Papa de Roma?

Ter-se-á o Papa enganado, tergiversado, resvalado?

Será este o fim da Igreja Católica – ou o seu renascimento?

 Tempo de interrogarmo-nos. A nós também. A cada qual (eu, tu, ele) a quem coube a sorte de atravessar esta onda colossal que tomou conta do planeta, em todas as latitudes e em todos segmentos da condição humana. O da Igreja e de muitos outros.

27.Out.20

Martins Júnior

 

domingo, 25 de outubro de 2020

QUANDO A AMADILHA DO CONTEXTO ULTRAPASSA O PRÓPRIO TEXTO – O INTERMINÁVEL CONFRONTO DA HISTÓRIA

                                                                 


Reitero a minha declaração de interesses: em cada domingo tenho o meu lugar marcado. Prescindo das questões circunstanciais, sejam os vírus, sejam as guerras eleitorais, desde a Grande América até às ilhas mais ocidentais da Europa, sejam os traumas do  Orçamento. Prendo-me ao Livro, com especial incidência no Visionário do Oriente, o Mestre da Galileia e Pedagogo da Humanidade. É a sua personalidade, a sua identidade que importa recuperar, após vinte séculos de desvirtuamentos sucessivos. É o clarão matinal de cada domingo que me projecta luz para a semana inteira.

         Quem leu neste domingo o texto proposto por Mateus, capítulo 22, demorar-se-á na resposta que Ele deu aos refinados espiões da sua Palavra. À capciosa questão, envolta em punhos de renda macia – “Qual é o primeiro e o maior mandamento?” – respondeu o Nazareno de uma forma tal que, diz o texto, os detractores, seus arqui-inimigos, nunca mais arriscaram a fazer-lhe perguntas. O conteúdo da resposta já Ele o dissera e repetira durante três anos de vida pública.  Então, por que estranho intento vieram importuná-lo  os doutores da Lei e os pontífices do Templo?

         É no contexto que está o ganho, ou seja, a interpretação semântica do enunciado no texto. Se alguém tem seguido esta sequência semanal, já descobriu que um dos traços mais impressivos da vida do Nazareno consistiu em defender-se dos ataques da dita classe soberana, sediada em Jerusalém. Não podendo sequestrá-lo, nem sequer atingi-lo com um dedo, por medo dessa fortaleza inquebrável, o Povo que O acompanhava, para onde quer que fosse, recorreram à baixa diplomacia urbana e pidesca, afim de surpreendê-lo em crime de delito de opinião e, acto contínuo, julgá-lo e condená-lo.

         Desarmadilhada a tentativa dos impostos pagos ao erário romano de César Augusto, procuraram desesperadamente outro tropeço. E foi neste domingo a narrativa. Se aquele doloso estratagema da fiscalidade configurava um crime de lesa-majestade, estoutro constituía um crime de lesa-divindade. “Qual é o maior mandamento da Lei?”.

         Toda o percurso de Jesus de Nazaré foi uma epopeia de serviço à dignidade do ser humano. Pela palavra e pela acção: Reacender na mentalidade dos seus conterrâneos aquela chama que o poder religioso, aliado ao poder político, tinha abafado num montão de cinzas. Era imperioso recuperar o sentido da fraternidade, da igualdade, da liberdade. “A Verdade tornar-vos-á livres”… “Todos vós sois irmãos e quem entre vós pretender ser o maior seja o vosso servo”…  “O Filho do Homem não tem sequer uma pedra onde reclinar a cabeça”… só para poder estar ininterruptamente  ao serviço do outro.

         O que aos olhos de qualquer mortal se impunha como protótipo de benfeitoria universal, (“Ele não fazia acepção de pessoas”), de doação heroica – aos olhos da classe dominante, ‘exemplarmente religiosa’, assumia proporções de heresia, laicismo, subversão de valores: ‘esse sujeito, afinal, dá mais atenção à terra que ao céu, cultua mais o homem do que a Deus. É herege, é blasfemo. É réu em tribunal canónico’…  E aqui surgiu a armadilha: “Qual será, para ti, o maior mandamento?... Deus ou o homem?”.

