segunda-feira, 19 de outubro de 2020

CHUVAS QUE FALAM E CORONAS QUE TRAZEM O TEMPO PERDIDO - Refexão Inacabada...

                                                                     


A quem hei-de comparar-te, indecifrável amiba, mais espírito que corpo, viajante sem passaporte nos húmidos subterrâneos do planeta?

         Nesta chuvosa ponte de fim-de-semana, as bátegas impertinentes  na vidraça da janela e no lajedo da rua soavam a infinitas perguntas sem resposta. E uma delas, pelo som e pelo tom, trazia a marca desse invisível ouriço volante.

         A quem hei-de comparar-te,  estranho corona que, de tão novo, pões o mundo tão velho? E de tão colorido,  trazes cinicamente  a morte no seio?!

         Serás prisão de um castigo sem crime… Serás o túnel em busca da luz ao fundo… Tempo de estágio, caminhada no deserto, cume de montanha ou submarino sem rumo no mais fundo do oceano… Serás sono e sonho. No limite, és a imagem da morte.

         Entretanto, a chuva parou. E lembrei-me daquela voz marcada pela ruralidade que me segredara ao ouvido: “Diziam que o mundo ia acabar. Não acabou, mas o mundo parou”! E é neste descomunal, férreo e inultrapassável sinal vermelho, que obrigatoriamente travou-se a minha marcha. Vi murcharem-se prematuramente as rosas da primavera que vem. De repente, o venturoso mar de mil projectos vi-o secar-se diante dos meus olhos líquidos de uma mágoa que tocava o horizonte.

         As viagens que sonhara tinham-nas os aviões, coladas  às asas presas no negrume do asfalto… Os encontros de outrora, agora feitos desencontros… As bibliotecas de tão perto que eram, ficaram tão longe. Os abraços, os beijos, as juras… Quase, quase como aquela saudosa canção da “Ternura dos Quarenta”: A vida que atrás deixei/Amar o que não amei/Os discos que não toquei/Os poemas que não li/Os filmes que nunca vi/As canções que não cantei

         Covid/19, Covid/Até quando, que bem pode definir-se com o inspirado título de Marcel Proust  “À la Recherche du Temps Perdu”.  O quanto poderia ser feito… e não foi?! Viagem de retorno, em busca do tempo perdido!

Mas na procura desse tempo que já não volta,  repousa todo o esplendor dos amanhãs que ainda não chegaram! Das grades da prisão avistam-se os caminhos da liberdade, do alto dos gélidos polares estendem-se os brilhantes lençóis da esperança e nos fundos marinhos agigantam-se as encantadas paisagens de mundos desconhecidos.  É nesta estância covídica que me proponho situar, no novo mundo que urge criar, na visão sublimada de um futuro melhor. ‘Desta prisão faremos um reino’ de introspecção, de persuasão interior, de programação mais realista conforme ao Primado da Pessoa na história. Aprenderemos quanto custa e quanto lucra ser livre, saudável, amante, justo, construtivo. Saberemos deixar ficar na berma da estrada os farrapos egoístas em que tropeçamos e os latidos que se esgarram à passagem da nossa caravana.

Covid é tempo de estágio, estação de serviço, laboratório de um Tempo Novo. Saibamos aguentá-lo, combatê-lo sem tréguas. Sobretudo, os jovens. Por muito que custe.

O que se assemelha sono da morte é também sonho da Vida. Fazendo jus à nossa história de antanho, perante o ‘cibernético’ adamastor que nos persegue, bradamos hoje:

Deste forçado Cabo das Tormentas faremos o nosso Cabo da Boa Esperança!   

 

19.Out.20

Martins Júnior

        

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