terça-feira, 29 de janeiro de 2019

“A BELA E O MONSTRO”


                                                                  

              Tão longe e tão perto, que até parecem faces de uma mesma moeda!  Separa-os a latitude abissal do universo e une-os um estranho estreito, tão imperceptível como o réptil das águas estagnadas que se nos escapa das mãos,  Ele é a mansão idílica da princesa imaculada. Ele é o hediondo antro de unhas peçonhentas que devora tudo quanto se lhe aproxima. Quando o equinócio lunar os junta lado a lado, um arrepio sem dó percorre e atordoa o corpo inteiro. Insuportável, mas (inexplicavelmente) aceite sem protesto!
         A tanto chega o estonteante “bloom” da indiferença individual e colectiva. Tudo se traduz em cifrões. A corrupta máquina registadora abre-se sem pudor, seduz o utente e quanto ele possui, fecha-o dentro da casa forte e engole-o até ao tutano. Já não há mais respiração, nem canto, nem choro, nem talento, nem beleza, nem corpo, nem alma. O que conta é o conto, o euro, os milhares, os milhões, os super-cifrões. O valor facial aceite pelos cambistas-DDT é o cheque visado na praça financeira mundial. Quanto vales? Quando te rende o emprego? Queres trocar a tua ciência, a tua arte, a tua soberania mental e moral, a tua alma por um par de chuteiras, só porque te rende milhões?...  Tu,  produtor soberano da tua personalidade sem preço, queres expor-te no balcão dos feirantes como mercadoria sem lustre, só porque arrecadas biliões?!... Já não vales pelo que és, vales pelo que tens.
         Que isto se passe com o comum dos mortais, de títulos transaccionáveis no mercado, suporte-se - sob protesto, embora O que, porém, repugna e revolta é chutar o Papa Francisco para a bolsa-valeta  dos (des)valores mercantis. Revejo-o durante e pós-visita pastoral ao Panamá, país-esgoto autorizado para a lavagem da podridão do vil metal, arrancado de bocas famintas e sem abrigo. Revejo-o nas reportagens televisivas, aclamado por 300.000 jovens, mas pouco ou nada o encontro na imprensa diária internacional. Só em Portugal se levanta um coro presidencial, a partir de Belém, festejando a vinda a Portugal em 2022. E qual a nota marcante da sua visita? Aí estão dois títulos garrafais: “VISITA DO PAPA RENDE MIL MILHÕES DE EUROS”. E num outro matutino: “VINDA DO PAPA  VALE O DOBRO DA WEB SUMMIT”.
                                                                    

É por demais humilhante, porque degradante, erguer no altar da sua visita a Portugal uma descomunal caixa multibanco ou uma roleta de casino como cartaz representativo de uma mensagem que ultrapassa e derruba aquilo que ele próprio chamou de “economia que mata”. Seria caso (é uma opinião) para que o Vaticano suspendesse todas as deslocações do Papa a países que publicamente e sem escrúpulo publicitassem a visita de um Pastor-Peregrino, como se de um canal de resíduos tóxicos se tratasse. É o que se passa também no cinicamente denominado “Turismo Religioso”. Assim se prostituem os valores, conspurca-se a Fé e destrói-se a Esperança num mundo melhor.
Não é esse o pensamento do Papa Francisco. Ele não vem a Portugal como caixeiro-viajante ou vedeta de parir dinheiro. Ouso admitir que se ele pudesse, mandaria retirar de cena tais anúncios abusivos e redutores que mais não são do que provocações à sua nobre missão de referência espiritual da humanidade. Quanto a nós, crentes e responsáveis, urge banir do nosso glossário sócio-religioso a grotesca reedição de “A Bela e o monstro”.

29.Jan.19
Martins Júnior         

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