         A resposta foi fulminante: “O segundo mandamento, “amar e servir ao próximo” ,  é semelhante ao primeiro, “amar e servir a Deus”. Já o sabíamos. E eles também sabiam. Daí que a leitura da resposta só é apreensível pelo contexto. A perseguição de víboras contra o Pregoeiro da Verdade e da Dignidade Humana repete-se em todos os tempos e lugares. Aqueles que fazem profissão e compromisso de servir o outro – seja qual o seu posto ou organização – serão sempre acoimados de revolucionários, ateus, agnósticos e quejandos. Sobretudo se estiverem associados a regimes eclesiásticos. A história assim tem demonstrado. Em todo o Mundo, em Portugal, nas Ilhas.

         Só as classes populares, o “Povo que trabalha e faz o mundo novo”, só ele pode opor-se como barreira intransponível aos ataques dos que se julgam dominadores, “Donos de Tudo”, ditadores das leis e dos costumes. Só o Povo  trabalhador, de boa-fé, verdadeiramente crente, será capaz de pô-los na ordem e apeá-los dos tronos e dos altares que usurparam à custa das fragilidades alheias.

Enquanto houver caminho, a marcha não pára. Mesmo em tempo de contingência, calamidade ou confinamento, estamos vigilantes, esclarecidos, combatentes ao serviço do Outro.

Porque “O Segundo mandamento é semelhante ao Primeiro”!

 

25.Out.20

Martins Júnior     

sexta-feira, 23 de outubro de 2020

NA TRAVESSIA DA MORTE PODEM CAIR SEMENTEIRAS DA VIDA

                                                                          


           Anda o mundo em frenesi. Por mais confinamento, emergência ou calamidade com que o queiram envolver, vivemos tempos convulsos - abafados, é certo, mas de tal modo trepidantes que ninguém sabe para onde vai, ninguém acha saída e, por muito que tentemos, acabamos sempre por entrar na caixa de pandora a em que nos meteu o ‘corona’.

         E o que mais nos desconcerta é constatar, a olho nu, o rodopio de problemas, ideias, sugestões, quase-soluções e, tudo junto, um serpenteado labirinto de contradições que nos abalam mas, ao mesmo tempo, apontam pistas de saída. “Estes Dias Tumultuosos” – bem poderíamos classificar assim os tempos que correm, com o mesmo título que deu o holandês Pierre von Paassen à sua obra, em 1946. Dos horrores da segunda guerra mundial saíram os alvores de uma nova Europa, sob o signo da coesão e da unidade.

         E agora, 2020?...

         Em pleno duelo quotidiano, ameaçador e fatal, com a morte viral dentro da nossa pele, vemos cair em catadupa casos e conflitos, definições e propostas que estremecem as estruturas do planeta e põem-nos o cérebro em aflitivo transe.  Os milhares e milhões de vítimas que não param de crescer, as diatribes americanas e as ameaças de genocídio, as manifestações na Polónia contra a interrupção voluntária da gravidez, a proposta de Referendo, em Portugal, sobre a eutanásia e, para cúmulo, a entrevista do Papa Francisco sobre os homossexuais “que também são Filhos de Deus e têm direito a viver em família”.

Tremendas magmas de fogo caídas em tempo de convulsão colectiva!                  É voz comum em muitas esquinas das velhas estradas esburacadas: “Isto não devia ser falado agora. Quem pediu urgência imediata para a entrada destes ‘fantasmas’ agora que estamos a braços com tanta miséria física e mental?”.

Eis o paradoxo e, ao mesmo tempo, a justificação. Mostra-nos a  História que é precisamente nos tempos de agitação e nas encruzilhadas tormentosas que surgem as respostas e as pistas libertadoras. Tudo depende do olhar que contempla o abismo, o qual para uns é a destruição e para outros é o caminho e a solução.

Prescindindo, neste momento, da apreciação do mérito ou demérito das causas em debate, direi que a hora que se atravessa actualmente é, sobretudo, de introspecção e questionamento. Porque estamos a correr em caminhos minados pela morte à nossa volta, torna-se necessário olhar frontalmente para os temas propostos e questioná-los, sem medos, sem tabus ou preconceitos. Pôr em causa soluções gratuitas, desajustadas, traumatizantes e perguntar qual o valor da Vida, quais as dimensões e os limites da Doação, do Amor, quais as conexões do sexo na realização holística da Pessoa, qual o sentido último da existência humana.

Abre-se o vasto campo da investigação e debate sobre os grandes vectores  da história dos povos. Do nosso povo e de cada um de nós, enquanto parcela de um todo. Em vez de amaldiçoarmos as trevas, acendamos uma réstia de luz. Em vez de malsinar ou rejeitar liminarmente  as propostas que nos são fornecidas por quem de direito, tentemos descobrir-lhes a lógica, medir-lhes o alcance, ampliar-lhes o brilho, corrigir e aperfeiçoar-lhes o fundo e a forma.

