terça-feira, 31 de março de 2020

RESERVADO: 1571-1915-2020


                                                        

 Houvesse o que houvesse, o dia 31 de Março estava prometido e reservado.
Cinco séculos - longos, largos, imensos – atados como um feixe de espigas  pela mão de um homem maior que os imensos, largos e longos  anos que o separam de nós! Dele bem poderia ter escrito Luís Vaz de Camões quando cantou “Aqueles que da lei da morte se vão libertando”. Nascidos na mesma era quinhentista, atravessaram ambos espessas vagas de infortúnio, embora em mares diversos, erguendo sempre mais alto o seu grandíloquo talento, a nobre ambição de amar, lutar e deixar aos vindouros um legado imorredoiro, pleno de autenticidade e humanismo universalista.  
John Donne viu a luz do dia primeiro em 1571 e entregou o derradeiro no dia último de Março de 1631, tempo da Quaresma.
Ele inspirou poetas, romancistas, filósofos, místicos. Percorreu todas as vias que a encruzilhada da vida lhe dispensou, tocando os altos cumes do fastígio social e bebendo os cálices da mais funda amargura, acabando, por fim,  como todos os génios, na miséria, entregue ao abrigo dos bons amigos. A sua obra, polimórfica como a sua personalidade, foi gizada ao estilo classicista da época, ficando notabilizada pela “poesia sensual e realista em sonetos, poemas religiosos, traduções do latim, epigramas, elegias, canções, sátiras e Sermões”. Não será hiperbólico afirmar que Donne reuniu num só tronco todos os poetas, escritores, historiadores e mestres de retórica, enfim, uma enciclopédia viva que perdurou até aos nossos dias.
Já aqui evoquei o famoso poema “For Whom bell tolls”, retomado em 1940 por Hemingway no romance histórico “Por Quem os Sinos Dobram”. Hoje, porém, quero referir-me a um outro texto de Donne que define  bem a dimensão universal do Homem em toda a história: “No Man is An Island”. Foi aí que Thomas Merton, nascido em 1915,  encontrou o caudaloso filão inspirador para dar à estampa, já em 1955, a profunda reflexão que tem corrido mundo “Homem Algum  É Uma Ilha”.
Que maior acutilância, que  longínquo e arrebatador sonho profético  o deste homem que, a partir do século XVI, vislumbrou o século XXI e, desde então, brada aos habitantes deste planeta que para destruir o vírus pandémico que atormenta a humanidade  outro antídoto não há senão o de John Donne: “No Man is An Island”! Podem os moralistas fabricar outro dogma, podem as religiões pregar outra prece, podem os políticos legislar outra constituição… que todos vão beber à mesma nascente e todos vão desaguar à mesma foz: o brado penta-secular de Donne, retomado por Francisco Papa  numa tarde emocionante de Roma : “Navegamos todos na mesma barca,  por isso, ou salvamo-nos todos ou afogamo-nos todos”.  
A par das suas convicções filosóficas e religiosas (Donne era católico, mas depois criticou e abandonou a Igreja, tornando-se pastor anglicano, decano da St.Paul’s Cathedral) para além de tudo, ele verdadeiramente falou Urbi et Orbi, aos governantes, aos economistas, aos capitalistas, aos empresários, a todos e a cada um de nós: Chegou a hora decisiva: “Um por Todos e Todos por Um”. pelo nosso Presente e pelo nosso Futuro, pela nossa Casa Comum e pela nossa Causa Comum. Só lhe faltou dizer: “Fiquem em casa, Lavem as mãos com sabão. Todos, todos”!
John Donne morreu pobre, incompreendido. Como Verdi e Álvares de Nóbrega. As suas obras só depois da morte conheceram a luz da publicidade. Sucedeu-lhe, como que em antecipação, o mesmo que a Camões e Pessoa. A mais grata homenagem que lhe podemos prestar é interiorizar a sua mensagem. E se, nesta altura tão crítica, teremos de ser uma ilha, isolados dentro da nossa casa, sejamo-lo assumidamente e em pleno, convictos que há-de chegar o dia do abraço sem fronteiras. E então faremos a almejada apoteose da grande festa planetária em que todos seremos um só, jamais nenhum de nós será uma ilha!

31.Mar.20
Martins Júnior  

domingo, 29 de março de 2020

“ABRIREI OS VOSSOS TÚMULOS E DE LÁ DE DENTRO FAREI SAIR OS VOSSOS CORPOS”


                                                                      

