Ainda batem nas pedras da rua e nos
tímpanos dos portugueses de aquém e além-mar os tambores, as trompas e
trompetes das marchas apoteóticas do Dia da Pátria. Os discursos, os poemas,
que é que contam perante o colossal instrumental que os ares atroa? Não há
tempo nem eco do seu rasto. O importante é o estrondo, a embriaguez do sopro
galopante.
Olhei o mapa, li o calendário e em
jeito de premonição imediata concluí que foi dada a batuta iniciática para o
grande batuque itinerante que atravessará os mais de 500 dias que vão desde
agora até aos finais de 2019. Vai haver farra e fanfarra. Feiras e feirantes a
granel, todos armados de megafones, megaeventos, hiperdecibéis, megadebates de
cordel. Em todos os palcos, ribombará a
palavra de ordem: “Façam barulho”!!!
Pela
aragem da carruagem, está visto que pouco restará para pensar. Vem aí o rolar
da rolha do foot-rei na Rússia, as cabeças dos portugas aos milhões a rolar no relvado, a alma toda
verde-rubra metida dentro do “caneco”
mundial. Vêm a seguir as festas, os santos populares, os concertos, os superrock-superbock’s
e outra vez os campeonatos, mais os natais, as missas-do-parto, os foguetes do
pobre-são-silvestre e ainda logo à porta a primavera e, em cima dela, os comboios
descendentes entrando pelas casas e casebres, sempre a abrir e a zunir “Vota,
Vota”, quanto mais ruidoso melhor!
Quem
nos dá um momento ou um recanto para pensar e decidir?
Parece
que daqui em diante, o que havia a dizer e a propor com seriedade e critério
terminou o seu tempo. O que vai lavar e durar são as colunas gigantes, as
rotativas diárias gemendo ou urrando conforme a renda que lhes derem, câmeras e
ecrãs, idem, idem, aspas, aspas. Quão
difícil será manter-se imune à frenética praga dos vírus que aí vêm!
Para
caracterizar a voragem sem freio que se adivinha, puxo para a cena a fala de D.
Miguel, governador do reino, eloquentemente desenhada por Sttau Monteiro, na
peça Felizmente há Luar:
“E agora, meus senhores, vamos ao
trabalho. Há que provocar o ardor patriótico. Há que pôr os frades, por esse
país fora, a bradar dos púlpitos… Há que procurar em cada regimento um oficial
que se preste a dizer aos soldados que a Pátria se encontra ameaçada pelos
inimigos de dentro. Há que fazer tocar os tambores pelas ruas… Os estados
emotivos dependem da música que se tem no ouvido… É necessário que as bandas
não parem de tocar. Quero os sinos da aldeia a tocar a rebate, os tambores em
fanfarra, os frades aos gritos nos púlpitos, uma bandeira na mão de cada
aldeão. Quero o país inteiro a cantar em
coro. Portugueses, a hora não é para contemplações”!
Para
ironia dos tempos e vergonha nossa, será este o batuque no continente e nas
ilhas (por isso lhe chamo batuque tuga-ilhéu) ao qual tentarão amarrar as
orelhas e as mãos dos eleitores. Perante o confuso estridor das torres de Babel
que já assestaram frechas para os próximos tempos, constituirá um feito notável
e duradouro ganhar a sensatez e a coragem de José Régio para, ao menos,
reflectir e dizer: “Sei que não vou por aí”!
11.Jun.18
Martins Júnior
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