terça-feira, 13 de setembro de 2022

A HISTÓRIA QUE UM POVO CONTA… A CANTAR !

                                                                            


            É a de um Dia Ímpar esta crónica – ímpar no cômputo do calendário, 11 do mês, ímpar sobretudo pela viva e revivalista comemoração da história de um Povo situado na periferia urbana da cidade de Machico – a Ribeira Seca.

Cumprindo a secular tradição de evocar a memória e prestar homenagem, desde 1692, a Maria de Nazaré, Senhora do Amparo, a população ribassequense juntou-lhe as vivências centenárias dos seus antepassados e conjugou-as com as diversas fases de um percurso feito de há 50 anos até ao presente.

Focalizados na Protagonista reverencial  da Festa, os habitantes da Ribeira Seca iniciaram a sua marcha, a partir da velha capelinha da Senhora do Amparo, situada no sítio do Lombo do Xeque e construída pelo capitão-secretário da Câmara Municipal de Machico, Francisco Dias Franco, na data citada, 1692. Foi como que a reincarnação de todo um passado, marcado pela colonia em que os ‘servos da gleba’, os caseiros, mirravam de sol a sol sob a canga dos senhorios. Ali prestou-se gratidão, homenagem, solidariedade póstuma às gerações de outrora confinadas às montanhas deste vale, privadas dos meios mais elementares para uma vida familiar e social: sem estradas, sem luz, sem água potável.

O cortejo pedonal, representativo da marcha do passado para o presente, fez-se rumo à actual sede da comunidade, o templo construído em 1963 e renovado em 1999. Celebrou-se, então, a Eucaristia com o mesmo ritual deste meio-século, a comunicação directa e coloquial entre o altar e os participantes, o acompanhamento da nossa Tuna, mas enriquecida a cerimónia pela presença de dois grandes sacerdotes, o Padre Pedro Nóbrega e o Padre José Luís Rodrigues. Foram momentos impressivos inesquecíveis, não pela oratória balofa característica de celebrações congéneres, mas pelo acurado sentido pedagógico-didáctico que o Padre Pedro  imprimiu à sua lição e pela visão de futuro – um futuro sombrio, talvez inexistente - que o Padre José Luís vaticinou para uma Igreja Regional, consequência dos mais recentes ‘exemplares’ clericais e o ‘anacrónico triunfalismo’ de uma hierarquia ‘divorciada da vida dos cristãos’.

                                                 


E foi do futuro desta comunidade que se fez, de seguida,  a terceira fase da marcha pelas estradas e caminhos locais, com três ´picos’ plenos de simbologia e realismo: a Imagem da Senhora do Amparo transportada pelos jovens neste longo percurso, a participação da Filarmónica da Atouguia Baleira de Peniche e a Banda Municipal de Machico, sendo que a ‘cereja em cima do bolo’  brilhou aos olhos do muito povo acompanhante, num desfile digno de ver e deliciar: em vez das opas, capas e capinhas das Irmandades da Senhora das Lágrimas, dos Socorros e do Último Suspiro, ou as de São Lázaro e de Santa Ifigénia (respeitamos quem as tenha e faça), aqui as crianças, jovens e adultos representativos de todos os sítios, desfilaram com o colorido da indumentária festiva, confecionada pelos próprios, as saias das raparigas ostentando as mensagens, bordadas à mão, de SAÚDE, CULTURA, PÃO, VIDA, LIBERDADE, AMOR, FELICIDADE – os melhores votos que Maria de Nazaré, a Mãe do Amparo,  pode desejar aos filhos.   

Ao terminar a homenagem culto-espiritual à Protagonista-Patrona e Padroeira da Ribeira Seca, senti-me no dever de, em poucas palavras, registar a ornamentação cheia de leveza e graciosidade do nosso templo, onde só existem duas reminiscências hagiográficas: a escultura da Senhora do Amparo, evocativa de Maria histórica de Nazaré – não da “Senhora que faz favores a baixo preço”, como disse o Papa Francisco em Fátima, nem as piedosas novelas de milhentas aparições, improváveis e duvidosas, a maior parte e com as quais se explora, abusivamente, a frágil mentalidade de um povo híper-crente.                                          


A outra representação hagiográfica neste templo é a efígie do Padre Mário Tavares Figueira, para nós um Santo que ‘vimos, ouvimos e lemos’ e tocámos de corpo e alma, um Santo pela robustez do seu tronco ideológico-teológico, pela telúrica osmose da sua fé onde se cruzavam e cresciam o corpóreo e o espiritual, o humano e o divino. E, estruturalmente para nós, um Santo que nunca abandonou a população indefesa da Ribeira Seca durante a travessia no exílio de décadas de ostracismo a que nos atirou a hierarquia diocesana em pornográfico conúbio com o poder político. Desde a sua morte, temo-lo aqui na nossa igreja onde ele tantas vezes partilhou as nossas dores e a nossa resistência, sofreu com as ameaças, os medos e os danos que o conluio político-religioso da Madeira infligiu a este povo. Formulei e reitero de novo o voto-promessa de que, venha quem vier, nunca se retire deste templo, a efígie do Padre Mário Tavares Figueira, junto da escultura da Senhora do Amparo – as duas únicas imagens de santos presentes neste lugar sagrado. Sem descurar a magnitude espiritual de milhares de outras figuras hagiográficas da história da Igreja – e não só da Igreja – o nosso templo não está vocacionado para museu de estátuas, mas para Casa de Oração e Progressão Evangélica.

Esta é a crónica do dia 11 – assim comecei. Mas fiquei-me apenas pela primeira página, a homenagem à Protagonista  Sacra, Maria Histórica, a da Nazaré, sob o título de Senhora do Amparo, uma opção necessária mas muitas vezes obliterada ou secundarizada nos arraiais do mundo.

Permitam-me anexar os dias ímpares 11 e 13, complementando depois a narração com a segunda página: o histórico do Povo ribassequense através da música, verso e dança no palco aberto do nosso adro. Até já.

 

11-13.Set.22

Martins Júnior

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