Não haja medo de ultrapassar os horizontes tacanhos em que nos trouxeram enjaulados. É na agitação que se purificam as ondas. E não esqueçamos que foi no Monte Sinai, entre relâmpagos, trovões e terramotos, que o Supremo Ordenador deu ao mundo o Decálogo da Felicidade!

 

23.Out.20

Martins Júnior                                                                                     

quarta-feira, 21 de outubro de 2020

PARA HELENA MARQUES NO SEU ULTIMO CAIS: OUVI-LA DE NOVO, COMO HÁ VINTE ANOS:

                                                                 


Chegou aquela hora em que, desta margem do rio, foi-nos dado contemplar Helena Marques entre “aqueles que da lei da morte se vão libertando”. 

“ O Útimo Cais” – assim foi seu romance primeiro E agora foram os seus livros que lhe construíram o derradeiro porto de chegada, o “Último Cais”  da longa viagem da vida.

Para falar de um escritor, não há palavras como as dele. Porque mais autênticas, mais íntimas, mais sofridas e vividas. Para evocar a “nossa” Helena Marques, também não há palavras como as dela. Por isso, ao sabermos da despedida , não quisemos dizer adeus, um adeus formal. Fomos logo ao baú das memórias felizes e aí encontrámos lenços brancos de saudade, que cheiravam ainda a presença, a simpatia perfumada, a paz dinâmica que Helena Marques transmitira em Machico aos jovens, numa  amena mesa redonda, como de mãe para filhos, quando a entrevistaram para o semanário estival “Domingo Jovem”, a cargo do Centro Cívico-Cultural e Social da Ribeira Seca.

Gesto nobre de uma figura de primeira grandeza, galardoada com vários prémios literários, jornalista e escritora de reconhecido mérito em Portugal – gesto nobre, sublinho, revelador daquela timbrada simplicidade que caracteriza as almas grandes, ao receber jovens de uma comunidade, suburbana, quase rural! Ficámos eternamente gratos!

Ocorria o centenário da morte de Eça de Queirós. Helena veio falar-nos do memorável cultor do romance português. E de Machico. Transcrevo alguns excertos:

É sempre um prazer estar em Machico e é sempre um prazer falar de Eça de Queirós, de quem sou uma leitora apaixonada. É daqueles autores que tenho sempre à minha cabeceira. Amanhã, falar-vos-ei  dele na conferência já agendada. Quanto a Machico, gosto de cá estar, tenho vindo sempre aqui de férias. Recordo quando ia tomar o chá àquela quinta “Paradise”, distintíssima, requintadíssima, lindíssima, a mais bonita que havia na Madeira.

À questão – “Tem-se dito que nos seus romances perpassam cenários e personagens do mundo queirosiano” – responde:

Eu não sei se isso é verdade, oxalá que o seja. Quando saiu “O Último Cais” disseram-me que fazia lembrar os romances do século XIX. Eu fico sempre muito sensibilizada porque acho que no final do século XIX se escreveram obras magníficas. Não só em Portugal, como Eça de Queirós, mas também outros escritores franceses e russos, como Tolstoi e Dostoiewsky. Acho que a literatura oitocentista foi de facto brilhante. E dizerem-me uma coisa dessas deixa-me perfeitamente lisonjeada, fico satisfeita, embora acho que é uma generosidade.

Sobre os prémios alcançados, observa com exacto realismo:

É grande a sensação de receber prémios fora da Madeira. Temos de admitir que a nossa terra é muito pequena, não significa muito no espaço nacional. É verdade que recusei-me a receber a “Orquídea de Prata”, uma distinção regional, porque achei que não  fazia sentido nenhum vir de Lisboa receber um prémio de escritora numa ilha, a minha ilha, onde fui tão mal vista como jornalista. Quanto ao prémio da Associação Portuguesa de Escritores, deu-me muita alegria e foi muito significativo, pois fiquei perfeitamente entalada entre Saramago (que recebera no ano anterior) e Vergílio Ferreira (no ano seguinte ao meu).

