sábado, 5 de novembro de 2022

DA BÍBLIA: CARNE DE PORCO MATA SETE IRMÃOS E UMA MÃE

                                                                         


    O título parece arrancado aos tais tabloides do Incrível, do Diabo ou dos correios da manha, tão do agrado do vulgo ignaro. Caso para perguntar se será por isso que o LIVRO está pejado de cenas similares, dado que os seus destinatários não são as elites mas as massas plebeias. O caso que ocupa

este fim-de-semana os crentes regulares da liturgia passou-se aí pelos anos 120 a-C., o que me leva a crer que, se acontecesse uns cento e cinquenta anos depois, o clarividente Nazareno nunca permitiria tamanha sangria de suicídios.

         De suicídios, sublinho. Porque, não obstante a bárbara sentença de um assassino rei pagão, Antíoco, fica patente, no decurso da narrativa, a aceitação pura e simples da sentença e, mais do que aceitação, prevalece a opção do martírio à da manducação de uma ligeira refeição de carne de porco. Tratou-se, portanto, de um suicídio opcional, a coberto de um assassinato governamental.

         Para melhor e directo conhecimento, recomenda-se a leitura do II Livro dos Macabeus, capítulo VII.

         É, no mínimo e/ou no máximo, horripilante e, ao mesmo tempo, estóico, heróico, sobre-humano o cenário daquele cadafalso (séculos mais tarde a Inquisição eclesiástica fez o mesmo) em que uma mãe, rodeada dos seus sete filhos, entrega-os às chamas, à tortura, à mutilação, acabando por entregar-se ela própria à morte mais ignominiosa, só por recusar-se a comer…carne de porco!!!

         Analisado o trágico acontecimento à luz das actuais categorias pensamentais – filosóficas, teológicas, antropológicas -  é evidente tratar-se de uma brutal desproporcionalidade entre o direito inalienável e indisponível ao valor-vida face à proibição de comer do pacífico suíno, relegado irremediavelmente para a desqualificada secção de ‘animal impuro’ No entanto, há que situarmo-nos no tempo, no lugar e no modo circunstancial em que tudo aquilo acontece. Ceder, fosse em que fosse, ao rei Antíoco, invasor e opressor da soberania hebreia – simultaneamente soberania monárquica teocrática – seria abdicar da mais genuína identidade patriótica e, no caso vertente, muito mais que isso, significaria abjurar da sagrada Lei de Moisés e tornar-se réu no tribunal do “Senhor Deus dos Exércitos”. Aliás, outro valor mais alto se alevantava: a imortalidade e, no Além, a recuperação dos membros mutilados e da vida amputada neste mundo.

         Respeitando a idiossincrasia dos povos pré-existentes à nossa era, o sangrento massacre da mãe e dos sete filhos macabeus abre-nos um infinito oceano conceptual que tanto pode levar-nos a um abismo como a um amplo horizonte de ideias, debates e conclusões.

         Como sempre, deixo a quem me lê as velas pandas do pensamento, da dúvida e da criatividade para lançar-se ao mar alto da investigação, ainda que estritamente pessoal. Da minha parte, cada vez mais considero as religiões o melhor e o pior que ao homem se lhe deparam. Tanto nos levam aos sétimos anéis do Saturno olímpico como nos sufocam na mais humilhante cegueira e no mais irrecuperável alzheimer da consciência autónoma. Quem puder livrar, que se livre… procure a verdadeira ascese, a espiritualidade humanista de Jesus de Nazaré!... Confrange-me também  e abate-me a confiança na inteligência humana ver – ‘com olhos vistos’ – os labirintos pastosos e os pios embustes com que certas religiões entretêm os viventes do século XXI.

         Obrigado, Macabeus, pela oportunidade que nos destes!     

           

         05.Nov.22

         Martins Júnior

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