Porque não é curial nem
de longe se me ajeita deixar os “casos”
pelas pontas, volto hoje a um apontamento lateral que produzi num dos blogs e
entrevistas anteriores e que deverá ter suscitado alguns reparos, julgo eu, de
liturgistas e tradicionalistas. A propósito dos crimes de pedofilia na Igreja,
anotei alguns pormenores visuais que podem configurar-se como uma outra
exploração cénica da criança: o acolitado infanto-juvenil no altar.
Faz
parte das técnicas publicitárias ( chamam-lhes markting) recorrer, não
raras vezes, à criança-objecto como estratagema fácil para anunciar e vender
tal ou qual produto, para prestigiar uma organização e, daí, comover o grande
público. A este propósito, um dos mais destacados estudiosos italianos da
psique, Vittorino Andreoli, denuncia frontalmente: “Atrás da sobre-exposição
das crianças na televisão não está de forma alguma um verdadeiro interesse por
elas, mas uma exploração sagaz da sua imagem e da ternura que sabem suscitar
para objectivos que nada têm a ver com a infância, antes vislumbrando nela um negócio
particularmente rentável”. O autor vai mais longe quando titula estas
observações num registo deveras acusatório: “A Criança Lava Mais Branco”. ( Do
Lado Das Crianças”, pag.148).
São
de todos os gostos e de inesgotável criatividade imagética os ‘tiros’ que nos
elegem como alvos privilegiados os ecrãs
caseiros, mas um, muito habilmente, capta a nossa atenção e, em muita
gente, a simpatia: é quando entram no rectângulo de futebol as grandes equipas
e lá vêm as crianças-anãs trazidas pela mão dos gigantes lutadores, elas
como cabides autómatos de uma farda que
lhes enfiaram no ‘balneário’. Respeitando opinião contrária, considero uma
sub-reptícia (sagaz) exploração das crianças, uma espécie de mini-robots, em
palco inapropriado, muito pior num recinto onde o linguajar ‘vernáculo´não
conhece censura.
Subjacente
a este figurino está o ultrapassado conceito do homúnculos – a criança vista com um adulto em miniatura.
Sempre foi a tendência dos regimes autocráticos, açambarcadores da
personalidade individual e, portanto, cerceadores da liberdade, do crescimento
saudável, autónomo. Basta lembrarmo-nos da velha ‘Mocidade Portuguesa’ do
Estado Novo, com as crianças das escolas, os ‘lusitos’, fardadinhos a preceito,
desfilando nas paradas oficiais. Ridicule, mais charmant – é o caso. O
mesmo acontece com outros agrupamentos, públicos e privados, ainda hoje,
talhadas as crianças com a alfaiataria imposta da organização. Enfim, sempre a
massificação da sociedade, a partir da mais tenra idade.
Suponho
ter esclarecido a minha interpretação, nada abonatória do acolitado infantil.
Feitas as devidas adaptações, parecem-me artificiais e também abusivas da
subjectividade de uma criança aquelas ‘alvas’ moldadas sob os rigorosos
figurinos eclesiásticos, como mini-diáconos em cenas milimetricamente
premeditadas num grande palco transformado em altar. A criança tem o seu lugar
na Igreja, mas (segundo me parece) não ali, em ambiente puramente teatral e
desadequado à sua dimensão. Preferencialmente ao lado dos pais, da família, dos
colegas.
Deixem as crianças livres
de protocolos formais. Lá virá o tempo de fazerem opções. No reino da botânica,
como na vida, não se devem transplantar
as flores mimosas senão quando chegar a estação própria. Até para evitar-se a
degradação do jardim e, na vida,
insatisfação e revolta.
Respeitando quem pensa
diferente, termino com a mensagem de uma
obra esclarecedora dedicada a este mesmo tema,
superiormente expressa num título-desabafo de uma criança: “SOLTEM-ME”!
03.Mar.23
Martins Júnior
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