domingo, 30 de abril de 2023

PASTORES E MERCENÁRIOS

                                                                      


    As duas mais velhas profissões do mundo! Mais velhas que a proclamada primeira. Porque a pastorícia, iniciático recurso de um povo nómada, anda de pari passu compassada com a caça,  a mesma armadura de peles curtidas, o mesmo olhar de lince, o mesmo bordão que naquela é cajado protector e nesta é bastão salteador.

         Das duas fala-nos o LIVRO, fim-de-semana inspirador. O nosso Mestre, o Nazareno que “não sabia nada de finanças nem consta que tivesse biblioteca”, denuncia os profissionais de ambas as profissões, não hesitando definir que “o pastor dá a vida pelas ovelhas” e o mercenário tira a vida das ovelhas. O pastor é o “Guardador de Rebanhos”, o mercenário é o saqueador da lã, da pele, do sangue delas. Aquele enfrenta o lobo, este foge, esconde-se e na sombra aguarda a hora de recolher os despojos.  O pastor é franco e oportuno, o mercenário é dobre e oportunista.

         As duas profissões - uma autêntica, “de um só rosto e de uma só fé”, a outra mimética, furta-cores – tocam os mesmos instrumentos, manuseiam as mesmas ferramentas e os seus gestos são simétricos no torcer dos ombros e no estalar dos dedos. “ Só pelos frutos os distinguireis”  - adverte-nos o Mestre.

         Em João, 19, 1-19, Ele fala a um auditório agro-pastoril, mas nas entrelinhas lá estão todos os actores dos palcos sociais, do campo à cidade, da pedra-lascada à cúpula dos ‘capitólios’, do tasco rural à tribuna dos parlamentos, da caserna blasfema aos altares das catedrais. Há-os em toda a parte!

         “Estes anormais que nos governam” – escreveu alguém este livro.

         Estes oligarcas beneméritos que com uma mão nos roubam o dobro do que nos dão com a outra, estes pregadores que nos pervertem, estes educadores que nos hipnotizam, estes prestidigitadores  que nos “vendem gato por lebre”, enfim, estes populistas, exemplares camaleónicos… estes, aqueles, aqueloutros, nós, tu, eu!...

         “O triunfo dos porcos”,  dos “Senhores Porcos”, a apoteose dos bobos, o manicómio dos sabidos… E lá vamos pagando e rindo. Porque bobos somos nós!...abono dos mercenários!

        

         29-30.Abr.23

         Martins Júnior

 

 

 

sexta-feira, 28 de abril de 2023

A CAMINHO DO CINQUENTENÁRIO… EM FESTA E COM DETERMINAÇÃO !!!

                                                                            


    Um dia que se junta aos mais de 18.000 dias em aberta e franca proclamação de  “MACHICO-TERRA DE ABRIL”!

         Uma tarde que o Povo não dispensa nesta roda viva  transformada na sua interminável “Praia da Liberdade”!

         Um Largo que pais e avós nos legaram para transplantarmos aqui o “Largo do Carmo”, o da Restauração, o da Alegria, o da Saúde!

         O Palco sem bastidores onde Zeca Afonso e Otelo Saraiva de Carvalho continuam abraçados à estátua de Tristão Vaz Teixeira cantando a Grândola, Vila Morena, como nessa longínqua e duradora tarde de Julho de 1976!

         É por eles que o Povo sente a chamada, sem o rufar de partidos e o beneplácito de governos e, por isso, não paga à publicidade encartada, sobretudo a escrita.

         Mais vale pardal na rua que rouxinol na prisão:  bem definiu o poeta do Povo, António Aleixo, o amplo espaço da expressão livre. E Machico fez-se rua, fez-se praça, fez-se Largo onde se respira a primavera de Abril!

         A caminho do cinquentenário, em terras de Tristão Vaz – Abril fica mais jovem, dos oito aos oitenta, no abraço de gerações que sabem quanto custou no passado e quanto vale no presente o vermelho dos Cravos da verdadeira Liberdade!

 

         27-28.Abr.23

         Martins Júnior

        

terça-feira, 25 de abril de 2023

49 ANOS – MATURIDADE E ACÇÃO !

                                                                                   


De uma meia-noite a outra, acenderam-se e apagaram os holofotes.

Levantaram-se e baixaram os cravos vermelhos.