Tendo-lhe sido proposto o desafio de escrever um romance sobre o grande sonetista machiquense Francisco Álvares de Nóbrega, o “Nosso Camões Pequeno”, Helena Marques acedeu com gentileza e agrado:

É possível, de facto, mas isso exigiria uma grande investigação, até uma presença física, exigiria mesmo que eu viesse para cá, mas nesta altura será difícil, porque sou uma avó cheia de netos, não a tempo inteiro, mas sou uma avó disponível, sempre que é preciso. Todavia, não ponho de parte essa ideia, de maneira nenhuma. Acho que é muito interessante. Acho que Machico, desde as lendas de Machim e Ana d’Arfet, tem muito interesse. Muito obrigada pela ideia.

Acerca do livro e das leituras, define-se:

A minha relação com o livro é muito física, como as pessoas têm uma relação física entre si. Eu tenho que sentir o papel na mão, tenho que poder mexê-lo, abri-lo quando me apetece, fechá-lo quando quiser, sem ter que passar pela fase de ligar ou desligar. Eu tenho com os livros uma relação muito física e muito emocional, quer dizer, gosto de voltar atrás, de reler uma passagem que me impressionou muito e há muitos anos. Acho que nunca conseguirei converter-me à leitura pela internet. Quanto aos mais novos, comento com muita mágoa o desgosto da juventude pela leitura, vai marcá-los nos homens muito negativamente, tenho muita pena. Acho que é uma perda, é fechar o acesso a um mundo fascinante, que está ali à nossa mão, é só ir buscar, está aberto a toda a gente e a que os jovens estão a fechar-se sem razão, por desconhecimento, por uma antipatia instintiva, e que não é baseada sequer numa experiência traumatizante (‘ai, li uma coisa horrorosa, nunca mais quero saber de livros’). Não é isso. Não têm vontade. Uma mágoa.

Que mensagem para os jovens e para a Madeira?

A minha mensagem para os jovens e para a Madeira seria o “Regresso à Leitura”. O que significa que os livros dão prazer. E isso é fundamental: que o livro nos dê prazer, mesmo que seja um livro muito sério, um livro que pretende atingir objectivos éticos muito elevados, mas tem que dar prazer, tem que ser exposto de maneira que dê prazer às pessoas. E é esta uma grande responsabilidade para os escritores.



Revisitar esta entrevista (para muitos talvez inédita) e reaprender a sua mensagem – eis   a nossa homenagem a Helena Marques. Em vez do “Requiem” de crisântemos espalhados sobre a lousa que o tempo há-de crestar, preferimos trazê-la de novo à nossa companhia, a “Deusa Sentada”  à volta da  ‘Távola Redonda’ de há vinte anos, entre os jovens que ainda o são hoje e sempre serão, à imagem e semelhança daquela que, sendo esposa, mãe e avó estremada, nunca deixou de brilhar como estandarte da  vida, da beleza, da eterna juventude.

Para a família, as condolências e o bálsamo deste recanto da Ilha.

Porque, nunca é demais repeti-lo: “Morrer é só deixar de ser visto”!

 

21.Out.20

segunda-feira, 19 de outubro de 2020

CHUVAS QUE FALAM E CORONAS QUE TRAZEM O TEMPO PERDIDO - Refexão Inacabada...

                                                                     


A quem hei-de comparar-te, indecifrável amiba, mais espírito que corpo, viajante sem passaporte nos húmidos subterrâneos do planeta?

         Nesta chuvosa ponte de fim-de-semana, as bátegas impertinentes  na vidraça da janela e no lajedo da rua soavam a infinitas perguntas sem resposta. E uma delas, pelo som e pelo tom, trazia a marca desse invisível ouriço volante.

         A quem hei-de comparar-te,  estranho corona que, de tão novo, pões o mundo tão velho? E de tão colorido,  trazes cinicamente  a morte no seio?!

         Serás prisão de um castigo sem crime… Serás o túnel em busca da luz ao fundo… Tempo de estágio, caminhada no deserto, cume de montanha ou submarino sem rumo no mais fundo do oceano… Serás sono e sonho. No limite, és a imagem da morte.

         Entretanto, a chuva parou. E lembrei-me daquela voz marcada pela ruralidade que me segredara ao ouvido: “Diziam que o mundo ia acabar. Não acabou, mas o mundo parou”! E é neste descomunal, férreo e inultrapassável sinal vermelho, que obrigatoriamente travou-se a minha marcha. Vi murcharem-se prematuramente as rosas da primavera que vem. De repente, o venturoso mar de mil projectos vi-o secar-se diante dos meus olhos líquidos de uma mágoa que tocava o horizonte.

