Esta é a semana do Processo – na sua tramitação mais
aguda e decisiva. Porque, analisados os factos, o Processo arrasta-se por
meses, anos, décadas e, por extensão, atravessa séculos de história.
O “Processo de Jesus de Nazaré” conheceu a primeira
tentativa de assassinato quando Herodes mandou matar “todas as crianças do
país, de dois anos para baixo”, o que motivou a condição da família (pai, mãe e
filho) como refugiados em terras do
Egipto. Mais tarde, a condenação como ‘agitador público que sublevava as
multidões’ fazia do Nazareno um indivíduo a abater às mãos do “statu quo” dominante, sobretudo das estruturas hierárquicas
do Templo de Jerusalém.
A
tensão entre os Sumos-Sacerdotes, aliados aos fariseus, escribas e doutores da
Lei contra o Líder natural dos judeus e palestinianos foi ganhando notoriedade indisfarçável
e Ele pressentia as maquinações secretas dos seus inimigos figadais prestes a ‘caçá-lo’
na próxima emboscada.
Aí, o Mestre inverteu a sua estratégia pacifista e
decidiu desafiar os poderes públicos e os magnatas que faziam tremer toda a
cidade. Ele, que sempre recusara as repetidas pretensões populares de aclamá-lo
Rei, Ele próprio decidiu medir forças com a ditadura vigente: mobiliza o
pequeno círculo dos seus colaboradores directos que, como rastilho fumegante, passam a mensagem aos
subúrbios da cidade e às povoações, desde as vicinais às mais longínquas, até
que no dia aprazado estava pronta a manifestação espontânea, avassaladora, frente
aos arcos romanos talhados nas enormes muralhas circundantes. Ironia das
ironias, o desarmado carpinteiro de Nazaré manda buscar, por empréstimo, o ‘carro
triunfal’ – um jumentinho, cria do mais deprimido animal de carga - que o
transportaria ao centro de Jerusalém rodeado da multidão, qual escudo
impenetrável à cavalaria imperial da colónia de Tibério César.
Ei-lo
que avança, sereno no semblante, mas fogoso no seu íntimo, olhando em volta as
estreitas ruas comerciais, de portas fechadas, precatadas de eventuais distúrbios
pelo aperto dos eufóricos transeuntes. Aproximando-se da zona nobre, dos
palácios, do Templo de Salomão, onde se tinham ‘refugiado’ os poderosos, ouviu de
longe o recado dos emissários de Anás e Caifás, protestando contra a profanação
da Cidade Santa: “Manda calar essa gente, que vergonha, não estragues o legado do nosso Pai Abraão, do
nosso Rei David”. Jesus fixou-os e, com um tom severo de uma voz agressiva e
segura: “Se os mandarem calar, levantar-se-ão as próprias pedras da calçada e clamarão ainda
mais alto, Bendito o que vem em nome do Senhor.” (Lucas, 19, 28 sgs.).
Permitam-me este respiro d’alma: estou
convencido que as sucessivas encadernações pias, revestidas de uma
religiosidade suplementar envolvente, retiram a visibilidade histórica, pura e
dura – direi pura, autêntica e digna de registo – que os textos bíblicos
transmitem. Daí, considero o Domingo de Ramos um marco indiscutível da força colectiva
do Povo, a afirmação da personalidade decisiva das massas populares, quando
motivadas por ideais de Justiça e de Verdade. O episódio de Domingo de Ramos,
sancionado, mais precisamente provocado, pelo “Doce Nazareno”, atesta sem sombra de dúvida a soberania efectiva da Nação versus dominação
do Estado, em termos eclesiais diríamos hoje o poder da sinodalidade na Igreja versus
primado da instituição hierárquica, sobretudo se tivermos em linha de conta
o momento crítico da segurança física do próprio Jesus, indefeso perante a
prepotência judaico-romana, mas confiante no apoio da multidão que sempre o
acompanhara.
A
frescura primaveril daquela manhã inundou corpos e almas, numa demonstração desinibida
dos gestos incontidos em lançar mão daquilo que os seus campos produziam, ramos
de palmeira, oliveira, porventura alecrim e alfazema, enfim, a mensagem verde
dos arbustos que exalavam o perfume de uma liberdade até então reprimida,
expressão de cidadania plena outorgada em palavras e obras do seu Líder. Tão
diferente dos cortejos enfáticos, das roupagens vistosas, da paramentaria ouro-escarlate,
dos graciosos palmitos engrinaldados como tranças louras ao ombro dos
pontífices máximos e mínimos!
Ao
Jesus histórico não chegam nem comovem os cortejos artificiais, porque deles
não precisa. O que importa é erguer escudos firmes em defesa dos libertadores
da humanidade, impedindo que os ditadores estendam as garras peçonhentas,
insensíveis, contra os que habitam as valetas da estrada e aí continuam a lutar
pelo direito à vida e ao progresso do planeta.
Ao
lado do Vencedor do Domingo de Ramos, podemos repetir com todo o seu apoio: “O
Povo é quem mais ordena”!
O Processo continua.
31.Mar-01,Abr.23
Martins Júnior. ---
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