Encheram-se e esvaziaram as praças e avenidas.

Altissonantes tocaram o céu azul e mergulharam plenos os alleluias do “Povo que mais ordena”.

E nem chegaram à cave os infantis batuques tribais de quem não sabe andar no planeta da Liberdade.

Aos 49 anos, Abril  terá de ser mais que emoção de um dia.

Aos 49 anos, Abril será cérebro e convicção. Sempre!

Aos 49 anos, Abril terá de ser vida e acção. Sempre!

 

         25.Abr.23

         Martins Júnior

segunda-feira, 24 de abril de 2023

NOS PRÉ-100 DIAS DO ARRAIAL…

                                                                          


            Esperei com a paciência de um monge budista o último compasso do concerto colossal com que Portugal adormeceu, ao anoitecer do 100º dia do arraial a haver. Desde o mais alto torreão até ao mais longínquo campanário, dez milhões de portugueses foram chamados à memória futura para se atamancarem a preceito, porque só faltam três meses e dias ante a parada capital da ”Capital do Império”.

         Por isso, serão  parcas e átonas as palavras que pululam no meu subconsciente. Porque todas se resumem a uma dupla pergunta: estão a abrir caminho ao Peregrino ou a altear o trono ao Imperador?…  Teremos voltado à mítica vocação missionária de congraçar a Fé e o Império? …O protocolo não engana, nem quanto à resposta, nem quanto ao receptador-ganhador, se este se aquela. A novela herói-cómica dos palcos faraónicos e a proclamação patriótica superiormente lavrada – “a projecção de Portugal no mundo” – não deixam margem a dúvidas. E (com ou mais que Portugal) a “projecção mundial” dos titulares, a começar pelos domésticos.

Era preciso levar ao Papa o GPS da cidade, 100 dias antes, não corresse o frágil octogenário o risco de perder-se nas vielas de Lisboa.  Com direito a grande plano!

Fez falta regressar ao século XVI… e que falta fez Hanno, o elefante albino que D. Manuel I ofereceu ao Papa Leão X. Como já não há ouro do Brasil, lá foi carregado de moedas-euro-puga.

Os carrilhões em coro bronzeado configuraram-se-me o ‘iluminado’ D. Miguel, do Felizmente Há Luar de Luís Sttau Monteiro, amotinando o povo contra o sonho libertador do general Gomes Freire de Andrade:

Os estados emotivos, srs. Governadores, dependem da música que se tem no ouvido. Por isso, quero os sinos das aldeias a tocar a rebate, os tambores em fanfarra nas paradas dos quartéis, os frades aos gritos nos púlpitos, uma bandeira na mão de cada aldeão.

100 dias antes!

Entre nós, ilhéus, estamos habituados a que se inaugure o betão antes, durante e depois de cair ao chão…

Assim se embala a religião, meio caminho nas ogivas da sé, outro meio na bandeira do(s)  partido(s). Cada qual reserva a sua maquia.

Tudo à pala da juventude. Muito podem os ombros dos jovens da JMJ!

Acaso, perguntaram os embaixadores ao Papa Francisco – aquele que se recusou habitar o Palácio ‘Apostólico’ – se estaria alinhado e identificado com as novas pirâmides do Egipto Lisboeta?!

Uma saudação modesta, mas essencialmente espiritualista e livre à JORNADA MUNDIAL DA JUVENTUDE – por extenso – porque não quero ver encostadas às barracas de tamanho arraial as iniciais deste remoto ilhéu, JMJ!

 

23-24.Abr.23

Martins Júnior

sábado, 22 de abril de 2023

UM ANO EM ABRIL – CRAVOS, ÁGUAS MIL

                                                                        


O Sonho quis

 

Os olhos dele gizaram

E as mãos dela ergueram

No mistério astral do seu corpo

 

Agora o sonho é mais que a raiz

São olhos de outros olhos

São mãos de outros braços

Sonhos de outros sonhos

De um mundo novo

Em perpétua ascensão

 

Cimo será e mais acima

Teu voo solto do chão

 Menino de ouro de Abril

Superlativo Super-Simão

 

            21-22.Abr.23

         Martins Júnior

 

quarta-feira, 19 de abril de 2023

NOS TRÓPICOS DE ABRIL…

                                                                             


 



O SOL QUE QUEIMA É A LUZ QUE LIBERTA !!!

