Ultrapassadas as folias barrocas,
falaciosamente alcunhadas de Natal e Reis Magos (Belém está morta e sepulta há
100 dias), regresso ao LIVRO, onde nos é patenteado no primeiro dia da semana o
episódio em que o Nazareno, com trinta anos de idade e no início de uma vida
aberta ao público, procura colaboradores e simpatizantes para a arriscada
campanha do seu projecto reformador da sociedade judaica. Convida Pedro,
André, João, Tiago, Bartolomeu e, entre os Doze, contacta com um jovem especial –
Ele o disse – ao qual saúda com uma simpatia e uma emoção invulgares, expressas
neste discurso directo: “Ora, aqui está um verdadeiro israelita, autêntico,
genuíno, sem sombra de hipocrisia”. A nenhum outro teceu semelhante elogio. E
agregou-o logo ao grupo. Seu nome próprio: Netanyahu.
Há
nomes, outrora conceituados, quase sagrados, que hoje nos arrepiam, só de
ouvi-los. Neste caso:: Israel, Neta Messias (associado a Jair Bolsonaro) e
Netanyahu. Que diria o mesmo Jesus acerca do homónimo assassino de 24.000
palestinianos, entre eles quase 10.000 crianças, conterrâneas do Menino de
Belém?!...
Hipocrisia e sadismo – o mínimo que se pode dizer – mostraram-no os ecrãs do dia 6 de Janeiro, o Dia de Natal dos Cristãos Ortodoxos, mais precisamente na catedral de Moscovo. Poucas palavras, para não encobrir o hediondo, o contra-natura dos factos e dos actos praticados pelos facínoras protagonistas em palco: O patriarca Kirilos, paramentado com a opulência imperial das casulas bordadas a ouro, alça aos céus os círios flamejantes, balança em redondas volutas o incenso capitoso, enquanto escancara o mote gutural do Gloria in excelsis ao Menino Nascido em Belém e logo o coro levanta as bizantinas arcadas do templo. Um festival de fé mágica, de um misticismo retintamente oriental para um povo rendido, comovido, ‘fidelíssimo’ ao Menino.
Mas não é esse o protagonista e chefe de
orquestra daquele mítico “baile de máscaras”. É outro. E está bem na vanguarda
do fiel rebanho russo, reunido naquela assembleia festiva. Benze-se, curva-se. ajoelha-se e logo põe vela
super-reverente em honra do Menino, antes de falar ao piedoso auditório. Tem nome
sonante: Vladimir Putin, ex-chefe do KGB, presidente da Federação, Superior Hierárquico
do Patriarca Kirilos e Comandante Supremo das Forças Armadas. O mesmo, Vladimir Putin, que nessa noite matou
(fê-lo o seu exército) várias crianças em território ucraniano.
Não
consigo continuar. A emoção e a repulsa paralisam-se as mãos. Só me lembra o
LIVRO, de novo, quando Herodes e Pilatos, que “eram inimigos, mas no dia em que julgaram e
condenaram Jesus tornaram-se amigos”. (Lucas, 23, 12). Putin e Netanyau
estão nos antípodas, um do outro. Rússia e Israel são rivais. Mas ambos associam-se
no infanticídio, um na Ucrânia, outro na Cisjordânia. Ambos cobertos com a sacrílega
cortina da religião.
Para
completar a minha indignação sofrida, olho perto e longe e, em diversa
proporção, recolho esta amarga conclusão: é para isto que servem e é nisto que
convergem as religiões institucionais. Todas, todas, todas!
13-15,Jan.24
Martins
Júnior
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