O
recheio que hoje trago à nossa mesa virtual - peço aos meus acompanhantes dos
‘Dias Ímpares’ - considerem uma adenda ao blogue anterior, recordando que ao
Papa Francisco dei o (para uns apoucado, para mim supremo) cognome de “Elo mais
fraco”, sendo ele, paradoxalmente, “O mais Poderoso” da cadeia hierárquica. Em
certa medida, Jorge Bergoglio aproxima-se do seu protótipo, Aquele que, nos
braços da própria Mãe, foi definido pelo ancião vidente Simeão como “um sinal de contradição:
libertação para uns, ruína para outros”.
É de duas faces ocultas o elo mais
fraco: física e ontologicamente é o que menos conta na férrea armadura coerciva
da corrente que segura ou comprime tudo à sua volta; em contrapartida, ele é o
mais ´poderoso´ na consistência da
corrente, visto que dele depende a integridade do todo e, daí, a robustez
interna do sistema e toda a sua eficácia externa. Por ser o mais frágil, pode
abrir, compulsiva ou deliberadamente, as portas da Liberdade a quem vive
acorrentado.
Pouco ou nada sabem os milhões de
crentes católicos sobre a secreta política administrativa do Vaticano.
Desconhecem a tensão acesa, sob a majestosa Cúpula do Capitólio Romano, entre
dois blocos: o dos conservadores cardinalícios, chefiados pela dupla “Emérito
Ratziger/Carrdea Pell,
já falecidos, e actualmente pelo
duríssimo cardeal alemão Gerhard Muller que, entre outras acusações, chama
ditador ao Papa, quando afirma publicamente que “no círculo mágico em redor da
Casa de Santa Marta não há liberdade de expressar críticas a Francisco”. O
outro bloco residente na cúria romana, embora em minoria, mantém-se solidário na
visão reformista de Bergoglio. Ninguém imagina a guerra surda que já está
agitando os labirintos do futuro Consistório que votará um novo Papa. Ainda
Francisco está vivo e no Vaticano já se contam espingardas para a mesa do voto
consistorial…
Se apenas se limitassem a meros
episódios de jogos florais made in Vaticano, de pouco valeriam estas
lutas intestinas. A gravidade do problema está na obstrução cerrada,
ostensivamente declarada pela ala
conservadora contra o sonho do homem
“que veio do fim do mundo”: fazer regressar a Igreja Católica às verdadeiras
fontes do Evangelho, priorizando os pobres, abraçando a natureza, cheirando à
terra, promovendo a inclusão, desinfectando altares e solidéus, combatendo
carreirismos e, directamente, extinguindo o poder absoluto do “papado
fundamentalmente monárquico”, segundo a expressão do teólogo Richard
Gaillardetz.
De
onde se conclui que os piores inimigos da mensagem de Francisco Papa residem na
sua própria casa de Roma, a seguir vêm os seus embaixadores (os tais núncios
apostólicos) no estrangeiro, muitíssimos
bispos-reizinhos nos palacetes das dioceses e são os padres e fiéis piedosos
aos quais não convém a transparência saudável do Nazareno. Os media de
todos os países têm feito eco das barreiras que os próprios dignitários da
Igreja opõem sistematicamente às novas propostas do Papa, entre as quais a
ordenação de padres casados na Amazónia, em documento aprovado no sínodo local
brasileiro, mas chumbado na cúria vaticana. Indubitavelmente, Francisco Papa,
sendo o mais poderoso, continua o elo mais fraco.
Para quem voltar-se, então, o Supremo-Chefe e o Mais frágil Servo da
Igreja, Servus Servorum Dei ?...
Não há outra luz neste obscuro túnel dogmático senão a outra Igreja – a
Igreja Militante, o Povo crente, em oposição à Igreja Triunfante dos medalhados
funcionários eclesiásticos!... Por isso, recorreu ao conceito prático-dinâmico
da “Sinodalidade”, que terá o seu climax mais impressivo no Congresso Sinodal
Mundial, em Setembro p.f., e onde – espera-se – serão reveladas as ressonâncias
do Espírito nos diversos estratos – tão iguais e tão diferentes - da enorme vastidão de toda a Cristandade, dispersa pelo
mundo. Francisco aguarda ansiosamente as respostas dos católicos de todas as
sensibilidades e de todas as etnias.
“O
Espírito sopra onde quer”, diz o texto sagrado. Já que as elites faustosamente
instaladas no Vaticano querem prender a fala e os braços do Papa, sejamos nós, os
que moramos fora das muralhas romanas, a assimilar o Espírito evangélico e não
termos medo de pisar as falaciosas ‘linhas vermelhas’, tal como fez Jesus de
Nazaré face aos hierarcas de Jerusalém. O Papa agradece. Porque ele não pode
fazê-lo de imediato, delega em nós, destinatários de todas as reformas da Igreja,
essa tarefa inadiável.
Sejamos
bandeirantes, humildes mas corajosos, deste sonho de Francisco, ainda que
recaiam sobre as nossas cabeças os anátemas dos canónicos juristas diocesanos. Se
estes nos condenarem, o Supremo Pontífice absolver-nos-á! Há casos exemplares.
Trago um, bem patente aos olhos de todos: o Padre José Luís Rodrigues chamou o
Padre Giselo Andrade como seu colega e colaborador nas paróquias de São Roque e
São José, com o agrado dos cristãos paroquianos. Quando o Papa souber deste
caso, ficará sumamente grato e dirá: “Estes já puseram em prática a exortação
que proferi sobre o celibato eclesiástico, reconhecendo o Sacramento da Ordem a
padres casados”.
É
apenas um exemplo parcelar no vasto coro de temas basilares da nossa crença. Avancemos
para outros que estejam ao nosso alcance. É nisto que consiste o apelo sinodal
do líder cristão da Cátedra de Roma.
Perguntou-lhe
um jornalista se sentia feliz e ele respondeu: Sim, sou feliz”! .Talvez
porque fez – continua a fazer - a sua parte. Mas quanto ao desempenho da Igreja
hierárquica e de muitos católicos de base, tenho para mim que a sua resposta
seria a mesma que deu o nosso Prémio Nobel da Literatura: Vou morrer
amargurado. .Pelo que falta fazer.
Ajudemos
Francisco a morrer sereno, afortunado. Porque
ele – o elo mais fraco – quebrou as algemas da ditadura eclesiástica e abriu os
portões da Liberdade do Povo de Deus!
15.Mar,23
Martins Júnior
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