Não
há mais eco nem labirinto dentro de mim para esconder-me dos estampidos de
guerra, das lágrimas furtivas que as mães contêm diante das crianças que trazem
ao colo. “Afastem de mim esse cálice” – é o grito abafado que me sai dentro do
peito, diante de hospitais destruídos, escolas arrasadas, habitações em chamas,
mulheres que partem sem destino certo e os homens que ficam, talvez para não
mais se reencontrarem. Basta!... Terá sido em situações de transe, de efeitos
idênticos, que Antero de Quental esgotou todo o sentido da vida ao escrever num
dos seus sonetos: “Que sempre o pior mal é ter nascido”?!
Para isto, para assistir de olhos e coração
enxutos a este macabro suicídio da condição humana, seguramente mais valia ter
ficado no mundo dos possíveis…
No entanto, um halo de ânimo doce mistura-se
na moenga amarga desta manhã de Domingo. E traz de novo a dimensão e o sentido
da vida. Na mesma ara os dois marcos de toda a existência: um berço e um
caixão.
Primeiro
foi o berço, o Carlos Henrique que os pais trouxeram à pia baptismal, as flores
em arco e o repique festivo dos sinos. Daí a pouco, a Senhora Maria, valorosa centenária
- completá-los-á, os 100 anos, no próximo mês de Abril entre as quatro tábuas
que levámos ao mausoléu da terra fria. Bem se lhe podia encimar aquele panegírico
que honra a fronte dos ‘mortais imortais’: Missão Cumprida!
Oh,
o enigma indecifrável daquilo a que chamamos Vida!
Enquanto
a centenária ‘viajante’ do Além desce à sepultura e sela a última página do seu
episódio, o bebé emerge sorridente para a alvorada da existência. Uma é a
árvore centenária que deixa cair generosa o fruto maduro, a outra é semente e
raiz carregada da esperança de primaveras em flor. Uma termina a marcha, a
outra toma o seu lugar e lá começa a aventura do amanhã.
Até
chegar a sua vez…
Será
esse talvez um dos mais sublimes sentidos da Vida: Somos apenas um episódio da
Grande História que outros continuarão, escrevendo e realizando o seu próprio
episódio. Que ninguém se exclua desta corrente energética que une o primeiro ao
último passageiro do trem da Vida. Se outro conforto nunca ninguém nos der,
fica-nos ao menos este, pessoal, inalienável, glorioso: continuaremos a viver
em alguém! Queiramos ou não, é o facho olímpico da Vida que alguém transportará
por nós.
O
que importa é que enquanto formos os portadores, nunca a chama se apague em
nossas mãos. E que na Grande História, seja belo, seja fértil, seja inspirador
o episódio que deixarmos!
Assim
se transfigura o nosso ser, à semelhança da transfiguração do Nazareno no Monte
Tabor, como nos informa hoje o LIVRO de Domingo.
Assim
desejaria (mas como é possível?) ao povo da Ucrânia: que as lágrimas caídas na
face dos mártires da pátria se transfigurem em radiosas constelações de
estrelas futuras.
13.Mar.22
Martins Júnior
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