         As viagens que sonhara tinham-nas os aviões, coladas  às asas presas no negrume do asfalto… Os encontros de outrora, agora feitos desencontros… As bibliotecas de tão perto que eram, ficaram tão longe. Os abraços, os beijos, as juras… Quase, quase como aquela saudosa canção da “Ternura dos Quarenta”: A vida que atrás deixei/Amar o que não amei/Os discos que não toquei/Os poemas que não li/Os filmes que nunca vi/As canções que não cantei

         Covid/19, Covid/Até quando, que bem pode definir-se com o inspirado título de Marcel Proust  “À la Recherche du Temps Perdu”.  O quanto poderia ser feito… e não foi?! Viagem de retorno, em busca do tempo perdido!

Mas na procura desse tempo que já não volta,  repousa todo o esplendor dos amanhãs que ainda não chegaram! Das grades da prisão avistam-se os caminhos da liberdade, do alto dos gélidos polares estendem-se os brilhantes lençóis da esperança e nos fundos marinhos agigantam-se as encantadas paisagens de mundos desconhecidos.  É nesta estância covídica que me proponho situar, no novo mundo que urge criar, na visão sublimada de um futuro melhor. ‘Desta prisão faremos um reino’ de introspecção, de persuasão interior, de programação mais realista conforme ao Primado da Pessoa na história. Aprenderemos quanto custa e quanto lucra ser livre, saudável, amante, justo, construtivo. Saberemos deixar ficar na berma da estrada os farrapos egoístas em que tropeçamos e os latidos que se esgarram à passagem da nossa caravana.

Covid é tempo de estágio, estação de serviço, laboratório de um Tempo Novo. Saibamos aguentá-lo, combatê-lo sem tréguas. Sobretudo, os jovens. Por muito que custe.

O que se assemelha sono da morte é também sonho da Vida. Fazendo jus à nossa história de antanho, perante o ‘cibernético’ adamastor que nos persegue, bradamos hoje:

Deste forçado Cabo das Tormentas faremos o nosso Cabo da Boa Esperança!   

 

19.Out.20

Martins Júnior

        

sábado, 17 de outubro de 2020

A ARMADILHA DOS IMPOSTOS NA MÃO DOS IMPOSTORES

        


         Em tempo de orçamentos e para descomprimir da neurose da pandemia, imaginarão os meus companheiros-de-estrada bloguista que hoje vou mergulhar no mar dos sargaços contabilísticos dos IRS’s, dos IRC’s, das reduções e deduções à colecta. Mas não. Embora assista ao cidadão comum o direito de entrar na liça deste “Deve & Haver” da Contabilidade Pública (porque, ao fim e ao cabo, somos nós, cidadãos, utentes e destinatários, senão mesmo vítimas do caso), hoje, fim-de-semana, compro sempre  preferencialmente o ingresso no grande estádio onde entra a jogo a Personagem que, sendo tão sobejamente divulgada, continua a ser a mais desconhecida da história.

         Por coincidência, nas regras do jogo entra também a intrincada penalização chamada “imposto”. Não em numerários, mas em isco ou armadilha para caçar o adversário. A tanto chega o cinismo estratégico do código sucial (sucial, não me enganei), tanta a náusea que atinge a congestão de vermes alojados nos antros da súcia humana.

         Em todo o tempo, os normativos legais referentes às contribuições e impostos imperam, soberanamente, coercivamente sobre os súbditos do Estado, mormente nas ditaduras, pelo que sempre caíram sob a alçada de crimes lesa-pátria os movimentos ou insinuações tendentes ao seu incumprimento, severamente punidos por lei. As sanções tornavam-se mais pesadas em territórios colonizados.

         Ora, é neste preciso cenário que se passa o episódio ocorrido há mais de dois mil anos e ainda hoje, fim-de-semana, publicado em todo o mundo crente. Entra o imposto, a moeda, entram os impostores e o adversário a abater.