       Momentos há na história dos povos e na vida das pessoas em que o mundo todo entra em ebulição dentro do nosso cérebro. É quando surgem de longe, de muito longe, revérberos estranhos e, como por feitiço, aparecem a falar connosco personagens, fenómenos, mensagens que, sendo remotas, afiguram-se-nos tão próximas, tão familiares como se pertencessem à mesa do nosso quotidiano.
         Foi hoje. Caíu-nos na estante litúrgica deste fim-de-semana aquele trágico desespero dos hebreus derrotados, presos e deportados em tempos de servidão. O desaforo dos israelitas foi tamanho: “Estamos perdidos, os nossos ossos já estão secos. Já não há mais esperança”. É aí que se levanta a voz do profeta, em nome de Iahveh: “Eu abrirei os vossos túmulos e de lá de dentro farei sair os vossos corpos. Porei dentro de vós o meu espírito e voltareis a viver”. (Ezequiel, 37, 1 e sgs.).
         Releio o texto e com um sufoco no peito estendo os olhos para as centenas, milhares de urnas funéreas, cujo verniz exterior evoca o olhar lânguido de quem ali  espera uma porta aberta para o holocausto “coronado”.  E fico suspenso – e assim ficarei sempre – atento, eternamente expectante, até  que venha o taumaturgo ou, ao menos a sua voz longínqua, poderosa:  “Vou abrir-vos antes que as chamas vos consumam, porei nos vossos corpos um espírito novo, o meu espírito. E vivereis”.
         Deixo cair o texto e sou eu que caio em mim.
Jamais virá Ezequiel. Outro sopro, porém, vindo não sei se das profundezas da terra se das chamas crepitantes, trouxe-me à razão: “Melhor para ti não morrer que ressuscitar”!... Se para ressuscitares terás de morrer, então pára, agarra a vida, estreita-a ao peito e, quanto estiver nos teus braços, não a deixes fugir”.
Pareceu-me, então, sobrevoar bem perto o eco da mensagem do Nazareno: “Tens aí os promotores da vida, os trabalhadores da messe, daquela que dá o pão e dá força e dá saúde. Tens a ciência que eles te oferecem.  Tens aí legisladores que te ditam o decálogo ecológico, a linha recta da ética terapêutica. Segue-os e terás vida, mais vida”.
E li, então, o que no mais íntimo trazia escrito: “Faz tudo como se tudo dependesse de ti. Depois, espera tudo como se tudo dependesse do Alto”… “Faz a tua parte e terás vida, tu e os que contigo habitam”… “Lava as mãos, refresca a alma no recôndito de ti mesmo, até que passe e morra o anjo exterminador”… “Não queiras ser suicida, porque se o fores, és também homicida sem apelo nem agravo, cruel assassino dos teus que habitam a mesma casa comum”…
Entendi, por fim, a força de um novo mandamento: Viver é melhor que ressuscitar! Se em cada dia morremos um pouco, também na mesma medida cada dia ressuscitamos! Segurar a vida, quanto estiver na tua mão,  amá-la e prolongá-la --- é obra tua, é contigo também! Essa é a tua quotidiana ressurreição!
     
         29.Mar.20
Martins Júnior

sexta-feira, 27 de março de 2020

QUEM PÔS TUDO ÀS AVESSAS NO GRANDE TEATRO DO MUNDO ?


                                                            

     O Dia Mundial do Teatro transporta-me sempre para a monumental obra do dramaturgo espanhol Pedro Calderon de la Barca – “O Grande Teatro do Mundo” – em cuja representação participei nos idos da minha juventude. Aí, desde 1655,  se desenham os tempos e os contratempos da correnteza da história, os meandros e as contradições da sociedade, em síntese, o desconcerto do mundo.
Nem de propósito. Os cenários que há cerca de um mês tomaram conta dos nossos olhos e de todo o nosso psiquismo pouco ou nada desdizem do efeito desconstrutivo, devastador mesmo, que os terramotos e maremotos produzem na paisagem física do planeta. Tudo se alterou: usos e costumes, conceitos, poderes, crenças, expectativas, praxes sociais da mais elementar urbanidade. Até no linguajar corrente, na semântica que rege a comunicação inter-pessoal. Nada é igual, “tudo é incerto e derradeiro, tudo é disperso, nada é inteiro”, poderia dizer Fernando Pessoa deste sobressalto bissexto e caótico. A começar pelo “brasão” identitário do protagonista: Que beleza harmónica a deste desconhecido personagem em cena, Sua Intocável Majestade “COVID”. A quem hei-de compará-lo? Ele traz à tona de água a graciosidade dos corais que vestem os fundos marinhos. Ele é flor, é cor, é simetria, talvez poesia cromática ou, melhor, coroa rubra, corona, a engrinaldar a fronte de princesa. Rotundo logro! Quem diria o temerário assassino que ali mora!
Apareça por aí um dramaturgo, da estatura de um Calderon de la Barca, para levar à cena o percurso deste anjo exterminador, o de um novo apocalipse. Irrompe, ninguém o vê, das muralhas da Grande China,  atravessa mares, continentes, ilhas.
Na Praça Maior do Planeta, onde a multidão colossal festeja o Dia Pátrio, o Início de Ano Novo, ou o Dia de Acção de Graças, ele ergue a invisível espada flamejante e grita com um clamor das profundezas dos infernos: “Desapareçam, Fujam, Escondam-se cada qual no seu casebre, senão mato-vos no fio desta espada”.
Pelo caminho, aperta os gonzos de portas e portais, expulsa clientes, transeuntes, gente anónima que corre espavorida rua acima, rua abaixo.
A um canto do jardim, dois namorados, “Amas-me?”, ela pergunta; e o jovem vai  abraçá-la. Logo o exterminador empunha a espada: “Nem lhe toques, separem-se antes que vos mate. Doravante, a maior prova de amor é esta: “Afasta-te de mim”!
Os operários, de passo apressado,  dirigem-se à oficina e repentinamente lhes surge o carrasco invisível: “Para trás, parem já”. Mas “parar é morrer”- respondem os operários. “Não, não, eu mudei a vossa lei, atalha o fantasma. Agora, parar é viver”.
Mais adiante, um poeta, escritor de raça, canta a sua mágoa romântica: ”A minha prisão é um reino”. E o mostrengo   cego e surdo: “Não, agora este teu reino é que é uma prisão. Estás preso, tu e os teus espectadores. O mundo todo está preso”.          
Mas, no meio da escuridão, alguém disse “Não”! A revolta espalhou-se como um rastilho incandescente e ouviu-se do outro lado do oceano; ”Gente oprimida pelo medo e pelo vírus, uni-vos. Vamos ao Todo Poderoso”. A multidão formou um rio, um tsunami, rasgou montanhas, carreiros, avenidas, empunhou pendões e estandartes “Viva o Senhor, abençoa o teu povo, Senhor,  destrói o COVID, já vamos à tua casa rezar, rezar, rezar”! Mas, oh desilusão das desilusões… Antes que lá chegassem, já o monstro invisível fechara as portas, abrira os braços gigantes e erguendo a espada de ferro bradou-lhes: “Aqui não entra ninguém, ide embora, ficai em casa. Em verdade, em verdade vos digo: Tendes fé em Deus?...então separai-vos já, o vosso Deus mandou-me avisar-vos que Ele vos espera em vossa casa”. Ainda a multidão, a mando de alguém, projectou rumar a Roma. Mas a notícia que Pedro e o seu Representante tinham também encerrado as portas do Vaticano, dissuadiu os revoltosos peregrinos que, um a um, foram destroçando cada qual  ao seu país, cada qual  ao refúgio da sua habitação.
Ainda não satisfeito com a submissão das massas, Sua Majestade COVID voou por sobre os espaços, inspeccionou cidades e aldeias, injectou letal veneno na pele dos restantes prevaricadores que ocupavam as ruas e, com um misto de tristeza mas também de orgulho consumado, viu o céu das capitais todo envolto em volutas de fumo negro. Mais orgulhoso ficou por saber que esse era o castigo infligido a todos quantos, irresponsáveis refractários, persistiram na insubmissão: eles eram velhos e novos, pobres e ricos, reis, governantes, milionários. E mais feliz com isso ficou.
Cumprida a missão destruidora, Sua Majestade, o Exterminador Invisível, viu as ruas desertas, os estádios vazios, as praças despidas. O planeta afigurou-se-lhe um fantasma caído e vencido, sem coração, esquálido, de olhos mortiços mas fazendo um último esforço para abri-los, como quem sente e espera por um novo dia.
Em fim de cena, o Enigmático Anjo do novo Apocalipse ouviu de longe uma voz profética,  tão impressiva e distinta que o fez recobrar ânimo e vida: “Sobre os escombros que tu vês, contra este mundo que puseste todo do avesso, eu farei um novo céu e uma nova terra”!
                        (FECHA O PANO)
27.Mar.20
Martins Júnior
   


