terça-feira, 21 de março de 2023

“AS ÁRVORES MORREM DE PÉ” – UM EMBONDEIRO, ENXERTO DE CAFEZEIRO

 

             


Memorável Dia da Árvore, que se entrelaça com a Poesia!

         Entronizada no pódio da civilização, saudamo-la, a Árvore, conjuntamente a floresta, o bosque, o arbusto, a raiz, ramo, folhas, flores e frutos, todo o universo botânico que faz a terra mais verde e a vida mais bela

         À hora em que escrevo, uma Árvore gigante ficará definitivamente transplantada no Campo Santo de Campo Maior. Sublinho ‘transplantada’ - porque Rui Nabeiro, já no chão dos viventes, sempre foi aquela Árvore firme e frondosa, sempre agarrada à terra, em cujo redor todos, do maior ao mais pequeno, respiravam saúde física e mental, mais o verde da esperança.

         Os media encheram o país dos merecidos encómios expressos, quer pelas mais altas patentes do Estado, quer  pelo povo anónimo\campomaiorense. Daqui de longe, recolho o tríplice legado que nos deixa:

Primeiro:: O homem, o lugar, a condição. É o homem que eleva (ou rebaixa) o lugar e a condição em que nasceu. De uma terreola raiana do Alentejo profundo, ele fez a capital de um grande império e da sua condição proletária ergueu-se, a pulso, atingindo o galarim internacional  da riqueza e da fama. Daí, a minha ousadia de defini-lo como o embondeiro enxertado na humilde espécie da planta-cafezeiro. “Foi o café que me levou a  todo o mundo” – disse-o o próprio em recente entrevista.

         Segundo: A concepção do lucro. Enquanto para o grosso dos investidores só há lucro no volume do papel venável, nos depósitos bancários ou na opulência imobiliária, ele ultrapassou a metálica fasquia financeira e descobriu um outro estádio lucrativo: o da cultura,  do humanismo solidário e da felicidade global. Atesta-o, entre outras, a criação do   Centro Educativo ‘Alice Nabeiro’ para os filhos dos trabalhadores. O escritor José Luís Peixoto, no revelador romance Almoço de Domingo, inspirado em Rui Nabeiro, exprime-o claramente: “Destacaria nele o optimismo e a crença na possibilidade de construirmos alguma coisa melhor não só nas nossas condições pessoais e imediatas, mas no sentido de deixar um mundo melhor do que aquele que recebemos”. É este um lucro maior!

         Terceiro: A complementaridade entre Capital e Trabalho. A antinomia radical entre estes dois vectores indissociáveis da economia e que estão na génese de conflitos intermináveis, porque aparentemente inconciliáveis, ele resolveu-a na base do pensamento (conhecendo-o ou não) de Leão XIII através da Encíclica Rerum Novarum, publicada em 15 de Maio de 1891, há mais de um século, e que se formula no seguinte normativo: “A função social do capital e da propriedade privada”. Foi o que ele realizou, substituindo a clássica pirâmide burocrática da empresa, de Max Weber, pelo associativismo integrante entre patrão-operário, fazendo de cada trabalhador um co-produtor identificado com a empresa à qual vende a força do seu braço de trabalho, porque ambos, proporcionalmente, partilham dos lucros. Ele demonstrou factualmente que se pode ganhar riqueza distribuindo riqueza. Um projecto imbatível para os detentores do capital dos tempos actuais, onde impera a exploração desenfreada, sem escrúpulos! Lição oportuna  para aqueles que, no caso vertente em Portugal, se opõem à proposta “Mais Habitação” que faz das casas devolutas uma hipótese viável para as graves carências no sector!

         Rui Nabeiro deu nome e rumo à sua empresa – DELTA – designação que nos transporta ao livro do poeta Egito Gonçalves, O Amor Desagua em Delta, cuja mensagem aponta para a abertura altruísta - individual e social - em contraste com  o egoísmo hermético das classes dominantes. Ao empresário campomaiorense pode estender-se o primeiro parágrafo do Sermão da Montanha, quando se refere aos “pobres em espírito”. Ele, sendo rico, não reteve para si o que para outros é o bem maior: o dinheiro.

         Foi com um travo de emoção que revi, na RTP, o Dr. Mário Soares (de braço fracturado ao peito) entregar a Comenda do Mérito a Rui Nabeiro em 10 de Junho de 1995, no Pavilhão Rosa Mota, no Porto, a mesma cerimónia em que me foi atribuída idêntica distinção, num outro registo, pelo mesmo Presidente da República. Nos cumprimentos que então trocámos, sensibilizou-me a transparência do olhar e o sorriso sem mácula.

         O chamado “Pai de Campo Maior” partiu no Dia do Pai e sepulta-se hoje, Dia da Árvore e Dia da Primavera, prenúncio de que os valores que nos legou frutificarão em todas as estações da vida de quantos continuam a rota da existência.

E porque a Poesia tem hoje a sua morada cronológica, só me resta atribuir à memória de Rui Nabeiro aquele galardão que só às almas grandes está reservada: AS ÁRVORES MORREM DE PÉ!!!

 

         21.Mar.23

         Martins Júnior

2 comentários:

  1. Que excelente homenagem vista e sentida de dentro para fora, da interioridade de um homem do profundo Alentejo que, também como as árvores, merceu morrer de pé. Belo!

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  2. Acredite..... mas este texto cheira a café do bom! Senti no paladar e nas narinas....

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