domingo, 13 de março de 2022

“AFASTEM DE MIM ESSE CÁLICE” – EM BUSCA DE UM SENTIDO PARA A VIDA !

 

                                                         

Não há mais eco nem labirinto dentro de mim para esconder-me dos estampidos de guerra, das lágrimas furtivas que as mães contêm diante das crianças que trazem ao colo. “Afastem de mim esse cálice” – é o grito abafado que me sai dentro do peito, diante de hospitais destruídos, escolas arrasadas, habitações em chamas, mulheres que partem sem destino certo e os homens que ficam, talvez para não mais se reencontrarem. Basta!... Terá sido em situações de transe, de efeitos idênticos, que Antero de Quental esgotou todo o sentido da vida ao escrever num dos seus sonetos: “Que sempre o pior mal é ter nascido”?!

 Para isto, para assistir de olhos e coração enxutos a este macabro suicídio da condição humana, seguramente mais valia ter ficado no mundo dos possíveis…

 No entanto, um halo de ânimo doce mistura-se na moenga amarga desta manhã de Domingo. E traz de novo a dimensão e o sentido da vida. Na mesma ara os dois marcos de toda a existência: um berço e um caixão.

Primeiro foi o berço, o Carlos Henrique que os pais trouxeram à pia baptismal, as flores em arco e o repique festivo dos sinos. Daí a pouco, a Senhora Maria, valorosa centenária - completá-los-á, os 100 anos, no próximo mês de Abril entre as quatro tábuas que levámos ao mausoléu da terra fria. Bem se lhe podia encimar aquele panegírico que honra a fronte dos ‘mortais imortais’: Missão Cumprida!

Oh, o enigma indecifrável daquilo a que chamamos Vida!

Enquanto a centenária ‘viajante’ do Além desce à sepultura e sela a última página do seu episódio, o bebé emerge sorridente para a alvorada da existência. Uma é a árvore centenária que deixa cair generosa o fruto maduro, a outra é semente e raiz carregada da esperança de primaveras em flor. Uma termina a marcha, a outra toma o seu lugar e lá começa a aventura do amanhã.

Até chegar a sua vez…

Será esse talvez um dos mais sublimes sentidos da Vida: Somos apenas um episódio da Grande História que outros continuarão, escrevendo e realizando o seu próprio episódio. Que ninguém se exclua desta corrente energética que une o primeiro ao último passageiro do trem da Vida. Se outro conforto nunca ninguém nos der, fica-nos ao menos este, pessoal, inalienável, glorioso: continuaremos a viver em alguém! Queiramos ou não, é o facho olímpico da Vida que alguém transportará por nós.

O que importa é que enquanto formos os portadores, nunca a chama se apague em nossas mãos. E que na Grande História, seja belo, seja fértil, seja inspirador o episódio que deixarmos!

Assim se transfigura o nosso ser, à semelhança da transfiguração do Nazareno no Monte Tabor, como nos informa hoje o LIVRO de Domingo.

Assim desejaria (mas como é possível?) ao povo da Ucrânia: que as lágrimas caídas na face dos mártires da pátria se transfigurem em radiosas constelações de estrelas futuras.

 

13.Mar.22

Martins Júnior   

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