 

        19.Abr.23

         Martins Júnior

segunda-feira, 17 de abril de 2023

NA EUROPA, EUROPEU; NA CHINA, ÉS CHINÊS; EM PORTUGAL, PORTUGUÊS E NO BRASIL, BRASILEIRO

                                                                         


      É tão-só um traço à flor da pele. Porque foi mesmo um rasgo rompante que aflorou à epiderme do planeta o pregão gutural que o heroico Lula soltou junto do grande chinês, fleugmático por ser poderoso.

         Meio mundo tremeu, outro meio exaltou. Um e outro esquecem-se   

que Lula falou em Bruxelas, falou na China, falará em Lisboa e voltará a falar no Planalto. Para um bom poliglota,  há uma única tradução: “Eu só quero a paz no mundo”! E todos os outros dizem o mesmo - mas por caminhos diferentes: Lula sem armas, Putin com terras roubadas, Xi Jinping com um mefistofélico ‘sim e nim’. Como observou Gilbert Cesbron, “é o drama deste mundo, todos têm razão”.

         Seja qual a lixívia para branquear ou o torno para amaneirar ou o anil para azular as palavras, custou  ouvir proclamar urbi et orbi  que para haver Paz tem de ser o mais fraco a pagar a factura. Tem de ser o monstro a engolir o pigmeu. A Paz de Putin é a do ladrão que abraça a  vítima depois de lhe ter roubado a carteira.

         Estará Lula de acordo com este contrato cinicamente bolsonarista?

         E se está, terá o Papa Francisco coragem de repetir o que  há menos de um mês afirmou em defesa de Lula e de Dilma?

         “Todos têm razão”, tal como “Todos são iguais”. Mas há razões que,  todas juntas, valem menos que a Razão. E “há sempre uns mais iguais que outros”.

         Um certo nevoeiro ensombra o céu de Portugal.  

Aguardemos novos discursos coloridos!

 

         17.Abr.23

         Martins Júnior   

domingo, 16 de abril de 2023

O MAIS ANTIGO FÁRMACO BIOLÓGICO CAPAZ DE CURAR O MUNDO

                                                                            


De tão mágico acaba por ser contraditório. Logo pelo enunciado do receituário: sendo fármaco, produzido em laboratório, como pode arrogar-se de biológico ‘bacteriologicamente puro´?

Mas é assim mesmo, porque a química vive metamorfoseada na carne o no sangue, no corpo e no mais dentro dele, o espírito. De cada composto humano que um homem e uma mulher põem no mundo.

         E é mágico porque com ele dorme-se bem, acorda-se melhor, portas e janelas abertas todo o dia e toda a noite, sem sombra de trauma que empalideça  a luz do sol ou entenebreça as inabaláveis galáxias nocturnas.

         Dá-se de graça, mas é o mais caro do mundo.  Tem mais de dois mil anos e, no entanto, é ele que torna as pessoas mais jovens e o ar mais ecológico, mais são.

         Neste fim-de-semana, ele vem até nós no Grande LIVRO, não em módulos de

tratados académicos, mas em reportagem ao vivo, a mais directa e persuasiva. E quem a regista é precisamente um médico, de nome Lucas, testemunha ocular dos factos:

Eles  viviam em perfeita união. tinham tudo em comum. Os que possuíam

propriedades vendiam-nas e distribuíam o dinheiro pelos mais necessitados. Tomavam as refeições com alegria, ganhavam a simpatia do povo e todos os dias juntava-se-lhes cada vez mais gente.  (Actos, capítulo II).

Isto deve ser de um outro planeta, de lunáticos avatares…

Chamemos ao sistema os ”ismos” que quisermos, pois que ele não proveio de decretos imperiais. Nasceu de um outro império maior e mais poderoso, o da consciência humanista e cristã.   E sabendo que não passa de uma ficção ou  do “sonho de uma noite de verão” inalcançável, reconfortemo-nos ao menos com a memória de um tempo novo – novo de há dois mil anos – e empenhemo-nos para que ele regresse dentro de nós e arraste consigo povos e nações.

Reabramos no mundo o laboratório da Justiça Distributiva!

