Memorável Dia da Árvore, que se entrelaça com a Poesia!
Entronizada
no pódio da civilização, saudamo-la, a Árvore, conjuntamente a floresta, o
bosque, o arbusto, a raiz, ramo, folhas, flores e frutos, todo o universo botânico
que faz a terra mais verde e a vida mais bela
À hora em que escrevo, uma Árvore
gigante ficará definitivamente transplantada no Campo Santo de Campo Maior.
Sublinho ‘transplantada’ - porque Rui Nabeiro, já no chão dos viventes, sempre
foi aquela Árvore firme e frondosa, sempre agarrada à terra, em cujo redor todos,
do maior ao mais pequeno, respiravam saúde física e mental, mais o verde da
esperança.
Os media encheram o país dos
merecidos encómios expressos, quer pelas mais altas patentes do Estado, quer pelo povo anónimo\campomaiorense. Daqui de
longe, recolho o tríplice legado que nos deixa:
Primeiro::
O homem, o lugar, a condição. É o homem que eleva (ou rebaixa) o lugar e a
condição em que nasceu. De uma terreola raiana do Alentejo profundo, ele fez a
capital de um grande império e da sua condição proletária ergueu-se, a pulso, atingindo
o galarim internacional da riqueza e da
fama. Daí, a minha ousadia de defini-lo como o embondeiro enxertado na humilde espécie
da planta-cafezeiro. “Foi o café que me levou a
todo o mundo” – disse-o o próprio em recente entrevista.
Segundo: A concepção do lucro.
Enquanto para o grosso dos investidores só há lucro no volume do papel venável,
nos depósitos bancários ou na opulência imobiliária, ele ultrapassou a metálica
fasquia financeira e descobriu um outro estádio lucrativo: o da cultura, do humanismo solidário e da felicidade global.
Atesta-o, entre outras, a criação do Centro
Educativo ‘Alice Nabeiro’ para os filhos dos trabalhadores. O escritor José
Luís Peixoto, no revelador romance Almoço de Domingo, inspirado em Rui Nabeiro,
exprime-o claramente: “Destacaria nele o optimismo e a crença na possibilidade
de construirmos alguma coisa melhor não só nas nossas condições pessoais e
imediatas, mas no sentido de deixar um mundo melhor do que aquele que
recebemos”. É este um lucro maior!
Terceiro: A complementaridade
entre Capital e Trabalho. A antinomia radical entre estes dois vectores indissociáveis
da economia e que estão na génese de conflitos intermináveis, porque aparentemente
inconciliáveis, ele resolveu-a na base do pensamento (conhecendo-o ou não) de
Leão XIII através da Encíclica Rerum Novarum, publicada em 15 de Maio de
1891, há mais de um século, e que se formula no seguinte normativo: “A
função social do capital e da propriedade privada”. Foi o que ele realizou,
substituindo a clássica pirâmide burocrática da empresa, de Max Weber, pelo
associativismo integrante entre patrão-operário, fazendo de cada trabalhador um
co-produtor identificado com a empresa à qual vende a força do seu braço de
trabalho, porque ambos, proporcionalmente, partilham dos lucros. Ele demonstrou
factualmente que se pode ganhar riqueza distribuindo riqueza. Um projecto imbatível
para os detentores do capital dos tempos actuais, onde impera a exploração
desenfreada, sem escrúpulos! Lição oportuna para aqueles que, no caso vertente em
Portugal, se opõem à proposta “Mais Habitação” que faz das casas devolutas uma
hipótese viável para as graves carências no sector!
Rui Nabeiro deu nome e rumo à sua
empresa – DELTA – designação que nos transporta ao livro do poeta Egito
Gonçalves, O Amor Desagua em Delta, cuja mensagem aponta para a abertura
altruísta - individual e social - em contraste com o egoísmo hermético das classes dominantes. Ao
empresário campomaiorense pode estender-se o primeiro parágrafo do Sermão da
Montanha, quando se refere aos “pobres em espírito”. Ele, sendo rico, não
reteve para si o que para outros é o bem maior: o dinheiro.
Foi com um travo de emoção que revi, na
RTP, o Dr. Mário Soares (de braço fracturado ao peito) entregar a Comenda do
Mérito a Rui Nabeiro em 10 de Junho de 1995, no Pavilhão Rosa Mota, no Porto, a
mesma cerimónia em que me foi atribuída idêntica distinção, num outro registo, pelo
mesmo Presidente da República. Nos cumprimentos que então trocámos,
sensibilizou-me a transparência do olhar e o sorriso sem mácula.
O chamado “Pai de Campo Maior” partiu
no Dia do Pai e sepulta-se hoje, Dia da Árvore e Dia da Primavera, prenúncio de
que os valores que nos legou frutificarão em todas as estações da vida de
quantos continuam a rota da existência.
E
porque a Poesia tem hoje a sua morada cronológica, só me resta atribuir à
memória de Rui Nabeiro aquele galardão que só às almas grandes está reservada:
AS ÁRVORES MORREM DE PÉ!!!
21.Mar.23
Martins Júnior
Que excelente homenagem vista e sentida de dentro para fora, da interioridade de um homem do profundo Alentejo que, também como as árvores, merceu morrer de pé. Belo!
ResponderEliminarAcredite..... mas este texto cheira a café do bom! Senti no paladar e nas narinas....
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