sexta-feira, 23 de outubro de 2020

NA TRAVESSIA DA MORTE PODEM CAIR SEMENTEIRAS DA VIDA

                                                                          


           Anda o mundo em frenesi. Por mais confinamento, emergência ou calamidade com que o queiram envolver, vivemos tempos convulsos - abafados, é certo, mas de tal modo trepidantes que ninguém sabe para onde vai, ninguém acha saída e, por muito que tentemos, acabamos sempre por entrar na caixa de pandora a em que nos meteu o ‘corona’.

         E o que mais nos desconcerta é constatar, a olho nu, o rodopio de problemas, ideias, sugestões, quase-soluções e, tudo junto, um serpenteado labirinto de contradições que nos abalam mas, ao mesmo tempo, apontam pistas de saída. “Estes Dias Tumultuosos” – bem poderíamos classificar assim os tempos que correm, com o mesmo título que deu o holandês Pierre von Paassen à sua obra, em 1946. Dos horrores da segunda guerra mundial saíram os alvores de uma nova Europa, sob o signo da coesão e da unidade.

         E agora, 2020?...

         Em pleno duelo quotidiano, ameaçador e fatal, com a morte viral dentro da nossa pele, vemos cair em catadupa casos e conflitos, definições e propostas que estremecem as estruturas do planeta e põem-nos o cérebro em aflitivo transe.  Os milhares e milhões de vítimas que não param de crescer, as diatribes americanas e as ameaças de genocídio, as manifestações na Polónia contra a interrupção voluntária da gravidez, a proposta de Referendo, em Portugal, sobre a eutanásia e, para cúmulo, a entrevista do Papa Francisco sobre os homossexuais “que também são Filhos de Deus e têm direito a viver em família”.

Tremendas magmas de fogo caídas em tempo de convulsão colectiva!                  É voz comum em muitas esquinas das velhas estradas esburacadas: “Isto não devia ser falado agora. Quem pediu urgência imediata para a entrada destes ‘fantasmas’ agora que estamos a braços com tanta miséria física e mental?”.

Eis o paradoxo e, ao mesmo tempo, a justificação. Mostra-nos a  História que é precisamente nos tempos de agitação e nas encruzilhadas tormentosas que surgem as respostas e as pistas libertadoras. Tudo depende do olhar que contempla o abismo, o qual para uns é a destruição e para outros é o caminho e a solução.

Prescindindo, neste momento, da apreciação do mérito ou demérito das causas em debate, direi que a hora que se atravessa actualmente é, sobretudo, de introspecção e questionamento. Porque estamos a correr em caminhos minados pela morte à nossa volta, torna-se necessário olhar frontalmente para os temas propostos e questioná-los, sem medos, sem tabus ou preconceitos. Pôr em causa soluções gratuitas, desajustadas, traumatizantes e perguntar qual o valor da Vida, quais as dimensões e os limites da Doação, do Amor, quais as conexões do sexo na realização holística da Pessoa, qual o sentido último da existência humana.

Abre-se o vasto campo da investigação e debate sobre os grandes vectores  da história dos povos. Do nosso povo e de cada um de nós, enquanto parcela de um todo. Em vez de amaldiçoarmos as trevas, acendamos uma réstia de luz. Em vez de malsinar ou rejeitar liminarmente  as propostas que nos são fornecidas por quem de direito, tentemos descobrir-lhes a lógica, medir-lhes o alcance, ampliar-lhes o brilho, corrigir e aperfeiçoar-lhes o fundo e a forma.

Não haja medo de ultrapassar os horizontes tacanhos em que nos trouxeram enjaulados. É na agitação que se purificam as ondas. E não esqueçamos que foi no Monte Sinai, entre relâmpagos, trovões e terramotos, que o Supremo Ordenador deu ao mundo o Decálogo da Felicidade!

 

23.Out.20

Martins Júnior                                                                                     

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