Ao
descer a montanha dos chamados Santos Populares, é no São Pedro que todos se
juntam e a multidão ávida de folgas fervilha no sopé de cada aldeia. Com
santinho ou sem santinho (as mais das vezes, ele é o mais ausente) o que ‘faz
falta’ é baptizar com nome de um São qualquer a barraca, o vinho, a espetada, o
despique, enfim, a folgança que diverte e, não raro, aliena…
Em Machico, porém, o final de Junho às
portas de Julho nascente é a ponte que traz algo maior: o seu lugar primeiro na
História da Ilha. Por isso é que tudo se orienta para a aclamação da
renascença, em cada ano, daquela ditosa data que se tornou a ribalta do Grande
Teatro de seis séculos de vivências, tantas quantas tem a Nau Catrineta por
contar.
Por
feliz coincidência, várias iniciativas autónomas das organizações locais enchem o ambiente de
um tonalidade garbosamente evocativa da Descoberta ou Achamento de Machico e da
Madeira, como o já famoso “Mercado Quinhentista”, no início de Junho, da
responsabilidade da Escola Secundária, com a colaboração da Câmara Municipal. Por
seu lado, a Junta comemora oficialmente o Dia da Freguesia de Machico, com
episódios marcantes, abrilhantados pelo “ARTE & PESCAS”, na faixa do
Desembarcadouro de Tristão Vaz Teixeira e Gonçalves Zargo.
Dois
aspectos, porém, tocam, este ano, a sensibilidade dos machiquenses e
visitantes. Além da evocação do primeiro nascimento para a História, 2 de Julho
de 1419, “em um domingo, Dia da Visitação de Santa Isabel” (Gaspar Frutuoso),
outro nascimento segundo e, talvez maior no contexto sociológico dos nossos
tempos, sobressairá neste fim de Junho, dealbar de Julho estival: é a presença
em Machico de um dos cantores de Abril, Paulo de Carvalho, amanhã, dia 30, no
Forum. Trata-se de uma iniciativa autónoma, da exclusiva responsabilidade do
“Atlantic Culture”, plenamente coincidente com a afirmação de um novo Portugal
pela voz e pela coragem dos militares e segurada por todos os portugueses em
1974. Machico foi o território insular que maior testemunho marcou na
implantação da Liberdade acorrentada durante 48 anos de ditadura.
A
presença do mensageiro do E depois do Adeus
transpõe-nos para a Grândola, Vila Morena,
cantado pelo próprio Zeca Afonso em 1976 no Largo de Machico; traz-nos à
memória José Mário Branco, Sérgio Godinho, “Os Trovante”, Vitorino e Janita
Salomé, Fausto, Francisco Fanhais, Joana Muge, Tino Flores e tantos outros
cantautores que são hoje a memória inapagável dos Cantares da Revolução dos
Cravos, os quais encheram a nossa, então, vila de Machico, ecoando as suas
vozes quentes pelas encostas do majestoso vale.
Machico
navega nas mesmas águas que inspiraram as canções de Paulo Carvalho. Traz os
genes de um Francisco Álvares de >Nóbrega, o poeta da Liberdade, Igualdade e
Fraternidade, preso nas masmorras do Limoeiro, em Lisboa, para onde foi
deportado, após julgado e condenado pelo Tribunal da Inquisição.
A
breve crónica que hoje trago pretende captar num só olhar a singularidade deste
arco patriótico que abraça na mesma efeméride o duplo nascimento de Machico para
a História: o berço infante do 2 de Julho de 1419 e o trono libertador do 25 de
Abril de 1974.
Sejamos
dignos desta herança!
29.Jun.18
Martins
Júnior
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