“Os meus pensamentos não são os vossos pensamentos nem os
vossos juízos são os meus juízos”. Vem de longe, desde o século VIII A.C., esta
dicotomia programática que define linhas opostas de pensamento. Séculos mais tarde, ficará plasmada em acção concreta a mesma antítese comportamental, quando um certo patrão pagou o
mesmo soldo a dois operários com diferente prestação laboral; ao que trabalhou nove
horas e ao que só prestou uma hora de serviço. O mesmo salário.
Foram as duas propostas
do LIVRO para este início de semana, a última de Setembro. Consulte-se-o, em
Isaías, 55,6-9, e Mateus, 20, 1-16. Dois
olhares sobre a mesma realidade, duas sensibilidades diametralmente opostas e
duas atitudes inconciliáveis, porque diversas na raiz e no fruto.
Durante vários dias – de
21 a 25 – tem sido este o guião interpretativo que me faz ver, rever, revisitar
todas as noites a longa metragem do Realizador João Brás, exibida em
ante-estreia, no Forum Machico, sucinta e expressivamente titulada de MÈRE.
De todos os ângulos e de
todas as ponta por onde se queira medir
ou definir o trabalho de João Brás, reconduzir-se-ão todas a um mesmo denominador
comum: O duelo dos contrates! E é a
partir do microcosmos doméstico - as quatro paredes de casa – que tudo
acontece: uma mãe ferida de um alzheimer profundo, o epicentro que desencadeia
o ´terramoto’ privado, e os dois filhos em
duelo aceso, irredutível.
Daquele
recanto indiferenciado na paisagem o drama salta e reflecte-se no tecido social,
relevando os contornos civilizacionais (ou o seu contrário) da sociedade global:
a juventude vs maturidade, a saúde vs doença, a força vs fragilidade,
enfim, a alegria exterior, arraialesca vs tristeza anónima, incurável, inelutável.
De
todo o acervo antitético que enformaa a narrativa, o núcleo dramático que
sobressai condensa-se no duelo vivo entre a sensibilidade humanista, atenta ao
sofrimento alheio, por um lado e, por outro, a indiferença radical, autista e
descomprometida, ambas as aitudes personificadas pelos dois irmãos, o mais
velho e o mais novo, respectivamente.
É
aqui que emerge a, talvez exageradamente
chamada, Economia de Francisco Papa, cujos parâmetros incidem contra a Economia
que mata e a Globalização da Indiferença.
Aliás, a crueza de certas cenas, algumas repetidas (sem, contudo, raiar os excessivos paroxismos de Mel Gibson ou
Alfred Hitchcok) interpretei-a precisamente como sinal de alarme para despertar
as consciências e libertá-las da letargia egoísta que mina a sociedade
contemporânea.
Sem
prejuízo de análises ulteriores, estas de índole científica sobre as patologias
neurodegenerativas e outras de teor específico reservadas aos cinéfilos e
críticos da Sétima Arte, o mérito da MÈRE, o mais impressivo e duradouro,
aquele que ficará para sempre inscrito no subconsciente latente activo dos
espectadores será o grito apolalíptico de
entre-ajuda mútua, mesmo nada esperando daquele ou daquela a quem dedicámos a
nossa sensibilidade e o nosso esforço gratuito.
A dedicação do filho mais
velho roça o heroismo, tendo interrompido o seu caminho de sucesso na vida,
sacrificando tudo quando trouxe a Mãe para a Madeira (a longínqua ‘lua-de-mel’
que ela sempre lhe recordara) e, sobretudo, o estertor inconsolável, desesperado
com que termina a longa metragem.
Ninguém saíu como entrou
naquela sala: vi lágrimas nos olhos de
quem ali esteve, lia-se nos semblantes o bater das emoções, enfim, o filme cumpriu
a sua meta: um serviço à Humanidade.
Se me for permitido,
observaria apenas a desnecessidade do recurso aos palavrões identificativos de
uma juventude ‘rasca’, embora lhes reconheça a verosimilhança factual. Também,
como confidenciei ao próprio realizador no fim da sessão, sentir-me-ia intimamente
reconfortado se o drama intenso e realista terminasse, não direi com um
protocolar happy end, mas com um halo de esperança e um sopro de optimismo
prevalecente por sobre os dias e as noites de sofrimento inglório. Mas a opção nuclear
foi aquela que, com nota superior, presidiu à realização.
Na pessoa do Produtor Diogo
Teotónio e do Realizador João Brás, a nossa Gratidão e Homenagem a todos os
artífices desta inesquecível MÈRE, iniciativa de dois promissores jovens
madeirenses.
Reatando a matriz inicial
desta singela apreciação da causa principal, tudo na vida depende do olhar com
que se vê o mundo – global e local – do pensamento e do juízo com que se pega a
realidade que nos cerca e define. Tinha razão o LIVRO. Desde o século VIII A.C..
E continua a tê-la na condução da história.
21-25.Set.23
Martins
Júnior
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