Era uma fagulha de sol. Ali foi o seu nascente. E após as
quase 32000 rotações que o planeta deu em seu redor, ali chegou e aí fez o seu
poente.
E
isso me basta. Recordá-lo para tê-lo presente. Não lhe moio a doce memória com qualificativos
e superlativos que ele bem os merece, mas dispensa-os agora. Dessem-lhos em
vida para, ao menos, neutralizar os
muitos drones que teve de enfrentar, a maior parte deles, de onde menos se
esperava.
Enquanto
não chega a minha hora, retenho o que tantas vezes me dizia: “Lembras-te,
Martins, que entrámos no mesmo dia e à mesma hora no Seminário Menor?!”. Há 73
anos. Depois, perdemo-nos de vista e voltámos a encontrar-nos na Zambézia,
Moçambique, mais precisamente em Quelimane, onde foi ordenado sacerdote. Ele, no
nobre ideal de missionário e eu na humilhante e forçada função de oficial capelão
da tropa portuguesa na guerra colonial. Após décadas ao serviço dos emigrantes
nos EUA, reentrou na sua ilha, onde educou ‘gente ajudando gente’. Eternamente
grato me confesso pelas vezes que veio celebrar a Eucaristia ao povo da Ribeira Seca. Fê-lo sempre pro bono,
como era seu apanágio.
Gentil
e cívico como era, não recusaria mas intimamente dispensaria as honrarias tributadas
pela hierarquia no seu funeral, após o ostracismo de requinte (e às vezes,
grosseiro) com que a mesma hierarquia o tratou. Eu estava lá e vi. E ouvi-lhe a
sentida mágoa. Nada de novo no ritual farisaico de certas exéquias, como a do
Grande Padre Mário Tavares Figueira.
Neste
abraço ao colega octogenário, envolvo outros dois inesquecíveis amigos, o Pe.
José Manuel de Freitas (ordenado no mesmo dia comigo pelo bispo David de Sousa
em 15 de Agosto de 1962) e o extraordinário Pe. Dr. João Arnaldo Rufino da
Silva, nosso eminente professor. Ambos
falecidos, mas para mim sempre vivos e recordados neste 19 de Janeiro, dia do
seu aniversário natalício.
A
fagulha ardente que mantinha aceso o coração do Bernardino só tem agora um destino,
como chama olímpica na nossa mão. De contrário, de nada valem incensos e
mausoléus. Continuar a sua obra, no silêncio dos dias e neste breve episódio da
vida, é a expressão exacta desse sol que não conhece poente.
17-19.Jan.24
Martins Júnior
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