quarta-feira, 25 de março de 2020

“POR QUEM OS SINOS DOBRAM?”


                                                                  

          No dia em que os carrilhões do mundo inteiro, sintonizados com Roma,  feriram a amplidão do firmamento, adopto o original do criador da epígrafe, John Donne, que desde 1623, vem alertando a humanidade com a solene interrogação: Por Quem os Sinos Dobram? Séculos mais tarde, 1940, Ernest Hemingway respondeu que os sinos de Segóvia dobram a finados pelas vítimas da guerra civil espanhola.
         E os sinos do planeta, desde os clangorosos acordes das catedrais até aos tímidos repiques das ermidas serranas, por quem terão eles tangido neste 25 de Março, ao meio dia italiano, 11 horas portuguesas?
         Já o sabemos. Por sugestão do Chefe da Igreja Romana, secundado pelos responsáveis das dioceses, os crentes (católicos e não católicos)  juntaram as vozes ao bronze sonoro de todo o mundo para, em uníssono, fazer ouvir ao “Pai que estais nos Céus”  uma prece candente a favor da espécie humana, ameaçada que está pelo violento “Covid-19”. Gesto magnânimo e abrangente, toque a rebate por uma causa comum, semelhável a tantos outros, desde a oração cronometrada dos muçulmanos voltados para Meca em nome de Alá,, até à famosa We Are the World  que, em 1985, uniu uma plêiade de artistas em torno do Live Aid por África e, em 2010, pela reconstrução do Haiti devastado pelo sismo. Em tempos de convulsão generalizada, o povo precisa de alguém que, com autoridade moral e empatia global, levante o ânimo das gentes contra a superveniente depressão colectiva. Aplausos sem conta para a iniciativa de Francisco Papa!
         Mas não basta. Como em todos os movimentos de conformação gregária, não basta o efeito multidão em riste, mesmo que galvanizada no mesmo vértice positivo, humanitário, transcendente. Importa saber os caminhos para lá chegar. É que pode correr-se o risco de tomar  a aparência pela essência, os meios pelos fins, o ruído pela canção. E no caso em apreço, determo-nos pela oração em detrimento da acção, perigoso equívoco -  sobretudo este e nesta hora! – em que escasseiam meios, faltam braços e falecem as forças. Têm-se ouvido atentados à fé, aberrantes barbaridades proferidas com a mesma unção e religiosidade de uma fervorosa oração. A título de exemplo, aqui no Funchal (via RTP/M), o daquela senhora que, perante o aviso da autoridade, responde angelicamente: “Quem anda com Deus, não teme”. Para já não falar naquele “pão de açúcar mascavado de ignorância e insensatez”, chamado Bolsonaro, que manda encher as igrejas (“evangélicas”) e quer empurrar as crianças para dentro das salas de aula, porque “em nome de Deus, esta gripezinha não vai pegar, não”.
         Haja Luz! Não obstante o regime teocrático dos hebreus, Povo de Deus, há um momento decisivo, revolucionário, quando era imperioso libertar o povo judeu, escravo do Faraó durante 40 anos: não foi o Deus-Iahveh que se expôs ao ditador egípcio. Ordenou peremptoriamente a Moisés. “Vai tu! Tu é que vais libertar o Meu Povo”.(Êxodo, 3,10-18).
         Poderia aqui citar vários episódios, considerados milagres saídos das mãos de Jesus. Numa exegese acurada, depressa se depreende que em 99% dos casos, o próprio Jesus não se outorga a si mesmo a autoria do fenómeno, mas à iniciativa e ao esforço (fé) do beneficiário: “Foste tu, foi a tua fé que fez isto, que te salvou”! Outros eventos decisivos da história universal reafirmam esta tónica. Penso naquela jovem de 19 anos, Jeanne d’Arc, (n.1431) que não hesitou em tomar a vanguarda do exército contra os ingleses invasores, tendo sido por isso queimada viva por ordem dos bispos da Inquisição. Volvidos 500 anos, papa, bispos e cardeais proclamaram-na santa, Padroeira da França…   
                                                              

