sexta-feira, 11 de janeiro de 2019

A NOVELA DOS “TRÊS REIS”, DDT (DONOS DISTO TUDO) A NAZARÉ, 2019 (continuação) – II EPISÓDIO

                                                               

   Curvaram-se até ao chão os cinquenta escravos que suportavam aos ombros o “Rei Chino”. Ele desceu, anafado e majestoso, poisando o calçado cor-de-fogo em cima daqueles  dorsos amarelos transformados em degraus de carne humana. Curvou-se ele, também, num ângulo de noventa graus, quando apareceu à porta um homem robusto, olhos vivos, penetrantes, que se identificou como o pai do Menino. À pergunta de protocolo – “Quem sois e a que vindes”? – o “rei” prontamente atalhou:
 “Sou eu o maior do mundo, tenho sob o meu jugo biliões de escravos, sou eu que alavanco a economia do planeta. E mais, eu”…
O judeu anfitrião cortou-lhe a palavra e o passo: “Mas a que vindes, dizei”.
- Trago ali o dragão dos deuses, carregado da tapeçaria mais fina, trago ouro a rodos, feito do sangue do meu povo amado. E mais: trago duzentos escravos meus para oferecer-tos. Permite que eu veja o Menino. Ou, ao menos, vai dizer-lhe que está aqui o “Rei da China e das Arábias”.
José nem precisou de consultar mais ninguém:
- Desaparece deste terreiro. Este é um chão sagrado, onde não há opressores e oprimidos,  senhores e escravos. Aqui todos são iguais. Leva esse ouro e restitui-o aos corpos de onde os arrancaste a ferros. Volta ao teu reino, acaba com o trabalho forçado de milhões de crianças famintas, destrói a escravatura.  Depois, só depois, podes chegar até aqui, onde serás digno de entrar no meu casebre.
Discretamente, sem alarido, toda a comitiva real virou atrás e foi postar-se, envergonhada, na rectaguarda da grande parada.
De imediato, apressa-se o “Rei das Estepes”, musculado, ritmo binário no andar, vai ele mesmo à frente dos tanques cor-de-chumbo, comandante-em-chefe da embaixada russa. E antes que José fechasse a porta, puxa-o violentamente pelo braço e dispara de rajada:
- Diz a esse Menino que eu não lhe trago escravos e já deixei de ‘comer criancinhas ao pequeno almoço’. Eu sou pela revolução e pela igualdade de classes. Venho de um passado hostil aos czares e aos privilégios. A minha bandeira sempre foi o proletariado, a defesa dos indefesos, a protecção da infância e a segurança dos velhinhos. Por isso, conta lá isto ao teu Menino: Está aqui o “Rei Russo”, traz-te armamento, o nuclear, os tanques, os mísseis. Comigo estás seguro.
José tentou fechar a porta entreaberta, mas não conseguiu, porque o russo encostou a peitaça como couraça dura contra os gonzos. Tinha ainda mais uma prenda para o Menino:
- Aqui tens a oitava maravilha do mundo. Leva-a lá dentro, mostra ao Menino e à sua Mãe a minha prenda, de todas a mais poderosa. Com isto, em casa ou na rua, no céu ou na terra, ninguém fará mal ao Menino, nem a ti, nem a tua mulher.
O dono da casa abriu o pacote e ficou intrigado com o que viu lá dentro. Teve medo de tocar-lhe. É então o próprio “rei” que lhe explica: “Esta é aquela arma supersónica, a exterminadora,  que os nossos cientistas classificaram de Kinzhal, também chamada de ‘Avangarde’. Com ela, nenhum Herodes ou Pilatos ousarão meter-se convosco. Eles fogem a sete-léguas”.
 O nosso rabino, testemunha ocular de todo este movimentado espectáculo, contou aos jornalistas a repulsa de José, depois de fechar a porta, resmungando lá dentro:
- Vai-te embora. A minha casa é uma casa de paz, não é nenhum ‘bunker’ de guerra. Precisamos de pão, não de bombas de espécie alguma. Vai, destrói no gelo da Sibéria todas essas máquinas assassinas. Depois disso, só depois, volta aqui a Nazaré e traz contigo o trigo, a água, a bandeira da concórdia e da paz universal. És nosso convidado.
Foi enorme o desaire, diz o nosso rabino. O musculado ginasticado “rei”  meteu o rabo entre as pernas e foi juntar-se, lá atrás, ao “Rei Chino”.
(continua)

11.Jan.19
Martins Júnior


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