 

15-16.Abr.23

Martins Júnior

quinta-feira, 13 de abril de 2023

NO SUPERMERCADO DO DIA DO BEIJO

                                                                                   


                                         

  o beijo-amor e o beija-flor

o beijo-chegada e o beijo-partida

o beijo-aritmétrico e o beijo-geométrico

o redondo e o quadrado

o beijo-recto e o beijo-quebrado

o beijo-brasa e o beijo-gelo

o seco e o molhado

o mudo e o sonoro

o átono e o tónico

o beijo de Judas

o beijo de Vénus

o beijo-perdido e o beijo-achado

o beijo-breve e o beijo-longo

o consentido e o apetecido

o desejado e o recusado

o  beijo-paixão e o beijo-caixão

o que nasce e o que morre

o beijo-vida e o beijo-morte

o beijo-tudo e o beijo-nada

 

enfim, o beijo-sinónimo e o seu antónimo

e ainda, na prateleira,

o beijo compra-e-vende

 

“Aceito, compro, vendo e troco

ao melhor preço” – diz o gerente

 

Em que prateleira ficam os teus?...

Os meus?...

Os nossos?...

 

         13.Abr.23

         Martins Júnior


terça-feira, 11 de abril de 2023

ELOQUÊNCIA E PROJECÇÃO – OLHAR O CÉU E FALAR À TERRA

 


É das mais elementares teses dos manuais de Retórica a arte, que o é   ciência também, de conjugar Eloquência e Projecção, quando o orador elege um destinatário formal no discurso mas, nas entrelinhas, está subentendido o interlocutor material, É a figura de estilo adequada ao género literário da ‘Fábula’, com a mestria cados famosos Esopo e La Fontaine. Mas nenhum outro exemplar excedeu a eloquência do “Príncipe da Língua Portuguesa”, o Padre António Vieira, naquela peça inimitável, conhecida por Sermão de Santo António aos Peixes. Dirigiu-se aos peixes para falar aos homens. ,

         Aliás – e respeitando a intimidade fideísta de crentes e agnósticos – é esta a fórmula privilegiada de muitas e diversificadas homilias e orações pias. Projecta-se no Além um somatório de apelos e anseios, cujos destinatários estão no Aquém dos meridianos planetários. Assim fazem os cristãos recorrendo ao seu  Deus, os muçulmanos ao seu  Alá, os budistas ao seu Guru.

         Apreciei o talento maiêutico do Papa Francisco, no seu Discurso Pascal. O  escopo teleológico das suas palavras consistia em convidar (diria, estimular, forçar) os titulares de poderes públicos a reverem as suas políticas em ordem à paz social, à realização plena do indivíduo e da comunidade global. Por isso, da janela do Vaticano como que sintetizou as viagens que realizou como peregrino e as que ainda estão por concretizar. Passou pela Ucrânia, rumou a Cabo Delgado, em Moçambique, rumou ao Sudão, Nicarágua, China, Maynmar, enfim, deu a volta ao mundo e viu-se na sua voz humilde e profunda o pedido, a esmola, a angústia de quem implora a Paz, remetendo a sua mensagem a Deus Soberano: Senhor Deus, olhai para… escutai os gemidos de… calai as armas aqui, acolá, ainda mais longe…

         Deus escutou-o, como a Moisés no cativeiro do povo hebreu sob o jugo do faraó. Com uma diferença: Ihaveh respondeu e ouviu-se a sua voz: Os gemidos do meu povo chegaram até mim. Por isso, Moisés, vai tu e liberta-o, enfrenta o faraó. Na prece de Francisco Papa não se ouviu a resposta do Senhor do Universo, mas ela aconteceu. E não terá divergido do conteúdo essencial da que foi dada a Moisés: A Paz, quem mais do que Eu, quer vê-la no mundo?!... Mas ela está nas vossas mãos,

nas vossas leis, nos vossos acordos… Vai tu, Francisco, clama sem cessar, insiste, suplica – o mesmo mandato que Paulo conferiu ao discípulo Timóteo.  

E o Papa tem feito a sua parte, até chegou a pronunciar-se directamente sobre a injustiçada sentença que condenara Lula e Dilma. Um arrojo, acho eu. Mas são gestos destes que convencem e arrastam. Só que têm uma factura pesada, passada pelos visados e até vinda de dentro da instituição –‘não fica bem ao Representante de Cristo meter-se nessas coisas, não lhe compete’. No entanto, quem mais directo e frontal que Jesus de Nazaré?... E pagou com a própria vida a sua frontalidade!

