Está
tudo consumado. Morto e sepulto. Até que enfim – espumaram eles!
O Processo chegou ao termo – uma meta
que não se revia apenas na subversão de todos os normativos da legislação
romana, nem mesmo no assassinato da vítima: era preciso mais – expô-la em hasta
pública para que a repressão e o medo afogassem os ânimos daquele povo
revoltado, mas impotente, perante o crime perpetrado contra o seu Líder e
Mestre.
Assim proclamaram eles, Anás e o genro
Caifás. Os pontífices máximos manipularam bandos marginais, forçaram o
procurador Pôncio Pilatos, urdiram como matéria de acusação afirmações
descontextualizadas (a questão dos impostos, o incitamento à rebelião, a
destruição do Templo). Objectivo estratégico infalível era o enxovalho público
do condenado, fazê-lo passar, vaiado e massacrado, pelas mesmas ruas em que
antes fora aclamado, entusiasticamente aplaudido e amado. Neste furor visceral,
estava o plano último: erguê-lo acima do solo, na colina sobranceira à cidade,
para que ficasse visível, emblemático, aterrador. Para isso, deveria chegar lá
acima, ainda com vida E por isso, intimaram um pobre trabalhador, Simão
Cireneu, que casualmente ali passava, obrigando-o a transportar o patíbulo, o
madeiro, afim de que o condenado não morresse no percurso.
Digno
de registo, para memória de todos os tempos, foi o apoio das mulheres de
Jerusalém ao mártir indefeso, notoriamente a sua Mãe e a Verónica, que
afrontaram sem medo a barreira dos militares encarregados da execução final.
Vale
a pena reler o texto de L ucas, capítulo 23.
É
nestes dois dias que não consigo varrer da retina aquela visão tétrica do
nativo indígena dependurado no alto da árvore centenária à beira da picada. De
visita à Companhia operacional, vim a saber que se tratou de um homem
desarmado, apanhado pela nossa tropa, ao qual, diante de toda a Companhia em
parada, deceparam as duas orelhas e fuzilaram-no depois, suspendendo-o naquela
que me pareceu ver a cruz do Calvário e o corpo do moçambicano afigurou-se-me
um Cristo Negro em Cabo Delgado. Ali ficou patente como mostrengo aterrador aos
olhos daquela pobre gente que vivia amedrontada no meio da mata. Como fizeram
os magnatas de Jerusalém ao povo hebreu.
Quisera
eu habitar estes dois dias longe do povoado, evadir-me para algum incerto horto
das oliveiras ou para a mais alta serrania e aí jogar ao vento forte a
reminiscência de há mais de cinquenta anos em terras coloniais.
Detenho-me
no Gólgota. Vejo que retiraram da Cruz o corpo morto do Jovem Libertador Jesus.
E penso que outro lenitivo ele não deseja nem espera senão que o façam descer
do lugar do tormento e da ignomínia.
E
bate-me outra vez ao subconsciente: aquele africano anónimo que não teve quem o
retirasse da velha árvore. E que o fizesse voltar à vida. E é isso que Jesus de
Nazaré mais deseja: que não se pregue mais ninguém ao madeiro infame. E se tal
acontecer, que o façamos descer depressa, que o libertemos doo cepo amargo da tristeza,
da depressão.
“Por
mim ninguém chore” – foi a sua resposta
às mulheres de Jerusalém que choravam à sua passagem. Ele quer vida e acção!
Seja a noite de Sexta-Feira a alvorada
de Domingo de Páscoa.
07-08.23
Martins Júnior
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