domingo, 12 de novembro de 2023

CENAS DO CONTÁGIO GLOBAL: DO GENOCÍDIO AO INFANTICÍDIO, DO SUICÍDIO AO ‘SACROCÍDIO’

                                                                                           


Quem nos acode e para onde iremos?...

          Voltámos aos violentos cataclismos dos inícios do planeta, à ebulição transversal que percorreu a vastidão dos elementos até à sua estabilização geográfica. A grande dúvida – para não dizer inevitável depressão – é prognosticar se nos tempos actuais haverá luz ao fundo deste  túnel catastrófico que mina os subterrâneos da humanidade. Pela amostra que de muito longe nos vem, somos obrigados a contrariar a perspectiva de Rutcher Bregman  que titulou o seu livro de forma super-auspiciosa: A Humanidade – uma História de Esperança.

          Reproduzir aqui os terrores do Hamas e, mais terrífico, o genocídio de Israel contra palestinianos é abalar a saúde mental do cidadão comum, que no recôndito do seu lar, vê destruído de recursos o hospital Al-Shifa, a morte de mais de um milhar de crianças e os pés doridos de tantas outras, forçadas a abandonar a pátria que lhes deu a vida. Além do infanticídio cruel, que monstruoso retorno ao tempo das catacumbas romanas sob o pesadelo do império, com os mais de 500 Kilómetros de túneis sob a histórica cidade de Gaza?!

          Noutras latitudes (aqui tão perto!) e por motivos diversos, os embates sócio-

-políticos agitam as estruturas do regime produzem a auto-destruição das melhores expectativas de um povo que confiou aos seus eleitos a paz, a confiança o sucesso do seu país. As frustrações de uns e as ambições leoninas de outros culminam no suicídio da maioria, senão mesmo na periculosidade do regime.

          A mesma onda de perturbações imprevisíveis, talvez enigmáticas, atingiu as marés vocacionadas para a paz e concórdia locais e universais. Trata-se de um reino onde actualmente não pretendo imiscuir-me, mas que indicia que algo vai mal nesta ‘Jerusalém diocesana’ sediada na Madeira, provocando pública acrimónia ao xadrez eclesiástico da Ilha, numa antecipação (à falta de melhor definição) de  um maldisfarçado ‘sacrocídio’ local.

          É o contágio global em marcha.

          Para obviar à sua indesejável progressão, recorro ao LIVRO que preencheu todo este fim-de-semana, a começar pela Sabedoria “que é luminosa e o seu brilho inalterável; deixa-se ver facilmente àqueles que a amam e faz-se encontrar aos que a procuram”. ( Livro da Sabedoria, 6, 12-16). “Àqueles” são os líderes, os governantes, os pastores. E para esses, directamente, acrescenta-lhes o LIVRO  a “Vigilância” serena, preventiva, dinâmica, como na parábola de Mateus,25, 1-13.

          Sabedoria e Vigilância – os dois mais eficazes antídotos contra a pandemia contagiosa do poder totalitário e da sinuosa corrupção que perfuram estados, regiões e religiões.

 

          9-11.Nov.23

          Martins Júnior   

quarta-feira, 8 de novembro de 2023

VOTOS DESIGUAIS E CONVERGENTES DO 7 DE NOVEMBRO: 1989-2023

                                                                     


“Estás aí no meio de reinos e nações para derrubares e arrancares,  para construíres e plantares”  (Jeremias,1-10)

 

De que estranho húmus saíram

aqueles braços miúdos

e que longínqua galáxia deixou cair

em dois olhos por abrir

a força de derrubar o bronze das muralhas ?   

 Uma criança nascia

E longe muito longe o Grande Muro caía

 

Dos escombros  outras pedras se ergueram

outros calhaus acesos

 

falantes foram os calhaus

porque falavam de ti

cantantes foram as pedras

Porque cantavam para ti

o  Verbo da Verdade

a Canção da Liberdade

  

Trezentos e sessenta turnos deu

O trintário signo lunar

Mais quatro  vezes o sol se pôs

E outro reino tombou na mesma hora

 

Daqueles olhos de outrora

Jorram mil Fontes

E mil vezes mil sonhos

De azulados horizontes

Lúcidas braçadas de cravos

 Nos intocáveis areais do futuro

               ***

Arrancar -  plantando…

Derrubar - construindo…

 

        Em Vila Nova de Mil Fontes

          07.Nov.23

Martins Júnior

segunda-feira, 6 de novembro de 2023

NOBRE LIÇÃO DE DUPLO BRILHO !

