O
título parece arrancado aos tais tabloides do Incrível, do Diabo ou dos
correios da manha, tão do agrado do vulgo ignaro. Caso para perguntar se será
por isso que o LIVRO está pejado de cenas similares, dado que os seus
destinatários não são as elites mas as massas plebeias. O caso que ocupa
este
fim-de-semana os crentes regulares da liturgia passou-se aí pelos anos 120 a-C., o que me leva a crer que, se
acontecesse uns cento e cinquenta anos depois, o clarividente Nazareno nunca
permitiria tamanha sangria de suicídios.
De suicídios, sublinho. Porque, não
obstante a bárbara sentença de um assassino rei pagão, Antíoco, fica patente,
no decurso da narrativa, a aceitação pura e simples da sentença e, mais do que
aceitação, prevalece a opção do martírio à da manducação de uma ligeira
refeição de carne de porco. Tratou-se, portanto, de um suicídio opcional, a
coberto de um assassinato governamental.
Para melhor e directo conhecimento,
recomenda-se a leitura do II Livro dos Macabeus, capítulo VII.
É, no mínimo e/ou no máximo,
horripilante e, ao mesmo tempo, estóico, heróico, sobre-humano o cenário
daquele cadafalso (séculos mais tarde a Inquisição eclesiástica fez o mesmo) em
que uma mãe, rodeada dos seus sete filhos, entrega-os às chamas, à tortura, à
mutilação, acabando por entregar-se ela própria à morte mais ignominiosa, só
por recusar-se a comer…carne de porco!!!
Analisado o trágico acontecimento à luz
das actuais categorias pensamentais – filosóficas, teológicas, antropológicas -
é evidente tratar-se de uma brutal
desproporcionalidade entre o direito inalienável e indisponível ao valor-vida
face à proibição de comer do pacífico suíno, relegado irremediavelmente para a
desqualificada secção de ‘animal impuro’ No entanto, há que situarmo-nos no
tempo, no lugar e no modo circunstancial em que tudo aquilo acontece. Ceder,
fosse em que fosse, ao rei Antíoco, invasor e opressor da soberania hebreia –
simultaneamente soberania monárquica teocrática – seria abdicar da mais genuína
identidade patriótica e, no caso vertente, muito mais que isso, significaria
abjurar da sagrada Lei de Moisés e tornar-se réu no tribunal do “Senhor Deus
dos Exércitos”. Aliás, outro valor mais alto se alevantava: a imortalidade e,
no Além, a recuperação dos membros mutilados e da vida amputada neste mundo.
Respeitando a idiossincrasia dos povos
pré-existentes à nossa era, o sangrento massacre da mãe e dos sete filhos
macabeus abre-nos um infinito oceano conceptual que tanto pode levar-nos a um
abismo como a um amplo horizonte de ideias, debates e conclusões.
Como sempre, deixo a quem me lê as
velas pandas do pensamento, da dúvida e da criatividade para lançar-se ao mar
alto da investigação, ainda que estritamente pessoal. Da minha parte, cada vez
mais considero as religiões o melhor e o pior que ao homem se lhe deparam.
Tanto nos levam aos sétimos anéis do Saturno olímpico como nos sufocam na mais
humilhante cegueira e no mais irrecuperável alzheimer da consciência autónoma.
Quem puder livrar, que se livre… procure a verdadeira ascese, a espiritualidade
humanista de Jesus de Nazaré!... Confrange-me também e abate-me a confiança na inteligência humana
ver – ‘com olhos vistos’ – os labirintos pastosos e os pios embustes com que
certas religiões entretêm os viventes do século XXI.
Obrigado, Macabeus, pela oportunidade
que nos destes!
05.Nov.22
Martins
Júnior
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