quarta-feira, 11 de março de 2020

CRONAVÍRUS, QUEM ÉS TU? – MONSTRO NOCTURNO QUE PRENUNCIA A MANHÃ DE UM NOVO DIA


                                                  

          Ao vê-lo aproximar-se e, de repente, senti-lo dentro das nossas casas, sentado nas cadeiras dos alunos, no convés dos navios, nos aviões, nos estádios, nas ruas e até nas urgências dos hospitais, a única pergunta que nos aperta a garganta é aquela, feita ao Romeiro pela pena de Almeida Garrett no seu avassalador Frei Luis de Sousa:  “Romeiro, Quem és Tu?” . Só que a resposta já não seria o tremendo: “Ninguém!”, que fez desabar a felicidade de Madalena, de Manuel Sousa Coutinho e da adolescente Maria.
         Perante a sôfrega voragem do Covid-19 e a devastação sem freio que deixa no seu rasto, é caso para confrontá-lo, ainda que com voz tímida: “Coronavírus, Quem és Tu”? Semelhável ao mais furibundo tornado, mesmo invisível, a agora pandemia arrasa o planeta e nada e ninguém é capaz de poupar: na economia, no turismo, nos desportos, na ciência, na arte, nas universidades, em tudo o que se move. No entanto, tal como no rescaldo das grandes tempestades que limpam o ambiente e põem a nu a paisagem, antes camuflada e deformada pelos humanos, assim também o “tsunami Covid-19” : destrói vidas, arranca árvores, abate pessoas, mata elefantes brancos, mas depois obriga-nos a nós, viventes, a reflectir, a separar o trigo do joio, a distinguir o essencial do acessório.
         Alguém um dia escreverá a  enciclopédia de uma nova cosmogonia do planeta ou, pelo menos, de uma nova civilização, que o Covid-19  poderá instaurar, no plano ambiental, social, cultural, económico, ou seja, uma nova filosofia e uma nova mundividência. Vou apenas debruçar-me sobre um dos aspectos  mais inócuos e insignificantes, mas de alcance maior do que pode parecer. Refiro-me aos rituais de culto religioso, designadamente da Igreja Católica. Com efeito, tem sido notório – e louvável – o esforço pedagógico de Roma em suprimir certas práticas litúrgicas ou para-litúrgicas, tais como a da comunhão na boca  e sim na mão dos comungantes. Uma outra foi o  da proibição dos abraços e dos beijinhos antes da comunhão e a retirada da água benta das pias das igrejas. Só por ironia se pode aceitar que foi preciso vir o coronovírus para abolir uma práxis tão obsoleta... Devo dizer que já há cinquenta anos a Ribeira Seca adoptou as novas orientações. O mesmo se diga da confissão auricular. Refira-se, ainda, a abolição do beijo na “Adoração da Cruz” (Semana Santa) e, por analogia, na imagem do Menino em dia de Natal. Já as dispensámos também há muito tempo.
Para aquilatar da inutilidade de certos ritos, bastará interpelar os rigoristas liturgistas e perguntar: a Eucaristia ficou menos genuína ou menos valorada por não haver água benta na pia  ou beijos e abraços ou comunhão na boca?…  
         É certo que em todas as celebrações festivas os signos ou símbolos têm por função coadjuvar os participantes na melhor  integração ou interpretação do acto. Quanto menos culto é um povo, mais precisa de sinais visíveis, alguns deles caricatos e anti-higiénicos. Justo é, porém, constatar que certas simbologias ou sinaléticas de outros tempo afiguram-se supérfluas, infantilizadas e manifestamente ridículas para a mentalidade dos nossos dias. E não havia necessidade de um coronovírus para chegar a tais conclusões.
         Cabe aqui repescar textos paralelos de Isaías (29,13), de Mateus (15,19)  e de Marcos (7,7): “A adoração que Me prestam é constituída por regras e doutrinas feitas pelos homens e apresentam-nas como preceitos divinos”.
         Grande “Profeta” é o Convid-19! Que não se esqueça a lição.
         11.Mar.20
         Martins Júnior
            


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