                                                                             


Não passando de um episódico apontamento de crónica quotidiana, ultrapassa-a, porém, a muitas léguas e ascende à tribuna áurea dos valorosos da história o momento que pretendo transplantar para este parque público dos bloguistas senso-consensuais.

O ‘caso’ passou-se anteontem na Assembleia da República, auditório Doutor Almeida Santos. Por iniciativa original do Município da Sertã, foi apresentada a nova edição do livro “REPENSAR PORTUGAL”, da autoria do pensador e mestre de várias gerações, Padre Manuel Antunes, com vasta obra publicada, antes e após  “25 de Abril de 1974”.

A mesma clarividência, o mesmo vigor crítico de antes e depois da Revolução dos Cravos, a mesma audácia interpretativa dos fenómenos-sinais dos tempos em Portugal e no mundo – todo esse  invulgar acervo de cultura, pensamento e acção foi brilhante e calorosamente evocado pelo distinto elenco de oradores, todos estreitamente relacionados com o Padre Manuel Antunes. Foi um prazer de eleição ouvir a mensagem de Guilherme d’Oliveira Martins e a alocução do nosso conterrâneo José Eduardo Franco, autores do Estudo Introdutório.  A título exemplar, deixo aqui um breve excerto da obra publicada em 1979, página eloquente de análise e, ao mesmo tempo, de exigência patriótica:  

Dentro da vocação geral de todos os povos à universalidade, o Povo português constitui uma grande, uma clamorosa excepção.  Basta ouvir homens oriundos de países por onde o Povo português escassamente passou: o Japão, a Indónesia, a Malásia, para só falar dos mais longínquos.

É esse sentido da universalidade que o Povo português necessita alargar e aprofundar, transpondo-o parcialmente a outro registo, agora que “o império” acabou, agora que, territorialmente, ficámos muito mais reduzidos, agora que, culturalmente, podemos reflectir melhor naquilo que fomos e naquilo que somos.

Um país, na verdade, culto poderá ser nobre mas nunca miserável. Um país, na verdade, culto e com cerca de um milénio de história vivida atrás de si – e que história! – só demitindo-se por completo e por completo desistindo de existir como um animal esgotado que se deita para morrer é que deixará de contar no concerto dos povos. Antes, não.

Mais do que uma reforma – mais uma! – mais do que uma revolução – mais uma! – aquilo de que o País tem maior carência e maior necessidade é de uma renascença!

………………………………………………….

Uma palavra de apreço ao Município da Sertã. Além do inesperado e amistoso encontro com um antigo autarca-presidente (fôramos colegas nas lides dos congressos da Associação Nacional dos Municípios Portugueses) notabilizou-se o actual responsável, Carlos Miranda, com um discurso proclamatório, a que adicionou a recente deliberação da Câmara Municipal: Enviar um exemplar do REPENSAR PORTUGAL  a todos os presidentes de Câmara de Portugal e a todos os nossos governantes!

A decisão – original e corajosa – brilha como dois potentes luminares. Primeiro, porque presta homenagem a um dos filhos ilustres da  terra natal, já falecido, gesto cívico-cultural que nem sempre abunda em meios pequenos e quase sempre com indisfarçáveis interesses partidários. Segundo, porque cumpre integralmente o desiderato do subtítulo da obra: Um manual de mesa de cabeceira para políticos.

Oxalá o REPENSAR PORTUGAL volte, aqui e agora, a realizar o sonho do poeta, o de CUMPRIR PORTUGAL!!! – a almejada “Renascença” de Manuel Antunes.

 

05.Nov,23

Martins Júnior                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                  

sábado, 4 de novembro de 2023

CARLOS BORROMEO, CARDEAL AOS 19-20 ANOS: PERIPÉCIAS DO CARDINALATO E O CARTÃO DE ELEITOR

                                                                           


        Começo no ímpar dia 3, para terminar propositadamente no dia 4. Porque este 4 de Novembro de cada ano sempre me abriu a porta de muitas reticências, muitas incógnitas sobre a hermética estruturação da instituição Igreja, a partir de uma das suas superiores instâncias:  o Cardinalato.

          E porquê o 4 de Novembro?... Porque em todo o orbe católico comemora-se

o dia das exéquias solenes de Carlos Borromeo,  de nobres famílias romanas, elevado à categoria cardinalícia em 31 de Janeiro de 1560 pelo Papa Pio IV, seu tio.

