Começo
no ímpar dia 3, para terminar propositadamente no dia 4. Porque este 4 de
Novembro de cada ano sempre me abriu a porta de muitas reticências, muitas
incógnitas sobre a hermética estruturação da instituição Igreja, a partir de
uma das suas superiores instâncias: o Cardinalato.
E porquê o 4 de Novembro?... Porque em todo o orbe católico
comemora-se
o
dia das exéquias solenes de Carlos Borromeo,
de nobres famílias romanas, elevado à categoria cardinalícia em 31 de Janeiro
de 1560 pelo Papa Pio IV, seu tio.
Reconheço que, em tempo de guerras,
como o que vivemos actualmente, não seja este o mais apetecido ingrediente de
leitura, mas o que se vê é imiscuir abusivamente as religiões, chamando-as para
um terreno que, embora não sendo o seu, acaba por sê-lo.
Que nos traz, então, de esclarecedor Carlos
Borromeo acerca de um dos mais imponentes pilares constituintes da Igreja
Institucional, o Cardinalato?
Em primeiro lugar, é que não se requer
idade especial para ascender a tão alto grau da hierarquia eclesiástica. Ele teria entre 19 (segundo alguns
historiadores, teria 18) e os 20 ou 22 anos. Segundo, não se lhe exige nenhuma ordenação
nem exercício sacerdotal: ele só foi ordenado padre em 1563, três anos depois
de ser cardeal. Terceiro, a nomeação é um acto puramente discricionário, dependente
da exclusiva vontade e simpatia do Papa. Ele era sobrinho do Papa Pio IV, que o
fez cardeal. Casos destes abundam na história da Igreja, entre os quais, o de
Paulo III (Papa de 1534 a 1549) que
nomeou cardeais três netos seus, sendo um deles o mais notório Ranuccio Famese,
com apenas 15 anos de idade, cardeal em 16 de Dezembro de 1545.
Desde as suas origens que se perdem no tempo, são de uma ambiguidade as atribuições outorgadas aos cardeais, desde colaboradores do Soberano Pontífice às de administradores das sete principais igrejas de Roma, mas o que mais ressalta desse estatuto canónico é a duplicidade funcional, assente na prerrogativa de ostentarem o título de “Príncipes da Igreja” e, a partir daí, toda a nobreza de Itália, sobretudo a romana, aspirar ao cardinalato como trampolim para alcançar o Trono de Roma, o Papado. Lutas sangrentas em pleno território do Vaticano envolveram famílias rivais, destacando-se os Colonna e os Orsini, cujos vestígios duraram mais de 900 anos. De onde se conclui que o figurino cardinalício radica historicamente na incestuosa ‘união de facto’ entre o menos religioso e o mais político. Lembremo-nos, por todos, os casos do Cardeal Richelieu, Primeiro Ministro de Luís XIII, em França, a que se seguiu o Cardeal Mazzarini.
O Papa Francisco bem se tem empenhado
em apagar esse rasto deprimente de um passado ainda renitente à mudança, recrutando
candidatos em todos os continentes, ciente que está desta verdade, habilmente
escondida aos cristãos: o Cardinalato não é um sacramento, nem sequer considerado
um sacramental. É apenas e tão-só a oferta do Cartão de Eleitor para votar na
escolha do futuro Papa. Mais nada. Daí, a escandalosa animosidade dos velhos cardeais,
a quem o Papa Francisco não hesita em defini-los como os “corvos do Vaticano”,
tantas as dores de cabeça lhe têm provocado na renovação da Igreja ao encontro das
fontes, o Evangelho.
Imagino o cansaço mental e o fastio psicológico
do desinibido Jorge Bergoglio naquele ritual anti-evangélico (e não menos
falacioso) de entregar ao nomeado cardeal vestes da mais fina púrpura, um anel
de ouro, um barrete tricónio, a mitra, o brasão e um colar, à mistura com bênçãos,
água-benta e incenso – quando tudo isso seria dispensável se apenas dissesse: “Toma
lá o cartão de eleitor, se tens menos de 80 anos. E vê lá em quem vais votar,
no dia do conclave”.
Porque é para isto que são feitos os
cardeais, se não ultrapassarem os 80 anos de idade. O resto é paisagem mundana
ou, permita-me o nosso épico, “nomes com que se o vulgo néscio engana”.
Agradeço a São Carlos Borromeo (na efígie)
a profunda e nem sempre entendida mensagem do seu dia, 4 de Novembro!
03-04.Nov-23
Martins Júnior
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