         Ora et Labora – foi a constituição que o chamado “Pai da Europa”, São Bento, ditou à Ordem Cisterciense, cujos membros estiveram nos alicerces civilizacionais do Velho Continente, na agricultura, na música, no ensino. E o mesmo lema estará nos códigos de todos aqueles que sentem o sublime intento de tornar o mundo melhor, mais transparente, limpo, higienizado. A oração-reflexão, sobretudo em comunidade, dá inspiração e força anímica. Mas os obreiros somos nós. Ninguém espere que Deus traga lá do alto a vacina messiânica contra o(s) corona-vírus: o de agora, os do passado e os do futuro.
         Tenho para mim (e respeito quem tenha outra versão) que a Igreja fez mais contra a pandemia, mandando fechar os templos, suspendendo missas e cerimónias pascais, do que enchendo-as de terços e responsos rezados pela multidão compacta, gravemente exposta ao “Convid-19”. E por muito que me doa ofender a crença das almas simples - como as define Guerra Junqueiro – e, na mesma medida, nada me incomode (antes pelo contrário) atingir quem interesseiramente use e abuse dessa crença, ouso aqui denunciar e abertamente declarar: Que ninguém se sirva desta dramática situação para vender o seu produto, a sua loja, o seu mercado, a sua religião. Acho criminoso explorar a fragilidade psicológica (quase roçando o pânico) das populações para propagandear a sua seita, o seu  clube, a sua marca, a sua igreja ou a imagem que tem dentro. Haja Luz! Já não estamos no obscurantismo medieval.
         A este propósito, convido-vos a ler o manual de boa conduta que nos deixou o Nazareno em Mateus, 6, 26-32; 10, 29; Lucas 12,30. Radical! Transparente!
         Os sinos encheram o mundo de esperança e optimismo. E mobilizou-nos para a acção, o programa dos responsáveis pelas nações, as instruções de índole profiláctica e curativa. Sem estas, não há milagres nem salmos que lá cheguem. Retomando John Donne: Por Quem os Sinos Dobram? – uma elegia inspirada na morte da sua filha de 18 anos de idade. E uma pergunta, do tamanho do mundo,  a que ele próprio respondeu:
“A morte de cada ser humano diminui-me porque sou parte da humanidade. Portanto, nunca se preocupem em saber por quem os sinos dobram. Porque eles dobram…também por ti”!
               Também os sinos da nossa comunidade tangeram o “Hino da Alegria” cujos ecos encheram as encostas do vale, no mesmo abraço universal e na mesma mensagem: “Faz tu. Ora e labora. Cumpre a tua parte. Fica em casa. E o vírus dissipar-se-á,  por ‘milagre’ ou por encanto”!

         25.Mar.20
         Martins Júnior


segunda-feira, 23 de março de 2020

QUEM QUER SER PRESIDENTE?... O “COVID” …CONVIDA!


                                                            

