terça-feira, 11 de abril de 2023

ELOQUÊNCIA E PROJECÇÃO – OLHAR O CÉU E FALAR À TERRA

 


É das mais elementares teses dos manuais de Retórica a arte, que o é   ciência também, de conjugar Eloquência e Projecção, quando o orador elege um destinatário formal no discurso mas, nas entrelinhas, está subentendido o interlocutor material, É a figura de estilo adequada ao género literário da ‘Fábula’, com a mestria cados famosos Esopo e La Fontaine. Mas nenhum outro exemplar excedeu a eloquência do “Príncipe da Língua Portuguesa”, o Padre António Vieira, naquela peça inimitável, conhecida por Sermão de Santo António aos Peixes. Dirigiu-se aos peixes para falar aos homens. ,

         Aliás – e respeitando a intimidade fideísta de crentes e agnósticos – é esta a fórmula privilegiada de muitas e diversificadas homilias e orações pias. Projecta-se no Além um somatório de apelos e anseios, cujos destinatários estão no Aquém dos meridianos planetários. Assim fazem os cristãos recorrendo ao seu  Deus, os muçulmanos ao seu  Alá, os budistas ao seu Guru.

         Apreciei o talento maiêutico do Papa Francisco, no seu Discurso Pascal. O  escopo teleológico das suas palavras consistia em convidar (diria, estimular, forçar) os titulares de poderes públicos a reverem as suas políticas em ordem à paz social, à realização plena do indivíduo e da comunidade global. Por isso, da janela do Vaticano como que sintetizou as viagens que realizou como peregrino e as que ainda estão por concretizar. Passou pela Ucrânia, rumou a Cabo Delgado, em Moçambique, rumou ao Sudão, Nicarágua, China, Maynmar, enfim, deu a volta ao mundo e viu-se na sua voz humilde e profunda o pedido, a esmola, a angústia de quem implora a Paz, remetendo a sua mensagem a Deus Soberano: Senhor Deus, olhai para… escutai os gemidos de… calai as armas aqui, acolá, ainda mais longe…

         Deus escutou-o, como a Moisés no cativeiro do povo hebreu sob o jugo do faraó. Com uma diferença: Ihaveh respondeu e ouviu-se a sua voz: Os gemidos do meu povo chegaram até mim. Por isso, Moisés, vai tu e liberta-o, enfrenta o faraó. Na prece de Francisco Papa não se ouviu a resposta do Senhor do Universo, mas ela aconteceu. E não terá divergido do conteúdo essencial da que foi dada a Moisés: A Paz, quem mais do que Eu, quer vê-la no mundo?!... Mas ela está nas vossas mãos,

nas vossas leis, nos vossos acordos… Vai tu, Francisco, clama sem cessar, insiste, suplica – o mesmo mandato que Paulo conferiu ao discípulo Timóteo.  

E o Papa tem feito a sua parte, até chegou a pronunciar-se directamente sobre a injustiçada sentença que condenara Lula e Dilma. Um arrojo, acho eu. Mas são gestos destes que convencem e arrastam. Só que têm uma factura pesada, passada pelos visados e até vinda de dentro da instituição –‘não fica bem ao Representante de Cristo meter-se nessas coisas, não lhe compete’. No entanto, quem mais directo e frontal que Jesus de Nazaré?... E pagou com a própria vida a sua frontalidade!

Belíssima, comovente a alocução do “Homem que veio do fim do mundo”. Mas, da sua acção, ele está ciente de que a Oração, por mais eloquente, não basta. É preciso chegar aos intervenientes, cair na real, dar passos mais corajosos, decisivos e não acomodarmo-nos apenas  a um bem-estar interior, ainda que respaldado pela divindade.

Em tempo de Páscoa, ressuscitar está nas nossas mãos. A cada dia morremos e a cada hora ressuscitamos!

 

11.Abr.23

Martins Júnior

 

 

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