sábado, 1 de abril de 2023

EM JERUSALÉM – SÉCULO I : “O POVO É QUEM MAIS ORDENA” !!!

                                                                                  


Esta é a semana do Processo – na sua tramitação mais aguda e decisiva. Porque, analisados os factos, o Processo arrasta-se por meses, anos, décadas e, por extensão, atravessa séculos de história.

O “Processo de Jesus de Nazaré” conheceu a primeira tentativa de assassinato quando Herodes mandou matar “todas as crianças do país, de dois anos para baixo”, o que motivou a condição da família (pai, mãe e filho) como  refugiados em terras do Egipto. Mais tarde, a condenação como ‘agitador público que sublevava as multidões’ fazia do Nazareno um indivíduo a abater às mãos do “statu quo”  dominante, sobretudo das estruturas hierárquicas do Templo de Jerusalém.

         A tensão entre os Sumos-Sacerdotes, aliados aos fariseus, escribas e doutores da Lei contra o Líder natural dos judeus e palestinianos foi ganhando notoriedade indisfarçável e Ele pressentia as maquinações secretas dos seus inimigos figadais prestes a ‘caçá-lo’ na próxima emboscada.

Aí, o Mestre inverteu a sua estratégia pacifista e decidiu desafiar os poderes públicos e os magnatas que faziam tremer toda a cidade. Ele, que sempre recusara as repetidas pretensões populares de aclamá-lo Rei, Ele próprio decidiu medir forças com a ditadura vigente: mobiliza o pequeno círculo dos seus colaboradores directos          que, como rastilho fumegante, passam a mensagem aos subúrbios da cidade e às povoações, desde as vicinais às mais longínquas, até que no dia aprazado estava pronta a manifestação espontânea, avassaladora, frente aos arcos romanos talhados nas enormes muralhas circundantes. Ironia das ironias, o desarmado carpinteiro de Nazaré manda buscar, por empréstimo,   o ‘carro triunfal’ – um jumentinho, cria do mais deprimido animal de carga - que o transportaria ao centro de Jerusalém rodeado da multidão, qual escudo impenetrável à cavalaria imperial da colónia de Tibério César.

         Ei-lo que avança, sereno no semblante, mas fogoso no seu íntimo, olhando em volta as estreitas ruas comerciais, de portas fechadas, precatadas de eventuais distúrbios pelo aperto dos eufóricos transeuntes. Aproximando-se da zona nobre, dos palácios, do Templo de Salomão, onde se tinham ‘refugiado’ os poderosos, ouviu de longe o recado dos emissários de Anás e Caifás, protestando contra a profanação da Cidade Santa: “Manda calar essa gente, que vergonha,  não estragues o legado do nosso Pai Abraão, do nosso Rei David”. Jesus fixou-os e, com um tom severo de uma voz agressiva e segura: “Se os mandarem calar, levantar-se-ão  as próprias pedras da calçada e clamarão ainda mais alto, Bendito o que vem em nome do Senhor.” (Lucas, 19, 28 sgs.).  

         Permitam-me este respiro d’alma: estou convencido que as sucessivas encadernações pias, revestidas de uma religiosidade suplementar envolvente, retiram a visibilidade histórica, pura e dura – direi pura, autêntica e digna de registo – que os textos bíblicos transmitem. Daí, considero o Domingo de Ramos um marco indiscutível da força colectiva do Povo, a afirmação da personalidade decisiva das massas populares, quando motivadas por ideais de Justiça e de Verdade. O episódio de Domingo de Ramos, sancionado, mais precisamente provocado, pelo “Doce Nazareno”,  atesta sem sombra de dúvida  a soberania efectiva da Nação versus dominação do Estado, em termos eclesiais diríamos hoje o poder da sinodalidade na Igreja versus primado da instituição hierárquica, sobretudo se tivermos em linha de conta o momento crítico da segurança física do próprio Jesus, indefeso perante a prepotência judaico-romana, mas confiante no apoio da multidão que sempre o acompanhara.

         A frescura primaveril daquela manhã inundou corpos e almas, numa demonstração desinibida dos gestos incontidos em lançar mão daquilo que os seus campos produziam, ramos de palmeira, oliveira, porventura alecrim e alfazema, enfim, a mensagem verde dos arbustos que exalavam o perfume de uma liberdade até então reprimida, expressão de cidadania plena outorgada em palavras e obras do seu Líder. Tão diferente dos cortejos enfáticos, das roupagens vistosas, da paramentaria ouro-escarlate, dos graciosos palmitos engrinaldados como tranças louras ao ombro dos pontífices máximos e mínimos!

         Ao Jesus histórico não chegam nem comovem os cortejos artificiais, porque deles não precisa. O que importa é erguer escudos firmes em defesa dos libertadores da humanidade, impedindo que os ditadores estendam as garras peçonhentas, insensíveis, contra os que habitam as valetas da estrada e aí continuam a lutar pelo direito à vida e ao progresso do planeta.

         Ao lado do Vencedor do Domingo de Ramos, podemos repetir com todo o seu apoio: “O Povo é quem mais ordena”!

O Processo continua.

 

31.Mar-01,Abr.23

Martins Júnior.   ---

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