quinta-feira, 14 de março de 2024

NOITES DO VOTO – NOITES DO PARTO E UMA ESTRANHA TRÍADE: PAI, PARTEIRO E PADRINHO !!!

                                                                        


    Prolongo no plural a noite de 10 para 11 de Março, porque de tantas horas e sobressaltos, euforias, desânimos, expectativas abortivas, pulsações batidas como o fragor escondido das derrocadas longínquas, de tudo isso se encheu e estendeu o mapa luso, desde o vasto oceano até à mais serrana província deste país.

            Tornou-se o pequeno ecrã um enorme bloco de partos. E um povo todo em redor, ansioso  à espera de saber “quem será o pai da criança”. E foram três os putativos progenitores a agarrar a alcova do poder. Houve aplausos, lágrimas, juras de amor em fúria!

            É da praxe nas tribos remotas ‘festejar’ o nascimento com toadas de pranto à beira do novo inquilino do lar. Não assim na fumaça da noite eleitoral. Mas por entre os esgares apoteóticos da vitória, era indisfarçável  nos olhos e no tom verbalizado dos vencedores a insegurança  latente perante o futuro. Como um pesadelo após um sono de noivado, viu - e estremeceu!!! - o ‘herói’ multidões açodadas batendo à sua porta, um batalhão de polícias (os tais que tanto lhe agradaram na campanha), os estetoscópios dos médicos e as seringas dos enfermeiros misturadas com o roncar dos tractores agrícolas, as pandeiretas e os pendões dos professores, acompanhados dos pupilos, mais as togas dos assessores judiciais, os guardas prisionais, as mulheres, os sem-abrigo, as brigadas do reumático (de muletas, ambulância ou de tuktuk) enfim, uma visão dantesca que antes o deliciava e agora o apavora e fá-lo chegar ao pranto e ao pânico das antigas tribos: “Em que é que eu me meti!”. E em vez da  mão espadeirada em flecha contra os adversários  na campanha eleitoral, agora está de mão estendida pedindo-lhes a esmola da “responsabilidade patriótica”.

Se, por um lado, sente-se confortado com o excedente financeiro de seis mil milhões em caixa  para acudir aos famintos de dinheiro vivo, fustiga-o o vaticínio das pitonisas da nossa praça (analistas, comentadores, colunistas, treinadores de bancada) que apontam para  um reinado efémero, a curto e médio   prazo, com palavra dada e desonrada, acordos e desacordos e também cordas roídas, a começar dentro do próprio conúbio de um atribulado ménage à trois e, tudo somado, um país instável, movediço,  nada confiável ao investimento estrangeiro.      

            E aqui é que entra uma madrinha sexagenária e fleumática consorciada constitucionalmente com um padrinho visceralmente hiperactivo, o qual ‘obrigou’ mais de dez milhões de eleitores a uma corrida extemporânea às urnas e foi abrindo pistas (ele próprio afilhado de Marcelo Caetano) em direcção ao pódio de São Bento, em cujo trilho corria também  o afilhado partidário. Qual astuto imperador no Coliseu pagão de Roma, assim também durante duas semanas divertiu-se ‘à brava’ desde as ameias do cristianíssimo castelo de Belém, contemplando os novos ‘gladiadores’  das arenas públicas em duelos vocais, rodadas e arruadas, folclore made in Trump american e a que não faltou uma saloia simulação do assalto ao Capitólio lisboeta.

E pronto! Conseguiu o que trazia entranhado ao peito, desde há muitos anos: pai, parteiro e padrinho nesta sala de partos, cuja hiperactividade congénita fez questão de  demonstrar, numa vertigem indomável de entronizar em primeiro-ministro o afilhado de partido, mesmo antes da assembleia de apuramento geral das eleições, em contravenção com os normativos constitucionais.

Chegámos a isto, 50 anos pós-25 de Abril! Quem na véspera da data eleitoral invadiu o ‘tempo de reflexão’ falando em estabilidade e governabilidade revelou-se o maior factor de desestabilização nacional. Aguardemos episódios futuros desta tragicomédia a-céu-aberto!

 

11-13.Mar.24

Martins Júnior