Belíssima, comovente a alocução do “Homem que veio do fim do mundo”. Mas, da sua acção, ele está ciente de que a Oração, por mais eloquente, não basta. É preciso chegar aos intervenientes, cair na real, dar passos mais corajosos, decisivos e não acomodarmo-nos apenas  a um bem-estar interior, ainda que respaldado pela divindade.

Em tempo de Páscoa, ressuscitar está nas nossas mãos. A cada dia morremos e a cada hora ressuscitamos!

 

11.Abr.23

Martins Júnior

 

 

segunda-feira, 10 de abril de 2023

VARIAÇÕES SOBRE UM MESMO DIA: PÁSCOA DE TODAS AS HORAS

                                                             


deuses sepultaram. deuses reergueram

a uns embalsamaram. a outros coloriram

nem foram precisos três dias, um só chegou, o mesmo

 

gentes caem. castas se entronizam  

se morre um pária, mil párias agonizam

inumado um oligarca, exumados serão milhões de proletários

 

de que serviu ó Cristo rolares a pedra tumular

se temos tectónicas avulsas nos cérebros oceânicos

desde o génesis primeiro

                                                                                     

sei que trazes a chave que solta e o sopro imortal

mas são nossos os mísseis os drones as valas goelas famintas   

 

de todas as sextas a todos os domingos  

deuses e gentios morrem e ressuscitam

 

se abrires uma fenda no túmulo das tuas noites

crescerão em mim  sedentas manhãs de páscoa

 

09-10.Abr.23

Martins Júnior  

sábado, 8 de abril de 2023

EU VI-O, SUSPENSO DE UMA ÁRVORE NA PICADA AFRICANA !!!

                                                                             


         Está tudo consumado. Morto e sepulto. Até que enfim – espumaram eles!

         O Processo chegou ao termo – uma meta que não se revia apenas na subversão de todos os normativos da legislação romana, nem mesmo no assassinato da vítima: era preciso mais – expô-la em hasta pública para que a repressão e o medo afogassem os ânimos daquele povo revoltado, mas impotente, perante o crime perpetrado contra o seu Líder e Mestre.

         Assim proclamaram eles, Anás e o genro Caifás. Os pontífices máximos manipularam bandos marginais, forçaram o procurador Pôncio Pilatos, urdiram como matéria de acusação afirmações descontextualizadas (a questão dos impostos, o incitamento à rebelião, a destruição do Templo). Objectivo estratégico infalível era o enxovalho público do condenado, fazê-lo passar, vaiado e massacrado, pelas mesmas ruas em que antes fora aclamado, entusiasticamente aplaudido e amado. Neste furor visceral, estava o plano último: erguê-lo acima do solo, na colina sobranceira à cidade, para que ficasse visível, emblemático, aterrador. Para isso, deveria chegar lá acima, ainda com vida E por isso, intimaram um pobre trabalhador, Simão Cireneu, que casualmente ali passava, obrigando-o a transportar o patíbulo, o madeiro, afim de que o condenado não morresse no percurso.

Digno de registo, para memória de todos os tempos, foi o apoio das mulheres de Jerusalém ao mártir indefeso, notoriamente a sua Mãe e a Verónica, que afrontaram sem medo a barreira dos militares encarregados da execução final.

Vale a pena reler o texto de L ucas, capítulo 23.

É nestes dois dias que não consigo varrer da retina aquela visão tétrica do nativo indígena dependurado no alto da árvore centenária à beira da picada. De visita à Companhia operacional, vim a saber que se tratou de um homem desarmado, apanhado pela nossa tropa, ao qual, diante de toda a Companhia em parada, deceparam as duas orelhas e fuzilaram-no depois, suspendendo-o naquela que me pareceu ver a cruz do Calvário e o corpo do moçambicano afigurou-se-me um Cristo Negro em Cabo Delgado. Ali ficou patente como mostrengo aterrador aos olhos daquela pobre gente que vivia amedrontada no meio da mata. Como fizeram os magnatas de Jerusalém ao povo hebreu.

Quisera eu habitar estes dois dias longe do povoado, evadir-me para algum incerto horto das oliveiras ou para a mais alta serrania e aí jogar ao vento forte a reminiscência de há mais de cinquenta anos em terras coloniais.

