segunda-feira, 3 de abril de 2023

O ASSASSINATO DE JESUS – UM PROCESSO A DUAS VELOCIDADES

                                                                             


           É  a ‘Ordem de Trabalhos’ exclusiva para esta semana: o Processo.

Logo vem-nos à memória Franz Kafka e o seu protagonista que acabou  condenado à morte, sem saber porquê, entre dois verdugos. Sem saber porquê!!! – eis a grande questão que deve colocar-se à tragédia ocorrida há dois mil anos.

         O caso, não sendo actual, mexe  com a actualidade, seja a nível sociológico, religioso, turístico-económico, mas acima de tudo em termos de análise histórica. Até porque importa separar as águas – águas turvas – em que se submerge um fenómeno, envolto como  está numa redoma híbrida, isto é, entre o sagrado e o profano, o místico e o sensorial, entre o religioso e o estritamente histórico.

         Na hermenêutica puramente sacro-bíblica, Jesus tinha o destino marcado, que se reconduz a esta tese: Deus Pai, ofendido pela desobediência de Adão e Eva, exigia a morte do próprio Filho, único preço com o qual sentir-se-ia desagravado e, daí, reabrir o caminho da salvação para todos os humanos. Portanto, toda a trama – digamos, processo – da literatura e da história judaicas, (profética, didáctica, simbólica) dirige-se inelutavelmente ao assassinato de Jesus. Uma questão nada consensual entre os teólogos, mas que tem sido dogmaticamente proclamada pela Igreja, há mais de dois séculos.

         Mas, seja qual a credibilidade da tese religiosa, há a factualidade processual: o Réu teria de ser julgado e condenado. o que pressupõe acusação, testemunhas, juiz e sentença transitada em julgado. O modo de aplicação da pena e toda a pressão (os lobbies) são peças importantes em todo o processo. E é neste contexto que deverá tentar-se a compreensão aproximada dos factos.

         Por mais voltas que se dêem em redor da vida e obra do  Nazareno, dois polos inamovíveis permanecem em todos os seus passos: por um lado, a defesa e a elevação dos oprimidos e deprimidos da sociedade e, por outro, a hostilidade das classes dominantes, com a notória atitude de afrontamento mútuo, sobretudo por parte dos pontífices máximos da Sinagoga, os Sumos-Sacerdotes Anás e Caifás, aos quais se juntavam fariseus, doutores da lei, escribas. Politicamente, advogava insistentemente o primado do Direito e da Justiça, mas não se envolvia directamente nas tentativas do derrube do colonialismo romano, lideradas por Juliano, chamado o ‘Apóstata’. O seu ideário ultrapassava as raias do imediato .controlo político, visava antes a raiz do pensamento, a mentalidade vigente, imposta pelos poderosíssimos ditadores do Templo de Jerusalém.  Quem seguir atentamente o relato evangélico verificará as constantes permutas de arremesso verbal entre Jesus e os emissários do Templo, com acusações de uma rudeza primária, quase tribal: “Tu és o diabo em pessoa”, diziam contra ele. E ele logo ripostava: “Vocês são uns hipócritas, sepulcros caiados de branco por fora, mas podres por dentro”.

         Durou três longos anos esta animosidade sem tréguas, exacerbando-se o ambiente com incisivas atitudes de Jesus, a cura do cego de Jericó, a ressurreição de Lázaro e a portentosa manifestação de Domingo de Ramos, interpretada pelas instâncias superiores como uma intentona-golpe de estado em marcha. Aí começou a operação fatal, estratégias clandestinas, espionagem de todos os passos e lugares frequentados, subornos selectivos, de que é paradigma pidesco o caso de Judas. Ciente do  peso da sua magistratura de influência  em toda a Judeia, o pontífice Caifás (imaginemos o patriarca moscovita Kirilos)  não terá descurado conversações diplomáticas com o poder político, representante do Império, sobre a situação da colónia alarmada com o perigo público chamado ‘profeta agitador da Galileia’.  

         Montado o plano, segue-se-lhe a execução meticulosa: pela calada da noite, os guardas do Templo procedem à prisão no preciso lugar onde o ´procurado’ costumava retirar-se, tudo com o ‘guia-cicerone’ Judas a identificar Jesus na escuridão nocturna. Para que não fosse acusado de imiscuir-se na área da jurisdição política, reservada a Pilatos e Herodes, o Sumo-Sacerdote Caifás chama-o ao tribunal religioso e condena-o. Entretanto, usando a mestria da hipocrisia religiosa, reconhece que não está nas suas mãos o objectivo mais ambicionado - a pena capital – e envia-o a Pilatos.

         A abertura do Pretório, o tribunal civil, durante a noite (para os historiadores considerada ilegal) dá início ao julgamento, que corre mal às pretensões do poder religioso, quando Pilatos conclui: “Não vejo nenhum crime neste homem. Pelo Código Penal Romano,  não posso condená-lo”. Estava preparada a acusação para contraditar o juiz de Roma. “Se não o condenas, vamos acusar-te que não és amigo  de César Imperador, pois esse homem fez campanha contra o pagamento de impostos a Roma”  Pilatos abdica das suas competências de julgador e entrega-as aos acusadores – “Julgai-o, vós” – mas esses devolvem-nas de imediato, alegando que não querem “as mãos manchadas de sangue”. Tremendamente apertão entre Jerusalém e Roma, Pilatos tenta a última cartada – “Que o povo escolha entre Jesus e Barrabás” – mas mal sabia ele que a máquina do Templo de Jerusalém já havia mobilizado as suas hostes entre os marginais, os vagabundos, os mercenários, os condenados que, na ocasião e para o efeito, foram premiados com a saída das cadeias. Por isso, o grito obedeceu às ordens superiores: “Solta Barrabás. Ao outro, mata-o na cruz”. O povo da noite do Pretório não foi o mesmo Povo da manhã de Domingo de Ramos.   -    

         Um ponto de ordem: Da análise acurada do Processo, não foi Pilados o autor do assassinato de Jesus, tal como não é imputada ao Juiz a absolvição/condenação do Arguido. No caso vertente, é de uma evidência inquestionável a trincheira de onde partu toda a acusação/condução deste maquiavélico Processo: o Templo de Jerusalém, sede oficial do poder teocrático da religião judaica, herdeira de Abraão, Moisés e David “Sacerdote, Profeta e Rei”.  Quem matou Jesus?...

         O Processo continua.

 

         03.Abr.23

         Martins Júnior

 

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