No 1º dia do ano
litúrgico – e foi hoje, 1º Domingo e Dia de Ano Novo para a Igreja - paira uma infância renascida no ar que
respiramos, na iluminação serôdia trepando as árvores dos jardins urbanos, na
decoração dos templos e das casas comerciais que nos enchem os olhos e trazem a
ilusão de cobrir-nos todo o corpo.
No âmbito deste Senso&Consenso, é o LIVRO que
serve de inspiração e logo hoje com o
sonho dourado de Isaías Profeta, um sonho malogradamente frustrado, diga-se de
verdade, pois que após a anunciada vinda do Messias nada mudou no desconcerto
das nações, continuaram os povos a adestrar-se para a guerra, enfim, um Advento
gélido pela inflação e pelo solo da Ucrânia.
Entretanto, a atmosfera
regional aqueceu-se e fez mover mentalidades adversas – e é aí que o mundo
aquece e avança – cujo epicentro surgiu a partir de uma criteriosa reflexão do
Prof. Dr. Nelson Viríssimo, secundada pelo Padre José Luís Rodrigues, um
espírito sempre aberto ao sopro do Espírito. A par das muitas opiniões
concordantes, outras tantas foram as divergentes, embora ficasse evidente a
ligeireza fundamentalista e, daí, a fragilidade da argumentação das teses divergentes.
Em causa estavam - e estão sempre –
questões relacionadas com os canonizados, os denominados “santos” canónicos, e
o culto das chamadas “relíquias” dos mesmos, tão em voga itinerante na Madeira.
Não podia eu ficar
indiferente a tão delicado quanto incisivo ‘item’ ético-cultual e cultural,
dado que está em jogo, para o bem e para o mal, a fé de milhões, biliões de
crentes em todo o mundo. Aqui estou eu, portanto, a apresentar, em linhas
gerais e directas, a minha declaração de princípios sobre as duas questões.
Quanto ao culto dos
Santos, apraz-me citar o grande historiador Fortunato de Almeida, na sua
monumental História da Igreja em Portugal
(1930) na edição dirigida e
revista pelo Prof. Damião Peres (1967), onde se lê: “Os nossos antigos cronistas
dão o epíteto de Santos a muitos
varões que certamente se distinguiram pela sua piedade, mas dos quais não
consta que fossem canonizados pela Igreja”. (Volume I, pág.258). Inteiramente de acordo. E o seu contrário,
também. Não tenho o menor pejo em afirmar que os santos que estão nos altares
não representam mais que uma gota de água no oceano de “uma multidão
incontável” (como se lê no Apocalipse)
de pessoas boas, os verdadeiros Santos, que este mundo produziu. São muito mais
os Santos que não estão nos altares do que os que lá estão.
É uma evidência o que acabo de afirmar,
sobretudo se tivermos em conta a complexidade do processo de canonização no
Vaticano, com sessões longas e onerosas, inquéritos multiplicados, disputas
retóricas que exigem o denominado “Cardeal-Diabo”, oponente oficial à proposta
de canonização, enfim, um ‘batalhão’ de intervenientes, todos pagos a preços
consideráveis, o que pressupõe volumosos orçamentos e generosos financiadores
de todo este processo. De onde se conclui que um cristão pobre sem sponsors, por muito virtuoso que seja,
nunca chega à peanha de um altar. A própria Cúria Romana tem-se encarregado de
criar plataformas especiosas e diferentes alcavalas que mais e mais complicam o
processo.
A este propósito, convém
consultar o Diccionario Teologico
Enciclopedico (Editorial Verbo Divino, 1995, Estella, Navarra) que nos dá
informações preciosas, tais como: “Durante toda a Idade Média não se conhece
nenhuma distinção entre os títulos de ‘beato’ e de ‘santo’. Hoje a beatificação
constitui um acto prévio à canonização. Os primeiros testemunhos de uma
intervenção papal na canonização remontam aosfinais do século X. Na história,
os procedimentos para as causas de canonização estão ligados aos nomes de Sixto
V (1588), de Urbano VIII (1642) e de
Próspero Lambertini, mais tarde Papa Bento XIV. O procedimento actual está
regulamentado pela Constituição Apostólica Divinus
Perfectionis Magister de João Paulo II (1983). Nas canonizações a Igreja
exerce a sua autoridade, realizando-se,
então, um acto do Magistério infalível e absoluto do Romano Pontífice”. (pág.125).
Não deixa de ser
exemplarmente elucidativa esta evolução factual que cada Pontífice entendeu
introduzir na casuística processual canónica para chegar a algo tão diáfano e
transparente como isto: Tal homem é santo, tal mulher é santa!... Formidável
sentença! Aqui dou toda a carga semântica inerente ao qualificativo
“Formidável”. Perante toda esta versatilidade de métodos e requisitos, há quem se
questione, em termos de dúvida cartesiana, à procura da verdade: ”Quem é um
homem para poder nomear Santo um outro homem?”.
Por outro lado, ao
compulsar o evangelista Mateus na narrativa do Juízo Final, sou obrigado a
concluir que o que conta para o Julgador Supremo é única e exclusivamente o que
fizemos neste planeta durante a vida terrestre. Ninguém será julgado pelo que eventualmente
fizer depois da morte. Está escrito, Ele o disse “Tive fome e deste-me de
comer. Tive sede e destes-me de beber. Era um sem-abrigo e vós recolhestes-me
nas vossas casas”…É por este Código que um homem, uma mulher ganharão (ou
não) o estatuto de canonizado, por direito
próprio. Segundo o que está escrito, não há Código B Se os homens forjaram outro Código, outros cânones,
outros normativos extra-vagantes, ainda que edificantes,. então é lícito e
legítimo questionar. É o que está a acontecer neste início do Advento. Em tempo
oportuno e adequado. Paulo recomenda-nos
hoje, como outrora fizera aos Romanos, que nos fardemos com o uniforme e as armas
da Luz. E a maior arma é o conhecimento, não o fundamentalismo ignorante e, por
isso, atrevido.
A terminar esta primeira
parte (o caso das ‘relíquias’ fica para outro dia), seja-me permitido lembrar
que os julgadores hierarcas também erram, ,caso de Jeanne d’Arc, condenada à
fogueira pela autoridade eclesiástica e só mais tarde – 489 anos depois – foi
declarada ‘Santa’. Ainda neste capítulo e para melhor esclarecimento, seria
sumamente importante e talvez surpreendente analisar o processo de canonização,
a sua génese e o seu desfecho, de Monsenhor José Maria Escrivá, patrono do
‘Opus Dei«, a organização dos católicos milionários.
Sem prejuízo das
homenagens devidas aos santos canonizados, ergamos na ara do nosso pensamento e
da nossa sensibilidade, a multidão apocalíptica daqueles e daquelas (talvez
vivam à nossa beira) os Santos Anónimos para quem foi instaurada a Grande Festa do 1º de Novembro.
Ao Prof. Dr. Nelson
Viríssimo e ao Padre José Luís Rodrigues, as melhores congratulações por terem
aberto a autoestrada do debate que nos levará
à conquista da Verdade.
27.Nov.22
Martins Júnior
Bom dia...... Tenho lido as publicações do Padre Rodrigues. Muito oportunas.... Mas, como ajudar as pessoas a serem santas, mesmo aquelas que nunca chegarão os altares?
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