sábado, 17 de julho de 2021

UM “COMÍCIO” DO PROFETA JEREMIAS !

                                                                                    


Se toda a semana é mais um troço de viagem, seja ela caminhada no deserto ou escalada de montanha, chegamos ao fim  e sentimos que Sábado e Domingo são aquele oásis de conforto e auto-descoberta da condição existencial em que dia-a-dia nos movemos. A água fresca e a sombra das palmeiras acolhedoras – e, por vezes, agitadas – vamos encontra-las nas páginas do LIVRO, por excelência.

         Para este fim-de-semana, temos a crónica (há 2700 anos!) do ramerrão comum a todos os regimes e a todas as nações, coincidentemente com a trepidação que agita os dias de hoje. Trata-se da dialéctica inerente a todos os movimentos: políticos, económicos, culturais e sociais. Muito cirurgicamente no que concerne aos líderes e às crises de liderança. Momentos há tão nevrálgicos e decisivos para a vida de um país ou de uma religião, cuja solução passa inevitavelmente pela substituição dos seus titulares. No texto de Jeremias Profeta, eles são designados por pastores. Vejamos a frontalidade de Iahveh e a  dureza da  terapêutica aplicada:

         “Ai dos pastores que perdem e dispersam as ovelhas do meu rebanho! Sou Eu mesmo que lhes vou pedir contas. Eu reunirei o resto das minhas ovelhas dispersas e fá-las-ei voltar às suas pastagens para que cresçam e se multipliquem. Dar-lhes-ei pastores que as apascentem e não mais terão medo nem sobressaltos nem se perderá nenhuma delas. Farei surgir um rei verdadeiro que governará o país com sabedoria e exercerá o poder no direito e na justiça”. (Jeremias, 23, 1-6).

         Este foi o tempo de Josias e seus descendentes no trono, os quais levaram Israel à ruína, ao ponto de serem os exércitos desbaratados e o povo feito escravo do rei Nabucodonosor, da Babilónia, durante 70 anos, (século VII a/C).

         É a realidade de todos os tempos: os maus administradores da grei devem ser exonerados, escorraçados do lugar que ocupam e substituídos por outros que “governem no pleno exercício do direito e da justiça”. Não há outro antídoto nem vacina mais eficaz Nem há volta  a dar. É o LIVRO que nos fornece a receita. 

Mas há uma abissal distância de métodos e de acção. No Velho Testament6o – monarquia teocrática – fez-se crer ao povo que Deus era quem punha e dispunha dos impérios e nações, era Deus-Iahveh quem comandava os exércitos, enfim, era o mesmo que nomeava e destituía os monarcas, os líderes, tanto na vertente religiosa como na acção política.

         Hoje, é o povo que tem nas suas mãos o poder soberano. Assim deveria ser, sobretudo nos dois âmbitos já citados: na própria hierarquização dos poderes decisórios, tanto nas questões de índole confessional e administrativa, como nos requisitos para a boa condução da “pólis”.

         Quanto à primeira alínea – os pastores - temos visto os esforços do Papa Francisco com vista à participação de leigos e clérigos na reforma da Igreja, não obstante a destemperada e obsoleta oposição dos “corvos do Vaticano”, os cardeais. A chave do sucesso nesta área consiste na assunção, por parte dos cristãos, do seu papel interventivo na orgânica da Igreja, segundo a linha teológica do dominicano Yves Congar e do grande Hans Kung.

         Relativamente à segunda - os chefes, os líderes, os governantes – vem este texto bíblico na hora exacta. A transformação da sociedade está nas mãos dos “sócios”, isto é, dos constituintes da soberania e dos seus representantes. Já vem de longe o veredicto  que “um fraco rei faz fraca a forte gente”.

O Profeta Jeremias, enquanto interpretava a presença interventiva  de Iahveh  no rumo da sociedade israelita, não deixava de verberar com notória agressividade os monarcas, os sumos sacerdotes  e os juízes que desviavam os seus concidadãos do objectivo fulcral da governação, o “bem-estar global da população”.

Para bom intérprete, a lição hodierna do LIVRO abre-nos um outro Livro mais profundo e cortante – o da consciência cívica colectiva – que nos mobiliza até às raízes de nós próprios. E se a ingenuidade mítica da civilização hebraica endossava a Iahveh o desempenho que aos mortais competia, agora, três milénios volvidos, é tempo de entendermos, à vista desarmada, que o Justo Juiz da Humanidade deposita em nós o poder de mudar (quando necessário) os maus-pastores, os maus-líderes, os maus-condutores, até que as populações vivam sem medo nem sobressaltos” e se instaure à nossa volta o primado do “direito e da justiça”.

 

17.Jul.21

Martins Júnior

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