É
das mais elementares teses dos manuais de Retórica a arte, que o é ciência
também, de conjugar Eloquência e Projecção, quando o orador elege um
destinatário formal no discurso mas, nas entrelinhas, está subentendido o
interlocutor material, É a figura de estilo adequada ao género literário da
‘Fábula’, com a mestria cados famosos Esopo e La Fontaine. Mas nenhum outro
exemplar excedeu a eloquência do “Príncipe da Língua Portuguesa”, o Padre
António Vieira, naquela peça inimitável, conhecida por Sermão de Santo
António aos Peixes. Dirigiu-se aos peixes para falar aos homens. ,
Aliás – e respeitando a intimidade
fideísta de crentes e agnósticos – é esta a fórmula privilegiada de muitas e
diversificadas homilias e orações pias. Projecta-se no Além um somatório de
apelos e anseios, cujos destinatários estão no Aquém dos meridianos
planetários. Assim fazem os cristãos recorrendo ao seu Deus, os muçulmanos ao seu Alá, os budistas ao seu Guru.
Apreciei o talento maiêutico do Papa
Francisco, no seu Discurso Pascal. O
escopo teleológico das suas palavras consistia em convidar (diria,
estimular, forçar) os titulares de poderes públicos a reverem as suas políticas
em ordem à paz social, à realização plena do indivíduo e da comunidade global.
Por isso, da janela do Vaticano como que sintetizou as viagens que realizou
como peregrino e as que ainda estão por concretizar. Passou pela Ucrânia, rumou
a Cabo Delgado, em Moçambique, rumou ao Sudão, Nicarágua, China, Maynmar,
enfim, deu a volta ao mundo e viu-se na sua voz humilde e profunda o pedido, a
esmola, a angústia de quem implora a Paz, remetendo a sua mensagem a Deus
Soberano: Senhor Deus, olhai para… escutai os gemidos de… calai as armas
aqui, acolá, ainda mais longe…
Deus escutou-o, como a
Moisés no cativeiro do povo hebreu sob o jugo do faraó. Com uma diferença:
Ihaveh respondeu e ouviu-se a sua voz: Os gemidos do meu povo chegaram até
mim. Por isso, Moisés, vai tu e liberta-o, enfrenta o faraó. Na prece de
Francisco Papa não se ouviu a resposta do Senhor do Universo, mas ela aconteceu.
E não terá divergido do conteúdo essencial da que foi dada a Moisés: A Paz,
quem mais do que Eu, quer vê-la no mundo?!... Mas ela está nas vossas mãos,
nas
vossas leis, nos vossos acordos… Vai tu, Francisco, clama sem cessar, insiste,
suplica – o mesmo mandato que Paulo conferiu ao discípulo
Timóteo.
E
o Papa tem feito a sua parte, até chegou a pronunciar-se directamente sobre a
injustiçada sentença que condenara Lula e Dilma. Um arrojo, acho eu. Mas são
gestos destes que convencem e arrastam. Só que têm uma factura pesada, passada pelos
visados e até vinda de dentro da instituição –‘não fica bem ao Representante de
Cristo meter-se nessas coisas, não lhe compete’. No entanto, quem mais directo
e frontal que Jesus de Nazaré?... E pagou com a própria vida a sua
frontalidade!
Belíssima,
comovente a alocução do “Homem que veio do fim do mundo”. Mas, da sua acção,
ele está ciente de que a Oração, por mais eloquente, não basta. É preciso
chegar aos intervenientes, cair na real, dar passos mais corajosos, decisivos e
não acomodarmo-nos apenas a um bem-estar
interior, ainda que respaldado pela divindade.
Em
tempo de Páscoa, ressuscitar está nas nossas mãos. A cada dia morremos e a cada
hora ressuscitamos!
11.Abr.23
Martins
Júnior
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