        Pelo abalo que nos chega de todo o mundo, não há dúvida que o actual momento assemelha-se a um grande murro no estômago do planeta e a um enorme estalo na testa de cada inquilino que o habita. Dá a impressão que uma atmosfera onírica toma conta de nós e, mesmo que imunes ao vírus, faz-nos sair de dentro da nossa zona de conforto para nos metermos na pele de tantos outros – idosos, diabéticos, técnicos  de saúde, funcionários públicos, motoristas, docentes – que estão na linha da frente de combate, na boca do lobo invisível pronto a devorá-los, directa ou indirectamente.
Confesso o meu natural pendor para este quase ‘desdobramento de personalidade’ relativamente a certas profissões de risco, no caso vertente os médicos, enfermeiros, assistentes operacionais ou auxiliares e afins, que expõem a vida e roçam a própria morte para valer às vítimas indefesas. Uma outra classe, porém, toma a ribalta no teatro das operações do novo ‘corona-vírus’, não enquanto intervenientes directos nos escorregadios corredores dos hospitais, mas nas aveludadas e frias cadeiras do poder, onde vão inevitavelmente desaguar os gemidos, as lágrimas e até as cinzas de quem morre à mãos desse inexorável opositor dos governos, o “Covid-19”. Eles são os políticos.
Se nos supracitados quadros profissionais sinto-me vergado ao heroísmo da sua doação a quem sofre, no caso dos políticos permitam-me, enquanto espectador, um misto de respeito e apreço, à mistura com alguma dose de humor. Ninguém, por certo, ficará insensível e quedo perante aqueles homens e mulheres, donos da Casa-Comum, apanhados como náufragos no meio deste ‘tsunami’ infrene que tem desbaratado os continentes e acaba de chegar aos brandos costumes da praia lusa. Parece que tudo ficou em cacos, tudo em estilhaços: primeiro os Orçamentos, depois os projectos promotores do Plano, as inaugurações, os Acordos Diplomáticos, as comemorações oficiais de onde sairiam os patrióticos discursos do ego-governo. Para cúmulo do desgosto, lá vêm, como  rochedos disformes à tona de água, todas as lacunas, as omissões, as falhas anteriores: na legislação, nas fronteiras, nas ferrovias, nas escolas, nos hospitais, sobretudo aí, no SNS e no SRS. E é vê-los, os governantes, perdendo dias e noites em reuniões de nervos, puxando aqui, repuxando acolá, rasgando o parco lençol das finanças (o tecido não dá para o fato inteiro)  sacrificando a família, o sono, o lazer, adiando viagens, enfim, partindo pedra dura. E sempre o povo, soberano da nação, a cair-lhes em cima, a exigir soluções, talvez milagres impossíveis à força humana. Em Itália, Espanha, França, Alemanha, Reino Unido, Portugal. Daí, o nosso apreço, o imenso respeito das nações.
Por outro lado, não deixa de ser assinalável e digno de registo o contraste entre o trono faraónico da nomenclatura política e a frágil vacuidade dos seus agentes. Poderia aqui trazer uma mancheia de “casos exemplares”, cujo módulo acabado é o do tal general Naamã, comandante em chefe das Forças Armadas sírias, sediadas em Damasco, já lá vão mais de dez mil anos: o temeroso exército de que dispunha não conseguiu livrá-lo nem curá-lo da lepra mais humilhante e devoradora. “O seu orgulho era maior que a sua lepra”. (II Livro dos Reis, cap.V).
Sempre foi assim. E assim é nos nossos tempos. O orgulho de Trump, que classificou o “Covid-19” como o “vírus chinês”, agora reza de joelho, certamente ao “Senhor Deus dos Exércitos”. Por que não manda ele o monstruoso arsenal bélico das Américas abrir fogo ao minúsculo espirro “corona-vírus” – este inimigo líquido que fez travar as botas cardadas de 20.000 soldados americanos e outros tantos europeus para o anunciado e agora frustrado exercício da NATO?...
Voltando aos titulares da nossa nomenclatura política (mais humildes que o seu homólogo americano) e reafirmando respeito pelo afã com que pretendem acudir ao surto pandémico que se acerca, não deixo de ler nos seus semblantes aquele desencanto, enrugada desilusão de quem se enganou no caminho ou  (permitam-me o anglicismo) no day after do casamento. Além da notória impreparação para o ofício de alguns deles, ou por causa dela, vê-se que onde esperavam um corso feliz e a concretização de um sonho, afinal acharam um pesadelo, este pesadelo do “Covid”. Estou a ver e a ouvir a euforia, as palmas estrondosas e os punhos altaneiros  do 6 de Outubro de 2019 – “Vitória, Vitória, Vitória”!!! - e agora os olhos lassos de uns, mais uns cabelos fugidos da cabeça de outros e, ao que parece, o justificado medo que o mafioso vírus os torne seus forçados hospedeiros, como aconteceu ao Príncipe do Mónaco ou à mimosa esposa rainha de Felipe VI de Espanha. Se nas vésperas eleitorais, o “Outubro-19” lhes tivesse revelado uma nesga do “Convid -19” teriam, talvez, respondido um seco “Não, Obrigado”.      
         Apesar de tudo, continuo a acreditar na coragem e na coerência dos responsáveis desta Casa-Comum e auguro-lhes aquela resiliência que nos caracteriza, para que do pesadelo presente se reerga o sonho inicial. Para os eventuais eternos candidatos, sobretudo para os natos roedores que acham fazer melhor, o “Convid-19” convida: “Se queres ser Presidente ou Ministro, avança já. Agora, há mais vagas que concorrentes”…   
  
23.Mar.19
Martins Júnior


sábado, 21 de março de 2020

AQUI, FAREMOS A PRIMAVERA



A cidade dorme
Nem uma sombra descreve as ruas dormentes
E os sonhos se os há
Jazem no asfalto ou fumegam latentes
Por entre os tabiques e sob a mudez de um sofá.

Mais que o nevoeiro dói o sol gelado
Nas buganvílias vermelhas
Que vestem as telhas
Da cidade deserta
Onde não há chama e o tédio aperta

Então partiu
A Ilha-Cidade
Sulcou mares continentes
Que lhe dessem
 O Dia da Primavera
O canto dos pássaros o brilho da gerbera
No beijo das goiabas e no abraço dos ramos
Interditos aos humanos

 Sobrevoou montanhas
Naufragou oceanos
Rondou impérios
E já o anjo exterminador marcara maiores danos
Nas praças plantara cemitérios
Das portas dos palácios fizera lenha mortuária
Desfeita em cinza, lavrada em abafado pranto

Que estância esta de fúria e quebranto
Que medonho invisível dinossauro
De tridente secreto
Afoga os corpos devora as almas
Com seu mudo e sádico decreto
E troca amor do peito em desamor das mãos!