         O jovem condutor de multidões, considerado perigoso agitador público pelos detentores do poder político-religioso da época, mantinha uma conduta proporcionalmente inversa para com dois extratos sociais vigentes: tão grande e generoso com os fracos e explorados quanto fogoso e implacável com os poderosos do Templo de Jerusalém. Quem, nestas páginas,  tem seguido a trajectória dos sábados e domingos anteriores, concluiu da resistência e da luminosidade argumentativa do Nazareno contra os sumos-sacerdotes, os fariseus, os anciãos-juízes do povo. Saíam sempre derrotados, ressabiados, furiosos por liquidá-Lo, fosse onde fosse. Mas entre eles e o  Mestre havia uma muralha inultrapassável: o Povo. Urgente, por isso, era mudar de tática. A astúcia, a armadilha. Vem em Mateus, cap.22, 15-21.:

         “Reuniram-se em conselho para deliberar como comprometer Jesus naquilo que dissesse” – a técnica pidesca, o requinte exploratório do futuro “Tribunal do Santo Ofício”, “Rota Romana”. Genial, terão dito alvoroçados quando surgiu a proposta: ”Perguntar-lhe se é lícito ou se concorda que o povo pague impostos ao César da Roma Imperial”. Dito e feito. Imagino o orgasmo satânico (passe a expressão) daqueles Rabi’s e Doutores da Lei, ao vê-Lo, irremediavelmente entre a forca e o abismo: “Se ele disser ‘Sim’, teremos contra ele o povo pobre e colonizado, ele perderá toda a base de apoio. Se disser ‘Não’, é logo condenado judicialmente em processo sumaríssimo, preso e deportado por lei imperial”.     

         Suprema lógica da Vida, fulminante acutilância argumentativa a do Nazareno:  “De quem é essa efígie, sim essa cara que tendes nas moedas?” – pergunta o Mestre com sereno equilíbrio. “É de César” – respondem depressa. “Então dai a César o que é de César. E dai a Deus o que é de Deus”. Em termos oficiais, a resposta de Jesus consubstancia-se no protocolar “Aos costumes disse nada”.

Diz o texto que eles ficaram perplexos, atónitos, sem resposta. E retiraram-se. Era preciso reunir de novo o Conselho e procurar outra inventona. Mais capciosa, mais armadilhada. Essa virá no próximo fim-de-semana. Porque, desta vez, o génio do ‘imposto’ saiu deposto! E depostos os impostores!

         Interminável a luta do nosso Mestre contra a ditadura corrupta do Templo de Jerusalém, contra o aparelho judiciário ao serviço das classes dominantes, contra o império dos demagogos destruidores da dignidade dos povos!

         Não te canses, Francisco Papa. Continua, até que a voz te doa.

 

         17.Out.20

         Martins Júnior

 

 

quinta-feira, 15 de outubro de 2020

ORÇAMENTOS E OÇAMENTOS: UM GUIÃO PARA OS TEMPOS DE “COVID”

                                                                     


Não retiro uma letra nem muito menos me arrependo de ter inscrito  o “Covid” no receituário dos antídotos mais eficazes contra a miopia global e, sobretudo,  contra a cegueira institucionalizada. ‘Sua Exª Covid’  apresenta-se com o rótulo de “O melhor ventilador da sociedade”.

E sai reforçada esta nomenclatura, particularmente na estação orçamental. É neste cabo tormentoso que governos – do maior ao mais pequeno – se afadigam, mexem, remexem,  furam e perfuram, até queimar os neurónios, para apresentar a prova de fogo do seu exercício: o Orçamento.  Porque é nessa delicada passagem de nível que se identifica a matriz de um regime. E não só: é aí que os seus titulares alcançam o pódio ou, em alternativa, caem irremediavelmente ao rio.

O Orçamento reflecte a desejável interacção entre governantes e governados. Assim deveria sê-lo, no princípio, no meio e no fim da sua elaboração e da sua concretização. A um povo pequeno, autómato seguidista, dá-se um orçamento magro e desajeitado, como um fato à medida. A um Povo esclarecido e vigilante, os lideres terão de esforçar os músculos, abrir os cordões e esticar os dedos para entregar-lhe credenciais de um plano ajustado à sua dimensão. É aqui que toma posse o velho aforismo: “Cada povo tem o governo que merece”. Assim fosse!

E é também nesta conjuntura que se dividem as águas: investir nas pessoas ou investir fora delas. Em ‘fora delas’ inclui-se aquele furor febril do betão ciclópico, do alcatrão, do pavilhão, do turbo-poluição, da máquina e, por todos, do robô. Poderá ser monumental, espectacular, estrondoso, ainda que desadequado aos destinatários, descartável no terreno e obsoleto no tempo. O que importa é que resulte em pândega fina e pandemónio arraialesco, sobretudo em vésperas de novo parto eleitoral.  

