segunda-feira, 28 de novembro de 2022

SANTOS E RELÍQUIAS – UMA LUMINOSA AUTOESTRADA PARA O ADVENTO

                                                                                  


No 1º dia do ano litúrgico – e foi hoje, 1º Domingo e Dia de Ano Novo  para a Igreja -  paira uma infância renascida no ar que respiramos, na iluminação serôdia trepando as árvores dos jardins urbanos, na decoração dos templos e das casas comerciais que nos enchem os olhos e trazem a ilusão de cobrir-nos todo o corpo.

No âmbito deste Senso&Consenso, é o LIVRO que serve  de inspiração e logo hoje com o sonho dourado de Isaías Profeta, um sonho malogradamente frustrado, diga-se de verdade, pois que após a anunciada vinda do Messias nada mudou no desconcerto das nações, continuaram os povos a adestrar-se para a guerra, enfim, um Advento gélido pela inflação e pelo solo da Ucrânia.

Entretanto, a atmosfera regional aqueceu-se e fez mover mentalidades adversas – e é aí que o mundo aquece e avança – cujo epicentro surgiu a partir de uma criteriosa reflexão do Prof. Dr. Nelson Viríssimo, secundada pelo Padre José Luís Rodrigues, um espírito sempre aberto ao sopro do Espírito. A par das muitas opiniões concordantes, outras tantas foram as divergentes, embora ficasse evidente a ligeireza fundamentalista e, daí, a fragilidade da argumentação das teses divergentes. Em causa estavam  - e estão sempre – questões relacionadas com os canonizados, os denominados “santos” canónicos, e o culto das chamadas “relíquias” dos mesmos, tão em voga itinerante na Madeira.

Não podia eu ficar indiferente a tão delicado quanto incisivo ‘item’ ético-cultual e cultural, dado que está em jogo, para o bem e para o mal, a fé de milhões, biliões de crentes em todo o mundo. Aqui estou eu, portanto, a apresentar, em linhas gerais e directas, a minha declaração de princípios sobre as duas questões.

Quanto ao culto dos Santos, apraz-me citar o grande historiador Fortunato de Almeida, na sua monumental História da Igreja em Portugal (1930) na edição dirigida e revista pelo Prof. Damião Peres (1967), onde se lê: “Os nossos antigos cronistas dão o epíteto de Santos a muitos varões que certamente se distinguiram pela sua piedade, mas dos quais não consta que fossem canonizados pela Igreja”. (Volume I, pág.258). Inteiramente de acordo. E o seu contrário, também. Não tenho o menor pejo em afirmar que os santos que estão nos altares não representam mais que uma gota de água no oceano de “uma multidão incontável” (como se lê no Apocalipse) de pessoas boas, os verdadeiros Santos, que este mundo produziu. São muito mais os Santos que não estão nos altares do que os que lá estão.

 É uma evidência o que acabo de afirmar, sobretudo se tivermos em conta a complexidade do processo de canonização no Vaticano, com sessões longas e onerosas, inquéritos multiplicados, disputas retóricas que exigem o denominado “Cardeal-Diabo”, oponente oficial à proposta de canonização, enfim, um ‘batalhão’ de intervenientes, todos pagos a preços consideráveis, o que pressupõe volumosos orçamentos e generosos financiadores de todo este processo. De onde se conclui que um cristão pobre sem sponsors, por muito virtuoso que seja, nunca chega à peanha de um altar. A própria Cúria Romana tem-se encarregado de criar plataformas especiosas e diferentes alcavalas que mais e mais complicam o processo.

A este propósito, convém consultar o Diccionario Teologico Enciclopedico (Editorial Verbo Divino, 1995, Estella, Navarra) que nos dá informações preciosas, tais como: “Durante toda a Idade Média não se conhece nenhuma distinção entre os títulos de ‘beato’ e de ‘santo’. Hoje a beatificação constitui um acto prévio à canonização. Os primeiros testemunhos de uma intervenção papal na canonização remontam aosfinais do século X. Na história, os procedimentos para as causas de canonização estão ligados aos nomes de Sixto V  (1588), de Urbano VIII (1642) e de Próspero Lambertini, mais tarde Papa Bento XIV. O procedimento actual está regulamentado pela Constituição Apostólica Divinus Perfectionis Magister de João Paulo II (1983). Nas canonizações a Igreja exerce  a sua autoridade, realizando-se, então, um acto do Magistério infalível e absoluto do Romano Pontífice”. (pág.125).

Não deixa de ser exemplarmente elucidativa esta evolução factual que cada Pontífice entendeu introduzir na casuística processual canónica para chegar a algo tão diáfano e transparente como isto: Tal homem é santo, tal mulher é santa!... Formidável sentença! Aqui dou toda a carga semântica inerente ao qualificativo “Formidável”. Perante toda esta versatilidade de métodos e requisitos, há quem se questione, em termos de dúvida cartesiana, à procura da verdade: ”Quem é um homem para poder nomear Santo um outro homem?”.

Por outro lado, ao compulsar o evangelista Mateus na narrativa do Juízo Final, sou obrigado a concluir que o que conta para o Julgador Supremo é única e exclusivamente o que fizemos neste planeta durante a vida terrestre. Ninguém será julgado pelo que eventualmente fizer depois da morte. Está escrito, Ele o disse “Tive fome e deste-me de comer. Tive sede e destes-me de beber. Era um sem-abrigo e vós recolhestes-me nas vossas casas”…É por este Código que um homem, uma mulher ganharão (ou não)  o estatuto de canonizado, por direito próprio. Segundo o que está escrito, não há Código B  Se os homens forjaram outro Código, outros cânones, outros normativos extra-vagantes, ainda que edificantes,. então é lícito e legítimo questionar. É o que está a acontecer neste início do Advento. Em tempo oportuno e adequado.   Paulo recomenda-nos hoje, como outrora fizera aos Romanos, que nos fardemos com o uniforme e as armas da Luz. E a maior arma é o conhecimento, não o fundamentalismo ignorante e, por isso, atrevido.

A terminar esta primeira parte (o caso das ‘relíquias’ fica para outro dia), seja-me permitido lembrar que os julgadores hierarcas também erram, ,caso de Jeanne d’Arc, condenada à fogueira pela autoridade eclesiástica e só mais tarde – 489 anos depois – foi declarada ‘Santa’. Ainda neste capítulo e para melhor esclarecimento, seria sumamente importante e talvez surpreendente analisar o processo de canonização, a sua génese e o seu desfecho, de Monsenhor José Maria Escrivá, patrono do ‘Opus Dei«, a organização dos católicos milionários.

Sem prejuízo das homenagens devidas aos santos canonizados, ergamos na ara do nosso pensamento e da nossa sensibilidade, a multidão apocalíptica daqueles e daquelas (talvez vivam à nossa beira) os Santos Anónimos para quem  foi instaurada a Grande Festa do 1º de  Novembro.

Ao Prof. Dr. Nelson Viríssimo e ao Padre José Luís Rodrigues, as melhores congratulações por terem aberto a autoestrada do debate que nos levará  à conquista da Verdade.

 

27.Nov.22

Martins Júnior

    

 

                                                                

1 comentário:

  1. Bom dia...... Tenho lido as publicações do Padre Rodrigues. Muito oportunas.... Mas, como ajudar as pessoas a serem santas, mesmo aquelas que nunca chegarão os altares?

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