quarta-feira, 27 de janeiro de 2021

PANDEMIA QUE QUEIMA A DEMOCRACIA

                                                                 

O calor que ainda fumega das urnas eleitorais e o gelo  que veste os corpos minados de Covid fazem esquecer o 27 de Janeiro desse remoto 1945. Tão longe e tão perto! Jornais, noticiários, opinadores de escala, em suma, a comunicação oficial pouco ou nada reagiu nestes 76 anos de inditosa memória. Mas eles, os factos passados, aí estão presentes, testemunhas oculares e, nesta altura, cúmplices naturais, como algozes de serviço, a abastecer os fornos crematórios.

         Leiamos a história. Entre duas guerras – ai, este bicho homem não passa sem elas! – nas trincheiras onde jaziam ainda as vítimas, em vez do abraço entre vencedores e vencidos, foram-se criando as sementes larvares do primado do mais forte sobre o mais fraco, arvorou-se a ditadura em predestinada deusa salvadora da humanidade. Assim no Portugal de Salazar, assim na Itália de Mussolini e na Alemanha de Hitler. As populações famintas, esquálidas, quase cadavéricas erguiam os braços e entregavam-se, corpo, alma, família e honra, ao títere bem falante, gesto arrebatador, autoproclamado “Enviado de Deus”, para salvar a Pátria. E aí, abriam o cortejo os pendões das igrejas. “O poder de Hitler pôde recorrer a fortes elementos de crença pseudo-religiosa – diz Ian Kershaw - traduzida num misticismo de salvação e renascimento nacionais, em parte com indubitável origem no declínio da religião institucional”.

         Uma outra circunstância (e tem sido frequentemente obliterada pelos analistas) contribuiu ardilosamente para a instauração de uma mentalidade, primeiro flexível, depois submissa e finalmente servil, cegamente curvada ao poder autoritário: a mortífera epidemia, denominada “gripe espanhola”, que dizimou milhões de pessoas. O estudo comparativo com a pandemia actual revela-nos um tremendo somatório de restrições, confinamentos, quarentenas, em tudo semelhantes às agora prescritas. Não são despropositadas, muito pelo contrário, as precauções de certos observadores quando chamam a atenção para um fenómeno de fácil e natural acomodação das mentalidades aos receituários imperativos emanados das instituições hierárquicas…  O império do medo gratuito, até supersticioso, o clima pesado e asfixiante que se respira são ingredientes apetecíveis para a ‘aparição’ de feirantes do verbo, ‘pregoeiros da verdade’, enfim, pigmeus opados e logo logo ditadores. Os nomes desses sósias nazis andam por aí espalhados pelos diversos continentes, se calhar nas ilhas!

         Volvidos 76 anos sobre o Holocausto e sobre as vítimas de todos os tempos, resta-nos o privilégio de uma visão clara e interpretativa da fenomenologia circundante, sem nunca permitir-lhe que nos seja envolvente, rodopiante, narcototizante. Nunca deixaremos que esta pandemia se torne o crematório da Democracia!

         Para consolidar dentro e fora de nós este superior desiderato, transcrevo o testemunho do eminente historiador Ian Kershaw sobre a trajectória dos serventuários do Fuhrer:

         “Durante vários anos tinham vivido satisfeitos por verem os seus poderes, carreiras, ambições e aspirações dependerem exclusivamente de Hitler. Agora sentiam que as agruras que estavam a passar eram consequências da loucura e dos actos criminosos de Hitler. De líder idolatrado, cuja visão utópica tinham seguido com todo o fervor, Hitler passou a ser o bode expiatório que atraiçoara a confiança deles e os seduzira, através do brilhantismo da sua retórica, a transformarem-se em cúmplices indefesos dos seus planos bárbaros”.

         É o merecido fim a que chegam todos os ditadores e os seus subservientes apaniguados.

Pela nossa parte, aqui fica o voto robusto ao 27 de Janeiro de todos os tempos:

Cumprir o nosso lugar, sacrificar o nosso comodismo, manter a saúde pública, mas sempre de braço erguido empunhando a bandeira da Liberdade!

 

         25.Jan.21

         Martins Júnior

            

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