          Reconheço que, em tempo de guerras, como o que vivemos actualmente, não seja este o mais apetecido ingrediente de leitura, mas o que se vê é imiscuir abusivamente as religiões, chamando-as para um terreno que, embora não sendo o seu, acaba por sê-lo.

          Que nos traz, então, de esclarecedor Carlos Borromeo acerca de um dos mais imponentes pilares constituintes da Igreja Institucional, o Cardinalato?

          Em primeiro lugar, é que não se requer idade especial para ascender a tão alto grau da hierarquia eclesiástica.  Ele teria entre 19 (segundo alguns historiadores, teria 18) e os 20 ou 22 anos. Segundo, não se lhe exige nenhuma ordenação nem exercício sacerdotal: ele só foi ordenado padre em 1563, três anos depois de ser cardeal. Terceiro, a nomeação é um acto puramente discricionário, dependente da exclusiva vontade e simpatia do Papa. Ele era sobrinho do Papa Pio IV, que o fez cardeal. Casos destes abundam na história da Igreja, entre os quais, o de Paulo III  (Papa de 1534 a 1549) que nomeou cardeais três netos seus, sendo um deles o mais notório Ranuccio Famese, com apenas 15 anos de idade, cardeal em 16 de Dezembro de 1545.

                                                                    


          Desde as suas origens que se perdem no tempo, são de uma  ambiguidade as atribuições outorgadas aos cardeais, desde colaboradores do Soberano Pontífice às de administradores das sete principais igrejas de Roma, mas o que mais ressalta desse estatuto canónico é a duplicidade funcional, assente na prerrogativa de ostentarem o título de “Príncipes da Igreja” e, a partir daí, toda a nobreza de Itália, sobretudo a romana, aspirar ao cardinalato como trampolim para alcançar o Trono de Roma, o Papado. Lutas sangrentas em pleno território do Vaticano envolveram famílias rivais, destacando-se os Colonna e os Orsini, cujos vestígios duraram mais de 900 anos. De onde se conclui que o figurino cardinalício radica historicamente na incestuosa ‘união de facto’ entre o menos religioso e o mais político. Lembremo-nos, por todos, os casos do Cardeal Richelieu, Primeiro Ministro de Luís XIII, em França, a que se seguiu o Cardeal Mazzarini.

          O Papa Francisco bem se tem empenhado em apagar esse rasto deprimente de um passado ainda renitente à mudança, recrutando candidatos em todos os continentes, ciente que está desta verdade, habilmente escondida aos cristãos: o Cardinalato não é um sacramento, nem sequer considerado um sacramental. É apenas e tão-só a oferta do Cartão de Eleitor para votar na escolha do futuro Papa. Mais nada. Daí, a escandalosa animosidade dos velhos cardeais, a quem o Papa Francisco não hesita em defini-los como os “corvos do Vaticano”, tantas as dores de cabeça lhe têm provocado na renovação da Igreja ao encontro das fontes, o Evangelho.

          Imagino o cansaço mental e o fastio psicológico do desinibido Jorge Bergoglio naquele ritual anti-evangélico (e não menos falacioso) de entregar ao nomeado cardeal vestes da mais fina púrpura, um anel de ouro, um barrete tricónio, a mitra, o brasão e um colar, à mistura com bênçãos, água-benta e incenso – quando tudo isso seria dispensável se apenas dissesse: “Toma lá o cartão de eleitor, se tens menos de 80 anos. E vê lá em quem vais votar, no dia do conclave”.

          Porque é para isto que são feitos os cardeais, se não ultrapassarem os 80 anos de idade. O resto é paisagem mundana ou, permita-me o nosso épico, “nomes com que se o vulgo néscio engana”.

          Agradeço a São Carlos Borromeo (na efígie) a profunda e nem sempre entendida mensagem do seu dia, 4 de Novembro!

 

          03-04.Nov-23

          Martins Júnior

quinta-feira, 2 de novembro de 2023

VIDA E MORTE DE ISRAEL – DA BÊNÇÃO À MALDIÇÃO

                                                                            


        Dois hemisférios e dois mundos – 1 e 2 de Novembro – nos antípodas um do outro, tão perto e tão distantes!      Como tão longe ficam uma da outra a glória e a abjecção, a bênção e a maldição, a vida e a morte!

          1 de Novembro: a Vida no epicentro da história, Igreja Triunfante (como lhe canta o ritual litúrgico) chamemos-lhe o “Dia dos Óscares” para os gloriosos Felizes Bem-Aventurados!

