sábado, 19 de março de 2022

CRISTO CAPITALISTA?!... REALISMO E CONTRADIÇÃO

                                                                               


 

       Guerras, catástrofes, economia, produtividade, relações de causa e efeito – é disto que hoje se fala. Ninguém se espante, ninguém estranhe. Porque há mil, dois mil, há milhões de anos, era assim, era disso que se falava. Também no tempo de Jesus de Nazaré. Com uma nota contrastante: é que Ele interpretava os factos, mesmo os mais imprevisíveis e aberrantes, interpretava-os com um realismo duro e cru, extraindo deles lições de optimismo mobilizador.

         É só abrir o LIVRO (o costume que, por opção própria,  já erigi em lei para cada fim-de-semana) e aí encontraremos a lógica deste prólogo inicial. Está tudo descrito no capítulo 13 de Lucas, versículos 1-19. Primeiro acontecimento fatídico: Um tal Pilatos (traduzamos por um tal Putin) mandou chacinar um grupo numeroso de galileus. Segundo: uma alta torre, classificada de Siloé, desmoronou-se e ao cair matou 18 homens. Na mentalidade da época, desastres, epidemias e guerras eram tidas como castigos de Deus (por mais incrível que seja, ainda prolifera esta crença na mente de muitos devotos do século XXI…). Ora, o Mestre das Gentes confronta os judeus, interpela-os e acusa-os de ignorância e blasfémia: ”Acham que foi castigo divino? Desiludam-se, porque vocês não são melhores que aqueles que morreram”.

         Realismo puro e duro, mas esclarecedor para um povo mergulhado no obscurantismo doentio das superstições! Voltasse Ele à Terra, que diria de certas devoções absurdas em que se pede a Deus que acabe a guerra, quando se sabe que o Supremo Arquitecto do Universo não entra nas guerras dos homens. Maior ultraje ainda à Divindade é pedir-Lhe a morte das forças beligerantes adversas! É o que faz Putin na sua Igreja Ortodoxa, É o que fazíamos nós (com os capelães militares à cabeça) nos vergonhosos tempos da guerra colonial.

         Mas o nosso Líder Sócio-Espiritual vai mais longe na desmistificação das falsas mensagens dirigidas a Deus e a Ele próprio, que mais não são que indignas tiradas provocatórias, as quais o verdadeiro crente nunca se atreveria a fazer, ou seja, forçar outrem a realizar as tarefas que só ao próprio devoto impetrante se devem exigir. Como exímio pedagogo que é,  recorre à alegoria da figueira que ‘se recusava a dar fruto’, três anos seguidos. Se não produz - quando tudo tinha para produzir - então a solução é dar lugar a outra. Nada mais consequente em termos de economia circular.

         Abro aqui um breve parêntesis para dar conta da contradição em que se envolvem muitos comentadores, alegando que Jesus de Nazaré advogaria neste caso a apologia do capitalismo, a exploração primária dos meios de produção ou o primado do capital sobre o trabalho. Em apoio desta tese, juntam uma situação paralela, a dos talentos ou das minas (Mateus, 25, 14-30) em que são premiados os subalternos (digamos, os operários, os caseiros, etc,) que apresentam lucros a 100% aos seus patrões e senhorios. Logo, pelas premissas falsas, uma falsa conclusão: Jesus era apologista do capitalismo.

         Bem vaticinou o velho Simeão no Templo de Jerusalém: “Esta Criança que sustento nos braços será um sinal de contradição no mundo”. (Lucas, 2, 21-40). Com efeito, ao Jesus comunitário, a quem chamam de ‘comunista’, vêm agora outros que lhe lançam em rosto o baldão de ‘capitalista’!

             Não serão necessários brilhantes silogismos demonstrativos da evidente hermenêutica do texto, aliás dos dois textos reproduzidos. O sábio Nazareno quis tão-só (e ainda hoje o quer) relevar o insubstituível contributo do factor Trabalho na construção da sociedade. Contra o imobilismo, seja ele braçal, intelectual ou religioso, o nosso Mestre pretende libertar o ser humano do seu atávico complexo de inferioridade ou de impotência básica, conferindo-lhe em contrapartida o seu papel de Co-Criador, construtor das Civilizações, sem cujo esforço a terra, o homem, o progresso não passarão de 'terra queimada' que nada produz.

         Transpondo para o trágico cenário que hoje vivemos, o que o martirizado povo ucraniano pede (eu diria, exige de nós) não são mãos enclavinhadas rogando aos deuses e às sacras esculturas mortas aquilo que está exclusivamente nas mãos dos vivos, a começar pelos líderes das nações. Acção, dinamismo, resiliência e criatividade: eis o que desponta dos ramos da figueira-protagonista que hoje se nos propõe.

         Seja cada um de nós tronco de figueira reprodutiva para merecermos viver e ocupar os palmos de terra que nos são dados com prazo predeterminado!    

          19.Mar.22

Martins Júnior

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