Bora,
bora, no meio de tanta festa – e da grossa – vir tocar a finados com essa dos
elogios fúnebres! É o que dirá toda a gente que, porventura, deixar cair os
olhos neste título. Para cúmulo, peguei na frase e apertei-a entre comas,
levado pelo humor de Fernando Pessoa quando escreveu que “Todas as cartas de
amor são ridículas”.
Mas
esclareço o porquê desta minha opção em tempo de folguedo geral. É que não
queria ver passar este mês de Julho, tão evocativo de factos e personalidades,
sem deixar um sublinhado, mesmo breve, sobre os rituais e protocolos da praxe
exequial. Badalados foram os 100 anos de Mandela, lamentado foi o passamento
dos dois pioneiros do Serviço Nacional de Saúde, António Arnaut e João Semedo, entre outras
muitas figuras da ribalta pública. Chega então a hora da brigada dos microfones
reumáticos, chorosos, a pedir depoimento a um, comentário a outro, notas
biográficas àqueloutro, quase sempre junto da urna ou à saída da basílica. Mais
impressiva, porém, e enfadonha é a “oração de sapiência” (há quem lhe chame elegia e elogio fúnebre ou
até panegírico) em cima do morto.
Coube-me
também a rifa de assistir nesta semana a uma dessas paradas fúnebres., realizada numa das igrejas desta Região. E lá
subiram ao púlpito os profissionais da palavra obrigatória. Começam a desfiar,
fibra a fibra, dobra a dobra, a vida do protagonista, ali cego, surdo e mudo.
Depois vêm os textos de escritores, os costumeiros do regime, se possível uma
criancinha que nem conheceu o dito cujo. Palavras arrumadas, empacotadas ao
milímetro, embalsamadas, tudo em cima do defunto que, não o notámos, mas deve ter dado umas boas
voltas dentro do caixão, talvez repetindo o velho fado coimbrão: “Quando eu morrer,
rosas brancas/ Para mim ninguém as corte/ Quem as não teve na vida/ De que lhe
servem na morte”.
É
aqui que situo a razão do ridículo, colado e envernizado em todos esses
cerimoniais. Quem procurou cumprir o seu estatuto existencial dispensa os discursos
opulentos. A militância sofrida com que aceitaram os combates da vida é a mesma
com que rejeitam o palavreado dos baús funerários, a que chamam elogios. “Deixem-me
em paz,” dirão os inquilinos da urna. E alguns até perguntarão: “Onde estavas
tu, galante falante, quando eu, em vida, precisei do teu apoio”? Também os
padres da Inquisição cantavam ofícios sagrados àquele que tinham condenado à fogueira…
O
maior elogio que se lhe pode fazer – e o único que o conforta – consiste em
mobilizar os vivos a que peguem aos ombros o espólio virtuoso do defunto e o
levem mais além, seja onde for, para dar continuidade ao seu ideário e à sua
luta. Tudo o que se fizer – palavra, canto ou silêncio – para arrastar o
auditório na onda construtiva do
homenageado constitui o maior poema épico na hora final da despedida. As baforadas de incenso
extinguem-se antes até de extinguir-se o corpo. O nosso propósito e a nossa
acção é que perpetuarão a memória dos que “da lei da morte se vão libertando”.
Para
confirmar a lógica desta opção, acabo de ler em El País um título que sintetiza tudo quanto quero dizer: “É esta a
hora crucial do Papa Francisco: o êxito das suas reformas determinará o legado
do Pontífice”. E eu acrescento: De nada lhe serve ser herói, sábio, santo, pioneiro,
cavaleiro andante vitorioso e ‘superstar’ se a sua obra – melhor, a sua luta - ficar
com ele no mesmo caixão!
Pela minha parte, Mandela, Arnaut, Semedo, podeis contar comigo para que seja digna e universal
a condição humana e para que essa dignidade comece pela saúde global. Não tenho
palavras, quero oferecer-vos acção!
29.Jul.18
Martins Júnior
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