Tornou então viagem
A Ilha-Cidade
Içou as velas e voltou
À Baía da Saudade
Aqui
Onde parar é viver
Aqui
Onde a prisão é um reino
Aqui
Das janelas fechadas
Abriremos alvoradas
E o sol novo estenderá
O passadiço de buganvílias vermelhas
Manhã cedo manhãzinha
Entre a tua varanda e a minha

21.Mar.20
Martins Júnior




quinta-feira, 19 de março de 2020

“COVID-19” EM 19, DIA DO PAI ?!


                                                   

A pontuação em contraste aberto – interrogação e exclamação – serve de mote para esta breve glosa em homenagem à condição biológica de “PAI” e ao estatuto social que se lhe corresponde. Repetindo, mutatis mutandis, o velho ‘tiro’ publicitário atribuído a Fernando Pessoa – “Primeiro estranha-se, depois entranha-se” – acrescento que, no fim, até se exclama e proclama entusiasticamente esta curiosa coincidência entre os dois numerais, em Março-19.
São magras as manifestações ao Dia do Pai, comparativamente ao coro polifónico que emoldura o mavioso Dia da Mãe. Por natural condão da sensibilidade humana, a Mãe é poesia, o Pai é texto em prosa. A Mãe exprime-se em pétalas de flores e estrelas. o Pai é chão, é pedra, é ferramenta que dá  pão. A Mãe é só ternura, o Pai é força braçal, é bravura. Sintetizando, a Mãe é o sonho criador, o Pai é a realidade criada, nua e crua.
No entanto, é a Paternidade que toma o trono e ali decreta, enquanto a Maternidade  lhe serve de pano de fundo, a tela ornamental, senão mesmo a serva do rei. Assim na Bíblia o Pai Eterno, assim na Pérsia o Sátrapa, assim o Imperador na Roma pagã e assim na Roma cristã o Pai da Cristandade. Não deixa de ser sintomático que, para designar a autoria de uma grande obra, nunca se nomeia a ‘maternidade de’, mas tão só a paternidade do livro, da escultura,  da arquitectura, ainda que tais feitos tenham saído das mãos de uma mulher.
Ultrapassando, porém, os arquétipos que as sucessivas (in)culturas foram imprimindo e marcando as diferenças de género (homem-mulher, pai-mãe) apraz-me hoje contemplar aquele tocante quadro de um pai jogando à bola com os filhos, correndo com eles ou, sentado a seu lado, ‘perdendo tempo’ mas ganhando vida, enquanto os ouve e lhes responde, enquanto os deixa confrontá-lo e serenamente os esclarece, enquanto ri e, por vezes, se comove com as peripécias infanto-juvenis que lhes dita a criatividade imberbe. Situo esta aguarela do quotidiano familiar precisamente neste dia e nesta fase de vilegiatura laboral, motivada pelo “Covid-19”.  
Difícil, senão mesmo impossível, fugir ao ritmo quase frenético em que nos mergulha e afoga o organigrama da nossa sociedade, por força do qual o pai sai de manhã para o local de trabalho, os filhos para a escola, todos separados o dia inteiro, ficando apenas os ‘restos’ para a noite, antes de dormir, altura em que a uns e a outros escasseia força e inspiração para o diálogo. Desconheço se os pais se apercebem do tremendo prejuízo que faz aos filhos este forçado divórcio coloquial. Mas faz, sobretudo na educação e na vida futura, deixando invisíveis fracturas no psiquismo e nas atitudes comportamentais dos jovens. Recordo-me, a título exemplificativo, de uma criança que, à chegada dos pais a casa, partiu um vaso ornamental de elevado preço. Sendo duramente repreendido,  respondeu: ”Foi mesmo para isto que eu parti: para, ao menos, falarem comigo”. Assustador! Mas tremendamente esclarecedor.
Em mais um dia do “Covid-19”  e Março-19, “Dia do Pai”, expresso aqui a minha maior  homenagem a todos os homens procriadores e construtores do mundo de amanhã, todos - os do trabalho braçal, do labor intelectual, do serviço social – deixando-lhes este lembrete singelo mas de uma energia propulsora na dinâmica do futuro: aproveitai este tempo de defeso para vos sentirdes de novo crianças, adolescentes e jovens junto dos vossos filhos, com eles brincando, escutando, cantando, dialogando, numa palavra, amando-os!
Uma palavra de inexcedível apreço e comoção para com aqueles médicos, profissionais da saúde e  respectivos auxiliares que, segundo me foi dito, passam turnos de uma, duas e até três semanas, sem poder contactar com a família, alguns com  filhos menores, só para estarem ao serviço contínuo, heróico, dos utentes enquanto durarem os efeitos do “Covid-19” nesta Região.
A uns e outros:
Que nunca as mãos lhe doam!
Que sempre lhes redobre o ânimo!
19.Mar.20
Martins Júnior
     
     


terça-feira, 17 de março de 2020

SEMPRE VIVO NA PEDRA DE MACHICO – PEDRO BARROSO!