Do outro lado, está o investimento nas pessoas. É esta a pedra de toque que define outro povo inteligente e outra geração de governantes. Não terei necessidade de abrir a quem me lê o extenso e rico álbum da família humana (à qual pertencemos) para monitorizar os capítulos e as rubricas de um orçamento em cuja centralidade impere a Pessoa: a cultura do pão e o pão da cultura, a saúde, o ambiente, a sociabilidade e a vizinhança, o “outro” em vez do “eu”, a liberdade, a fraternidade, a segurança. É muito mais alto o Ser que o mais estratosférico mausoléu do Ter.

É certo que tudo em convertível em moeda sonante. Certo que tudo é dinheiro e pão. Mais dinheiro que pão: o betão dá pão, o alcatrão dá trigo, o fumo poluidor dá massa, o mar também dá a carne e a terra dá o peixe. E até da cinza do caixão sai a refeição, de mesa e toalha lavada. De tudo precisa o inquilino que habita o planeta 

Mas a Pessoa é mais que o seu acidente, maior que o seu acessório.  É conhecido o sábio axioma, formulado na pergunta: “Quantos pobres são necessários para fazer um rico?”. E ouso eu perguntar: “Quantas pessoas, quantas vidas são sacrificadas só para satisfazer delírios megalómanos de governantes sem escrúpulo, obcecados por se perpetuarem no poder e sustentarem catervas de apaniguados subservientes?”.  Por desdita nossa, vivemos num laboratório de “velhas glórias, cujo indomável verve político consistia em fazer do povo ilhéu uma manada acéfala atrás de um monumental (?) betão inaugural.

E se tudo quanto trago escrito traz a marca da universalidade e da intemporalidade, aplicável a todos os regimes e a todos os lugares, ganha maior actualidade nos tempos que correm. O ventilador “Covid” aí está para higienizar as mentes e as altas instâncias, ‘convidando-as’ (direi, obrigando-as) a olhar para as pessoas. Quem sabe se não estaremos hoje a pagar a factura de Orçamentos virados para fora da Pessoa, para a super-industrialização, para o híper-consumo, para a destruição das fontes da vida e da felicidade?!

Homens e Mulheres do Poder e da Grei:

Que os Orçamentos saídos das vossas mãos sejam um lugar onde se veja e sinta o primado da Pessoa Humana! Onde todos possamos viver e respirar!

 

15.Out.20

Martins Júnior

terça-feira, 13 de outubro de 2020

UM VENTILADOR CHAMADO “COVID”

 


Não serei o único, neste país, a fechar os olhos e os ouvidos a um acontecimento que, desde há cem anos, ganhou foros de cartaz nacional e, em tempos de Estado Novo, chegou a cognominar-se de patriótico.

É o 13 de Outubro! O ápice, o clímax, a apoteose!

Passarei ao largo das margens  e dos muitos afluentes que este ano (não)  correram para a azinheira transformada em monumento de betão e cal branca. Apenas um traço geométrico – estranha quadratura do círculo! – em que os extremos se tocam. São semelháveis, siameses, ao menos na coreografia simétrica de passos e gestos. A este propósito, recolho aqui a  opinião de um  conhecido e atento observador dos vida social aquando da agitação publicitária acerca de uma determinada festa vermelha, também ícone nacional e ‘patriótico’. Dizia assim: “Só há duas organizações exemplares na preparação e condução de eventos-ajuntamentos na praça pública: a Igreja e o Partido Comunista”.

E viu-se. Na realidade, o “13 de Outubro” foi impecável em Fátima, tal como o “Avante” também no chão da Atalaia: ordem, afastamento (com marcação prévia no terreno), asseio, programação. Tão diferentes e tão iguais. Iguais por fora, diferentes por dentro. Digam lá, sábios da Escritura, que segredos são estes da natura.

                                                         


Semelhanças e dissemelhanças à parte, vou ao cerne da questão, esta mais séria, mais aguda, até porque quem no-la trouxe foi mestre “Covid”, aquele tanto mata o corpo como purifica o espírito de todo o ser pensante que se abra à sua enigmática mensagem.

Paradoxalmente, o “Covid” apresenta-se também como ventilador implacável das ideias gastas, das praxes contaminadas pela naftalina da opacidade mental. Ele pode vestir o camuflado do agitador público que devassa labirintos obscuros, arrasa raízes daninhas, destrói monstros de negra espuma e, em seu lugar, abre pistas seguras, planta vinhas suculentas e ergue referenciais de luz na espessura dos amanhãs onde possamos respirar e viver em plenitude.

