domingo, 19 de março de 2023

A PIDE DO SÉCULO XX E A INQUISIÇÃO DO SÉCULO XVII NUM JULGAMENTO DE HÁ DOIS MIL ANOS

                                                                            


          Normativos do Código Penal oficial:

         Art.: 1º - A sentença já está lavrada: O Réu sai sempre condenado.

         Art.: 2º - As testemunhas discordantes são excluídas e/ou punidas..

         Art..: 3º - O Réu não tem direito a contraditório nem a recurso.

         Art.:  4º -  Nos casos omissos, remete-se para o Art.: 1ª.

 

         É a moldura processual de todos os códigos da ditadura. Desde tempos imemoriais, em todas civilizações e regimes onde a prepotência define o poder, aí ‘os dados estão lançados, sem apelo nem agravo e a justiça não passa de uma farsa travestida de togas negras ou paramentos vermelhos.

Se nos amedrontamos ainda hoje com as condenações sumárias da Pide salazarista e se nos queimam o cérebro as chamas da fogueira que os bispos franceses atearam ao corpo da jovem Jeanne d’Arc, proponho então a leitura do LIVRO (é fim-de-semana), capítulo 9, 1-41, narrado por João, Apóstolo e  Evangelista.

Personagens: um cego de nascença, protagonista do caso, curado pelo Nazareno, está intimado a negar, primeiro, o benefício alcançado e, mais importante, proibido de anunciar publicamente quem foi o seu autor. Na insistência positiva do ‘cego’, os juízes convocam os pais que, timidamente e sob a ameaça do poder do Templo, decidem-se pela abstenção, alegando que o filho é maior e tem direito a opinar sobre o caso. Chamam de novo o ‘milagrado’ que reitera o testemunho inicial. Por fim, é insultado, condenado e expulso da comunidade judaica.

É o ´clássico´ dos julgamentos subservientes ao poder ditatorial. Vale a pena reler o texto bíblico e nele detectar o cinismo capcioso dos Sumos-Sacerdotes que subrepticiamente delegam nos comparsas fariseus  a urdidura e o términus do processo inquisitorial.

Quando a tramitação do processo fica sob a alçada do poder religioso, então  o refinamento da práxis jurídico-canónjca atinge foros de um absolutismo inenarrável. Até chegar ao cúmulo de condenar um súbdito ou uma comunidade sem processo formado! Sei do que falo e a história confirma, sobretudo quando estão incestuosamente conectados o poder político e poder religioso.

Mais uma vez, nihil sub sole novi…

Por coincidência cronológica - e, para nós, simbólica, quase profética – a mensagem do LIVRO, lida e meditada em todo o orbe católico, evoca o atentado da aliança político-religiosa regional contra a igreja e povo da Ribeira Seca, em 1985, quando 70 efectivos policiais logo na madrugada de 27 de Fevereiro e sem mandado judicial devassaram adro, templo e residência paroquial. Volvidos, porém, 18 dias e 18 noites de ocupação ilegal – ocupação selvagem,  pode dizer-se -  abandonaram o local (também de madrugada!) no memorável 18 de Março de 1985. Fez ontem precisamente 38 anos!

Solidarizando-me com o ‘Cego Vitorioso’ do texto joanino e saudando na mesma data o glorioso “Dia do Pai”, não posso deixar de enviar as mais emotivas congratulações à valorosa comunidade da Ribeira Seca por mais este aniversário de uma luta digna da personalidade resiliente das suas gentes!

 

19.Mar.23

Martins Júnior

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