                                     

Estamos juntos!
Se ele morreu, também com ele morreu algo de mim. Mas se estou vivo, comigo está o seu braço erguido, está a sua voz sem termo, está a sua alma inteira abraçando o mundo.
Foi assim na Ribeira Seca em 2012, quando quis associar-se ao 50º aniversário da minha missão pastoral. E assim ficou connosco, espalhando ao vento norte e ao  mar do sul as notas sonoras, coloridas da sua mensagem perene: Verdade, Amor e Perdão, Saúde, Liberdade, Justiça, Fraternidade – testamento de ouro escrito nos muros do nosso palco e nos corações da nossa gente. Foi a sua última passagem por terras de Tristão Vaz.
Teçam outros o estendal de linho puro das suas canções, os 20 álbuns que perpetuarão o rasto luminoso que nos deixou. Descrevam outros, se a tanto lhes chegar o engenho e não lhes faltar a arte, descrevam a versatilidade poliédrica das suas cordas vocais. Exaltem o seu talento tão alto quanto a sua humildade de “irmão de todos os nus”. Que eu canto e guardo, até que surja a minha vez, as “Lutas Velhas-Canto Novo”…”Que a resistência de um Povo também se cria a cantar”.
                                           

Nos alvores de Abril, o vale de Machico encheu-se desse pregão gigante que se repercutiu e se fez eco, da baía até à montanha, porque das velhas lutas de outrora em “tempos de servidão”, o Povo soltou o Canto Novo da Liberdade e da Vida.
 Pedro Barroso identificou, nesse seu canto, o historial patriótico dos seis séculos que o Povo de Machico viveu no seu amor à terra e na resiliência do seu futuro em construção.
A nossa maior gratidão.
Estamos Juntos!

17.Mar.20
Martins Júnior   




domingo, 15 de março de 2020

SE ÉS LIVRE – HOMEM, MULHER, ADULTO, IDOSO OU JOVEM – RESPONDE A ESTA PROVOCAÇÃO:


                                                         

A provocação aqui  é sinónimo de pergunta. Chamo-lhe provocação porque  põe à prova a capacidade optativa de cada cidadão - nosso familiar, nosso vizinho, nosso colega de escola, nosso companheiro de trabalho. Talvez seja a grande e única  questão a colocar-se nesta tremenda conjuntura de combate entre o planeta Terra e o minúsculo fantasma que rumoreja sobre as nossas cabeças, o novo “coronavírus”. Ela faz parte do  comentário   que produzi hoje, pelas 9,30 H da manhã e vem reproduzido no face-book  da Ribeira  Seca, (https://www.facebook.com/ribeirasecamachico/)   para o qual convido todos quantos acharem por bem fazê-lo. Registo também  com aprazimento as mais de seis mil visualizações que mereceu esse meu apontamento. É sobretudo aos jovens, tantas vezes incautos e aventureiros, que formulo a provocação. Ei-la:
Tens diante de ti duas opções:
1ª - Ficar voluntariamente 1 dia no teu quarto em tua  casa.
2ª -  Ficar coercivamente 1 mês num quarto de isolamento do     
        Hospital, sem garantias de poder voltar a ver a família.
                           ESCOLHE!

Nesta hora de resguardo e defeso, a proporção de 1 dia ou 1 mês pode ampliar-se x vezes mais, quantas as necessárias. Da tua escolha depende o futuro – o teu e o da tua terra!
15.Mar.20
Martins Júnior

sexta-feira, 13 de março de 2020

A IMPOTÊNCIA DO CRIADOR, A PESPORRÊNCIA DE UM BISPO E VIDÊNCIA DE OUTRO


                                                                

      Quem, ao longo da multissecular história da poderosa Instituição, seria capaz de  dizer ou até vaticinar que tal viria a acontecer?... Na fidelíssima nação judaico-cristã, ficam suspensas as sacratíssimas missas da Quaresma e a dolorosíssima evocação da Paixão, Morte e Ressurreição do seu Fundador e Redentor!
         E quem o decretou e fez cumprir? Não foi o Império Romano, nem o desnaturado Nero, nem o sanguinário Diocleciano espumando ódio contra a “nova seita”.  Nem mesmo o ‘satânico’ bolchevique regime de Lenine e Estaline ou  Mao Tzé Dung. Procurem-no, “vivo ou morto”, esse draconiano mostrengo que ousou a homérica façanha de afrontar a Fé inabalável da Tradição Dogmática da Instituição e, em última instância, a própria essência do Demiurgo Autor de toda a  Criação!!!
          Por mais insensato e maquiavélico que pareça, o estratega desestabilizador da imutável Ordem Sagrada resume-se a uma gotícula invisível, um espirro cirúrgico, enfim, um vulgar bocejo da Natureza ou seu derivado. Moisés, que afrontou o Faraó do Egipto e libertou o Povo Hebreu, poderia reincarnar, mas não seria capaz de abater o imponderável vírus perturbador do planeta. E o eloquente António Vieira, repetindo  o Sermão veemente e heróico contra as invasoras tropas holandesas no Nordeste Brasileiro, jamais liquidaria esse minúsculo verme que faz tremer em Itália a Barca de Pedro e os reinos do mundo.
         Sua Excelência e sua insignificância, o Corona-Vírus! Seu Super-Gigante e seu infra-pigmeu “CONVID”, nado em 2019, com apenas três meses de fraldas! Lúcifer das cavernas e spíritus do éter!... Quem o prende, quem o esgana entre as mãos, quem o faz fugir em debandada, quem?... Nem a bandeira das Cruzadas, nem o hissope de Água Benta, nem a Tiara papal ou o Báculo bispal,  nem a suspensão/excomunhão de Roma, nem a bula apostólica do exorcismo?!... Estranha condição: em vez de o suspenderem, é ele que suspende altares e presbíteros, baptismos e ministros, velórios e liturgias.
         Houve alguém que ousou desafiar um antepassado do CONVID-19, um parente de estirpe idêntica. Foi há 100 anos e chamava-se “gripe espanhola”, que vitimou soldados franceses, americanos, espanhóis. O desafiador arrogante era bispo de Zamora e tinha por nome Álvaro y Ballano. Contra as normas estabelecidas pelas autoridades espanholas (muito à semelhança das orientações actuais) o bispo Ballano, na sua pesporrência sacral, confiante na divina omnipotência,  entendeu reunir dezenas de milhares de fiéis numa missa campal, quase na fronteira com Portugal. Julgou ter feito uma “catedral” de preces e louvores em honra da Divindade, esperando em troca a sua protecção. Resultado: “Zamora  teve dez vezes mais mortes que as outras cidades espanholas e cinco vezes mais que a média de todo o país”.
         Trago estes episódio propositadamente para sublinhar o bom senso da hierarquia madeirense, em consonância com a Conferência Episcopal Portuguesa, que decretou a suspensão de todos os actos litúrgicos comunitários, inclusive da quadra pascal, pelos motivos já sobejamente conhecidos do público. É preciso aprender e apreender a amplitude dos “sinais dos tempos”. Este é um deles, o nosso tempo. Já o demonstrei no blog anterior e reafirmo-o: não se pode mais trazer  a população embalada e, depois, domesticada com velhas receitas de ignorância e superstição em tudo semelhante às práticas pagãs e fetichistas de séculos passados. É preciso luz, ciência, conhecimento e partilha activa no combate  aos agentes negativistas que ciclicamente se atravessam no nosso percurso, sem nunca esquecer o sábio axioma antropo-teológico: “Deus perdoa, a Natureza Não”!