Detenho-me no Gólgota. Vejo que retiraram da Cruz o corpo morto do Jovem Libertador Jesus. E penso que outro lenitivo ele não deseja nem espera senão que o façam descer do lugar do tormento e da ignomínia.

E bate-me outra vez ao subconsciente: aquele africano anónimo que não teve quem o retirasse da velha árvore. E que o fizesse voltar à vida. E é isso que Jesus de Nazaré mais deseja: que não se pregue mais ninguém ao madeiro infame. E se tal acontecer, que o façamos descer depressa, que o libertemos doo cepo amargo da tristeza, da depressão.

“Por mim ninguém chore” – foi a  sua resposta às mulheres de Jerusalém que choravam à sua passagem. Ele quer vida e acção!

 

         Seja a noite de Sexta-Feira a alvorada de Domingo de Páscoa.

 

         07-08.23

         Martins Júnior

quarta-feira, 5 de abril de 2023

NOITE DE PAZ… NOITE DO PERDÃO

                                                                                       


      

Na semana do Processo, interrompo a ‘sessão’ e retomo-a na sexta-feira, 7. Porque no meio das trevas desta noite Alguém perpassa e, do banco dos réus onde o ódio organizado pretende amarrá-lo, Ele faz o trono do Amor erguido sobre a montanha verde do Perdão.

Uma mesa, Pão e Vinho, o Abraço da Fraternidade, o Perdão dado com lágrimas, esclarecido, confrontado com os farrapos da pérfida indiferença, ainda que sublinhado com o “Mais valia não teres nascido”.

O Perdão – assunção da responsabilidade!

Todas as guerras perderão, face a face, no puro olhar do Perdão.

Perdão de corpo e alma, não perdão de plástico.

Falou certo o Padre José Luís Rodrigues.

Perdão de Mateus, capítulo V.

Perdão de Tiago, Carta,5..

Perdão de Quinta-Feira Santa!

__________________

N.B. Para melhor  justificação, remeto para os blogues de 1-3.Fev.23.

 

05-6.ABR.23

 Martins Júnior

 

segunda-feira, 3 de abril de 2023

O ASSASSINATO DE JESUS – UM PROCESSO A DUAS VELOCIDADES

                                                                             


           É  a ‘Ordem de Trabalhos’ exclusiva para esta semana: o Processo.

Logo vem-nos à memória Franz Kafka e o seu protagonista que acabou  condenado à morte, sem saber porquê, entre dois verdugos. Sem saber porquê!!! – eis a grande questão que deve colocar-se à tragédia ocorrida há dois mil anos.

         O caso, não sendo actual, mexe  com a actualidade, seja a nível sociológico, religioso, turístico-económico, mas acima de tudo em termos de análise histórica. Até porque importa separar as águas – águas turvas – em que se submerge um fenómeno, envolto como  está numa redoma híbrida, isto é, entre o sagrado e o profano, o místico e o sensorial, entre o religioso e o estritamente histórico.

         Na hermenêutica puramente sacro-bíblica, Jesus tinha o destino marcado, que se reconduz a esta tese: Deus Pai, ofendido pela desobediência de Adão e Eva, exigia a morte do próprio Filho, único preço com o qual sentir-se-ia desagravado e, daí, reabrir o caminho da salvação para todos os humanos. Portanto, toda a trama – digamos, processo – da literatura e da história judaicas, (profética, didáctica, simbólica) dirige-se inelutavelmente ao assassinato de Jesus. Uma questão nada consensual entre os teólogos, mas que tem sido dogmaticamente proclamada pela Igreja, há mais de dois séculos.

         Mas, seja qual a credibilidade da tese religiosa, há a factualidade processual: o Réu teria de ser julgado e condenado. o que pressupõe acusação, testemunhas, juiz e sentença transitada em julgado. O modo de aplicação da pena e toda a pressão (os lobbies) são peças importantes em todo o processo. E é neste contexto que deverá tentar-se a compreensão aproximada dos factos.