          2 de Novembro: a Morte como epílogo, a meta que não foi cortada, mas imposta e, nalguns casos, auto-imposta. E se, para uns, muito poucos, é a coroa de louro na fronte dos atletas vencedores (“Aqueles que da lei da morte se vão libertando”) para outros, os governantes ditadores e os países que administram, significa a abjecção, o suicídio, a maldição.

          Coube-me, neste ano de 2023, contemplar o extenso mural da história e nele ver desfilar, como protagonista impressivo, um nome incontornável – mapeado de exaltação sagrada, sangue derramado, dominação e escravidão – um nome, um povo e uma nação que incarnam toda a semântica do 1 e 2 de Novembro

Epopeia trágica em dois Actos!

          No Antigo Testamento, Israel, povo escolhido, Povo de Deus. Israel, morada única de Iahveh-Jeovah, cujo representante ostentava a tripla tiara de Sacerdote, Profeta e Rei! Israel, regime intocável, porque teocrático, poderoso por ter como Comandante Supremo o “Senhor Deus dos Exércitos”, amado e temido, umas vezes misericordioso, outras vingativo, mas sempre, sempre respeitado e adorado. Enfim, a Glória de Israel!

          Volvidos milénios sobre milénios de errância nómada por todo o planeta, outorgaram-lhe, a Israel, uma nacionalidade, um Estado Soberano, desde 1948, sob compromisso de respeitar os territórios dos palestinianos, o que nunca cumpriu. Pelo contrário, com o alargamento dos colunatos, os habitantes da Palestina viram-se sitiados, presos e vigiados na sua própria terra, durante 75 anos, um sufoco que explodiu no bárbaro assalto do Hamas  – ouçam bem os fanáticos defensores de Israel a opinião de quem escreve estas linhas! – bárbaro assalto, a todos os níveis condenável, contra inocentes israelitas indefesos.

          Foi então que a ‘sacrossanta’ Israel galgou a onda e descarregou a mais cega violência contra indefesos palestinianos inocentes. Ao contrário dos antepassados hebreus, cujo êxodo partiu da escravatura para a liberdade da pátria amada, hoje os israelitas seus descendentes expulsam os palestinianos para a mais execranda escravidão e para  o ostracismo, um “nefando genocídio”, ao menos na forma tentada e ainda em acção na Faixa de Gaza. Hoje, 2 de Novembro, choram-se na Palestina e em todo o mundo os milhares de mortos, sepultos e insepultos - sobretudo as crianças - que me trazem à memória o pranto  daquela mãe judia, Raquel, inconsolável pela morte dos filhos, de quem nos fala o profeta Jeremias (31,15). E ao ver centenas de expatriados para o Egipto, revejo uma criança, nascida em Belém, transportada nos braços da mãe a caminho do mesmo Egipto para fugir às garras assassinas de Herodes. Passados mais de dois mil anos, ‘ei-los que partem velhos e novos’, rumo à mesma nação vizinha, para escapar ao genocídio de um outro Herodes, de nome Netanyahu.

          Ao fazer estalar as bombas sobre os campos de refugiados, quem morre é a própria Israel que, sem pudor, se considera auto-vitoriosa. É tão degradante este vexame, ultraje insanável na história do Povo de Israel, que em muitos templos cristãos o atributo Israel, glorioso nome de outrora, foi banido dos cânticos e orações litúrgicas. E com toda a justiça. Adeus, “Shalom, Shalom”, Terra da Paz”. Não mais, “Portas Sagradas de Jerusalém”!  

          Da minha parte, já faz algum tempo que, em retiro anual do clero diocesano, manifestei ao bispo e aos colegas presentes a minha recusa em fazer da Salmódia uma oração, como tem preceituado a Igreja. Poderei seguir o texto dos Salmos de David – Sacerdote, Profeta e Rei – apenas como informação do devocionismo do seu suposto autor, mas nunca como módulo de oração, visto que estão pejados de guerras ( o vocábulo ‘inimigos’ é uma espécie de repetido refrão), imprecações e ameaças contra os exércitos opositores, pragas horrendas, como as do Salmo 135 (136), que reza o seguinte: “Senhor, tornai felizes e bem-aventurados todos aqueles que agarrarem as crianças dos nossos inimigos e as despedaçarem contra a rocha”.

          Quem, senão os monstros Herodes e Netanyahu, poderá fazer destas hediondas palavras uma oração?!

 

          01-02.Nov.23

          Martins Júnior