         UM POR TODOS E TODOS POR UM!

         13.Mar.20
         Martins Júnior     

quarta-feira, 11 de março de 2020

CRONAVÍRUS, QUEM ÉS TU? – MONSTRO NOCTURNO QUE PRENUNCIA A MANHÃ DE UM NOVO DIA


                                                  

          Ao vê-lo aproximar-se e, de repente, senti-lo dentro das nossas casas, sentado nas cadeiras dos alunos, no convés dos navios, nos aviões, nos estádios, nas ruas e até nas urgências dos hospitais, a única pergunta que nos aperta a garganta é aquela, feita ao Romeiro pela pena de Almeida Garrett no seu avassalador Frei Luis de Sousa:  “Romeiro, Quem és Tu?” . Só que a resposta já não seria o tremendo: “Ninguém!”, que fez desabar a felicidade de Madalena, de Manuel Sousa Coutinho e da adolescente Maria.
         Perante a sôfrega voragem do Covid-19 e a devastação sem freio que deixa no seu rasto, é caso para confrontá-lo, ainda que com voz tímida: “Coronavírus, Quem és Tu”? Semelhável ao mais furibundo tornado, mesmo invisível, a agora pandemia arrasa o planeta e nada e ninguém é capaz de poupar: na economia, no turismo, nos desportos, na ciência, na arte, nas universidades, em tudo o que se move. No entanto, tal como no rescaldo das grandes tempestades que limpam o ambiente e põem a nu a paisagem, antes camuflada e deformada pelos humanos, assim também o “tsunami Covid-19” : destrói vidas, arranca árvores, abate pessoas, mata elefantes brancos, mas depois obriga-nos a nós, viventes, a reflectir, a separar o trigo do joio, a distinguir o essencial do acessório.
         Alguém um dia escreverá a  enciclopédia de uma nova cosmogonia do planeta ou, pelo menos, de uma nova civilização, que o Covid-19  poderá instaurar, no plano ambiental, social, cultural, económico, ou seja, uma nova filosofia e uma nova mundividência. Vou apenas debruçar-me sobre um dos aspectos  mais inócuos e insignificantes, mas de alcance maior do que pode parecer. Refiro-me aos rituais de culto religioso, designadamente da Igreja Católica. Com efeito, tem sido notório – e louvável – o esforço pedagógico de Roma em suprimir certas práticas litúrgicas ou para-litúrgicas, tais como a da comunhão na boca  e sim na mão dos comungantes. Uma outra foi o  da proibição dos abraços e dos beijinhos antes da comunhão e a retirada da água benta das pias das igrejas. Só por ironia se pode aceitar que foi preciso vir o coronovírus para abolir uma práxis tão obsoleta... Devo dizer que já há cinquenta anos a Ribeira Seca adoptou as novas orientações. O mesmo se diga da confissão auricular. Refira-se, ainda, a abolição do beijo na “Adoração da Cruz” (Semana Santa) e, por analogia, na imagem do Menino em dia de Natal. Já as dispensámos também há muito tempo.
Para aquilatar da inutilidade de certos ritos, bastará interpelar os rigoristas liturgistas e perguntar: a Eucaristia ficou menos genuína ou menos valorada por não haver água benta na pia  ou beijos e abraços ou comunhão na boca?…  
         É certo que em todas as celebrações festivas os signos ou símbolos têm por função coadjuvar os participantes na melhor  integração ou interpretação do acto. Quanto menos culto é um povo, mais precisa de sinais visíveis, alguns deles caricatos e anti-higiénicos. Justo é, porém, constatar que certas simbologias ou sinaléticas de outros tempo afiguram-se supérfluas, infantilizadas e manifestamente ridículas para a mentalidade dos nossos dias. E não havia necessidade de um coronovírus para chegar a tais conclusões.
         Cabe aqui repescar textos paralelos de Isaías (29,13), de Mateus (15,19)  e de Marcos (7,7): “A adoração que Me prestam é constituída por regras e doutrinas feitas pelos homens e apresentam-nas como preceitos divinos”.
         Grande “Profeta” é o Convid-19! Que não se esqueça a lição.
         11.Mar.20
         Martins Júnior