Prolongo no plural a noite de 10 para
11 de Março, porque de tantas horas e sobressaltos, euforias, desânimos,
expectativas abortivas, pulsações batidas como o fragor escondido das derrocadas
longínquas, de tudo isso se encheu e estendeu o mapa luso, desde o vasto oceano
até à mais serrana província deste país.
Tornou-se
o pequeno ecrã um enorme bloco de partos. E um povo todo em redor, ansioso à espera de saber “quem será o pai da criança”.
E foram três os putativos progenitores a agarrar a alcova do poder. Houve
aplausos, lágrimas, juras de amor em fúria!
É
da praxe nas tribos remotas ‘festejar’ o nascimento com toadas de pranto à
beira do novo inquilino do lar. Não assim na fumaça da noite eleitoral. Mas por
entre os esgares apoteóticos da vitória, era indisfarçável nos olhos e no tom verbalizado dos vencedores
a insegurança latente perante o futuro. Como
um pesadelo após um sono de noivado, viu - e estremeceu!!! - o ‘herói’ multidões
açodadas batendo à sua porta, um batalhão de polícias (os tais que tanto lhe
agradaram na campanha), os estetoscópios dos médicos e as seringas dos
enfermeiros misturadas com o roncar dos tractores agrícolas, as pandeiretas e
os pendões dos professores, acompanhados dos pupilos, mais as togas dos assessores
judiciais, os guardas prisionais, as mulheres, os sem-abrigo, as brigadas do
reumático (de muletas, ambulância ou de tuktuk) enfim, uma visão dantesca que
antes o deliciava e agora o apavora e fá-lo chegar ao pranto e ao pânico das
antigas tribos: “Em que é que eu me meti!”. E em vez da mão espadeirada em flecha contra os
adversários na campanha eleitoral, agora
está de mão estendida pedindo-lhes a esmola da “responsabilidade patriótica”.
Se, por um lado, sente-se
confortado com o excedente financeiro de seis mil milhões em caixa para acudir aos famintos de dinheiro vivo,
fustiga-o o vaticínio das pitonisas da nossa praça (analistas, comentadores, colunistas,
treinadores de bancada) que apontam para um reinado efémero, a curto e médio prazo, com
palavra dada e desonrada, acordos e desacordos e também cordas roídas, a
começar dentro do próprio conúbio de um atribulado ménage à trois e, tudo
somado, um país instável, movediço, nada
confiável ao investimento estrangeiro.
E
aqui é que entra uma madrinha sexagenária e fleumática consorciada
constitucionalmente com um padrinho visceralmente hiperactivo, o qual ‘obrigou’
mais de dez milhões de eleitores a uma corrida extemporânea às urnas e foi
abrindo pistas (ele próprio afilhado de Marcelo Caetano) em direcção ao pódio
de São Bento, em cujo trilho corria também o afilhado partidário. Qual astuto imperador no
Coliseu pagão de Roma, assim também durante duas semanas divertiu-se ‘à brava’ desde
as ameias do cristianíssimo castelo de Belém, contemplando os novos ‘gladiadores’
das arenas públicas em duelos vocais,
rodadas e arruadas, folclore made in Trump american e a que não faltou
uma saloia simulação do assalto ao Capitólio lisboeta.
E pronto! Conseguiu o que
trazia entranhado ao peito, desde há muitos anos: pai, parteiro e padrinho
nesta sala de partos, cuja hiperactividade congénita fez questão de demonstrar, numa vertigem indomável de entronizar
em primeiro-ministro o afilhado de partido, mesmo antes da assembleia de
apuramento geral das eleições, em contravenção com os normativos constitucionais.
Chegámos a isto, 50 anos
pós-25 de Abril! Quem na véspera da data eleitoral invadiu o ‘tempo de reflexão’
falando em estabilidade e governabilidade revelou-se o maior factor de
desestabilização nacional. Aguardemos episódios futuros desta tragicomédia a-céu-aberto!
11-13.Mar.24
Martins Júnior
Sem comentários:
Enviar um comentário