         Por mais voltas que se dêem em redor da vida e obra do  Nazareno, dois polos inamovíveis permanecem em todos os seus passos: por um lado, a defesa e a elevação dos oprimidos e deprimidos da sociedade e, por outro, a hostilidade das classes dominantes, com a notória atitude de afrontamento mútuo, sobretudo por parte dos pontífices máximos da Sinagoga, os Sumos-Sacerdotes Anás e Caifás, aos quais se juntavam fariseus, doutores da lei, escribas. Politicamente, advogava insistentemente o primado do Direito e da Justiça, mas não se envolvia directamente nas tentativas do derrube do colonialismo romano, lideradas por Juliano, chamado o ‘Apóstata’. O seu ideário ultrapassava as raias do imediato .controlo político, visava antes a raiz do pensamento, a mentalidade vigente, imposta pelos poderosíssimos ditadores do Templo de Jerusalém.  Quem seguir atentamente o relato evangélico verificará as constantes permutas de arremesso verbal entre Jesus e os emissários do Templo, com acusações de uma rudeza primária, quase tribal: “Tu és o diabo em pessoa”, diziam contra ele. E ele logo ripostava: “Vocês são uns hipócritas, sepulcros caiados de branco por fora, mas podres por dentro”.

         Durou três longos anos esta animosidade sem tréguas, exacerbando-se o ambiente com incisivas atitudes de Jesus, a cura do cego de Jericó, a ressurreição de Lázaro e a portentosa manifestação de Domingo de Ramos, interpretada pelas instâncias superiores como uma intentona-golpe de estado em marcha. Aí começou a operação fatal, estratégias clandestinas, espionagem de todos os passos e lugares frequentados, subornos selectivos, de que é paradigma pidesco o caso de Judas. Ciente do  peso da sua magistratura de influência  em toda a Judeia, o pontífice Caifás (imaginemos o patriarca moscovita Kirilos)  não terá descurado conversações diplomáticas com o poder político, representante do Império, sobre a situação da colónia alarmada com o perigo público chamado ‘profeta agitador da Galileia’.  

         Montado o plano, segue-se-lhe a execução meticulosa: pela calada da noite, os guardas do Templo procedem à prisão no preciso lugar onde o ´procurado’ costumava retirar-se, tudo com o ‘guia-cicerone’ Judas a identificar Jesus na escuridão nocturna. Para que não fosse acusado de imiscuir-se na área da jurisdição política, reservada a Pilatos e Herodes, o Sumo-Sacerdote Caifás chama-o ao tribunal religioso e condena-o. Entretanto, usando a mestria da hipocrisia religiosa, reconhece que não está nas suas mãos o objectivo mais ambicionado - a pena capital – e envia-o a Pilatos.

         A abertura do Pretório, o tribunal civil, durante a noite (para os historiadores considerada ilegal) dá início ao julgamento, que corre mal às pretensões do poder religioso, quando Pilatos conclui: “Não vejo nenhum crime neste homem. Pelo Código Penal Romano,  não posso condená-lo”. Estava preparada a acusação para contraditar o juiz de Roma. “Se não o condenas, vamos acusar-te que não és amigo  de César Imperador, pois esse homem fez campanha contra o pagamento de impostos a Roma”  Pilatos abdica das suas competências de julgador e entrega-as aos acusadores – “Julgai-o, vós” – mas esses devolvem-nas de imediato, alegando que não querem “as mãos manchadas de sangue”. Tremendamente apertão entre Jerusalém e Roma, Pilatos tenta a última cartada – “Que o povo escolha entre Jesus e Barrabás” – mas mal sabia ele que a máquina do Templo de Jerusalém já havia mobilizado as suas hostes entre os marginais, os vagabundos, os mercenários, os condenados que, na ocasião e para o efeito, foram premiados com a saída das cadeias. Por isso, o grito obedeceu às ordens superiores: “Solta Barrabás. Ao outro, mata-o na cruz”. O povo da noite do Pretório não foi o mesmo Povo da manhã de Domingo de Ramos.   -    

         Um ponto de ordem: Da análise acurada do Processo, não foi Pilados o autor do assassinato de Jesus, tal como não é imputada ao Juiz a absolvição/condenação do Arguido. No caso vertente, é de uma evidência inquestionável a trincheira de onde partu toda a acusação/condução deste maquiavélico Processo: o Templo de Jerusalém, sede oficial do poder teocrático da religião judaica, herdeira de Abraão, Moisés e David “Sacerdote, Profeta e Rei”.  Quem matou Jesus?...

         O Processo continua.

 

         03.Abr.23

         Martins Júnior