Tudo isto passou na planície do “13 de Outubro”.  O “Covid” marcou presença – tão impressiva e eloquente quanto a ausência das multidões! Do lado de dentro, as seis mil pessoas da estatística oficial. Do lado de fora, as dezenas, centenas de milhares que todos anos se acotovelavam no grande palco.

Feito o balanço/apreciação das duas ‘turmas’ em jogo, pergunta-se: Quem ganhou e Quem perdeu?...  O observador de bancada, que olha e não vê, responderá pronto, assim no bom estilo português: “Ganharam os seis mil que agarraram lugar na praça”.

Pois, que direis vós – pergunto eu agora – das dezenas e centenas de milhares que lá não foram? Perderam?... Mas perderam o quê?... O espectáculo, a emoção colectiva, o passeio turístico?!

Com poucas palavras, ousarei entrar no debate para ver (ou, ao menos, desejar) a vitória dos que não estiveram lá. O “Covid” terá destruído o espectáculo, contido a emoção colectiva, estragado o passeio turístico. Em vez disso, porém, terá reposto na essencial centralidade do pensamento (chamem-lhe Fé, homenagem, simpatia ou o que quiserem) dos ausentes faltosos uma pergunta fatal: “Que é que teria eu lá encontrar que não possa achar e construir dentro de mim?”.

Porque a questão é vasta - e vastíssimas as respostas - recolho-me apenas na imponente declaração que Jesus de Nazaré fez à mulher Samaritana “Os verdadeiros adoradores do Me Pai são os que O adoram em espírito e verdade”. E sem tempo de respirar, atira-lhe com esta ‘tremenda’ proclamação: “Por isso, Eu te garanto, mulher, que está chegando a hora em que nem neste monte da Samaria nem no Templo de Jerusalém  adorareis o Deus Verdadeiro”. (Jo.4, 21,23).

   Terá chegado mesmo essa hora?... Ou não chegará nunca?...

  “Quem tem ouvidos de entender, que entenda”!    (Mt.11,15).

 

13.Out.20

Martins Júnior

domingo, 11 de outubro de 2020

UM VOTO E UMA PRECE ÀQUELE “CONTADOR DE ESTÓRIAS”

                                                                         


   Ao fim de três domingos que Te vejo e oiço na periferia do Templo de Jerusalém, entre conterrâneos Teus, desfiando estórias e, de fronte erguida, desafiando os altos dignitários da cidade e os juízes da nação, perfilados atrás dos vitrais do santuário, à mistura com os Sumos “Templários” de Moisés:

                             _________________________

         O Reino de que vos julgais donos ser-vos-á retirado e entregue a outro povo e a outra nação que queira produzir seu fruto em tempo oportuno”…

         “No meu Reino, nenhum de vós entrará. Mas entrarão os pecadores, os publicanos, os de má fama, as prostitutas. Porque houve um Homem, João, que vos foi enviado e vós não quisestes ouvi-lo. Mas os que classificais de mau nome, os transviados e as prostitutas ouviram-no e mudaram de caminho. Esses já estão no meu Reino”…

         “Preparei a casa e organizei o banquete, mas vós não éreis dignos de lá entrar. Então chamei os pobres, os paralíticos, os deserdados, os sem-abrigo, todos quantos andavam abandonados nas encruzilhadas dos caminhos”(Mat. 21 e 22).

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         Vem de novo!

        Precisamos que levantes o brado da Tua voz:

        Aos julgadores do mundo, que condenam os inocentes e absolvem os criminosos, com o código do papel sonante nas mãos, nas bancas corruptas, nos ‘offshore’ sem lei…

        Aos sangradores da grei (que os escolheu…) e que armazenam o trigo em seus paióis para o transformar em balas assassinas…

        Aos que, em Teu nome, trazem os crentes algemados à ignorância, ao erro e à depressão.

Aos grandes, que se dizem representantes Teus e mandaram calar os mais de cem teólogos que proclamam, como Tu, a Verdade que liberta. 

Vem, de novo, Irmão e Mestre, e fica junto àquele octogenário que luta contra os muros da vergonha em que se tornou o Vaticano. E não o deixes cair nem capitular às garras dos “corvos” purpurados que o cercam todos os dias, dentro da sua própria casa!...

        

            11.Out.20

         Martins Júnior