Aconteceu, já lá vão duas décadas. Após a missa e o almoço de confraternização dos camaradas pertencentes ao Batalhão combatente.. em Cabo Delgado, Moçambique entre 1967-1969, passámos por Fátima, na precisa hora em que decorria a habitual e sempre extasiante procissão da despedida, com milhares de lenços brancos a acenar, qual revoada colossal de asas dançantes voando até à Imagem de gesso ou madeira alvacenta, levada aos ombros por entre a multidão alvoroçada.
Por mais dura que seja a sensibilidade
do espectador, jamais ficará indiferente, impassível perante a vastidão ondulante
em que se vê mergulhado. O pensamento deixa de sê-lo transforma-se em emoção
inteira, transbordante.
Mas “há sempre alguém que resiste”. Eu
estava lá e tentei resistir à emoção.
Pensei em Maria de Nazaré, a jovem mãe
de dezasseis anos de idade, a mãe solícita, a vizinha sensível às carências de
quem vive perto, Aquela que subiu à montanha ajudar a prima Isabel, grávida na
velhice, Aquela que pediu ao Filho o ‘milagre’ da água transformada em vinho
para que não se frustasse a alegria nas bodas de Caná, uma festa de casamento
de gente pobre, trabalhadora. Maria, a Mulher igual às outras mulheres,
indiferenciada, na aparência , no traje,
no semblante.
Aos colegas ex-militares que comigo
presenciavam o cenário inebriante de milhares de braços no ar em aclamação da
Imagem, sussurrei baixinho (não fosse alguém censurar-me) estoutra emoção, uma
pergunta sem resposta: “Se Maria, Mãe de Jesus, Aquela de Belém, de Nazaré, de
Caná da Galileia, passasse agora por aqui no meio da multidão, Ela mesma, a
autêntica, no seu traje humilde, ‘do cote’, e viesse um anjo lá das alturas dizer
às pessoas: ‘Esta senhora é que é a verdadeira Mãe de Jesus, não aquela imagem”
– achais, amigos, que o mar de lenços brancos voltar-se-ia para Ela?... Ou,
pelo contrário, continuariam a cortejar a Imagem no andor – e quanto à outra, a verdadeira, Ela passaria incógnita,
anónima, sem alguém que lhe desse crédito?!...
Pergunta sem resposta. Só depois de
muita reflexão.
E
se, em vez da escultura de José Tedim, fosse a da Senhora das Dores, da
Conceição, da Luz, do Livramento, do Amparo, dos Remédios, do Calhau, da
Aparecida, Guadalupe, etc., etc., etc., sairia assim a multidão numa ovação
idêntica à da Senhora de Fátima?...
A
pergunta é também dirigida a qualquer crente, peregrino ou não peregrino.
Apenas adicionada com esta sinalética preventiva: Todas – centenas, milhares –
são a mesma, uma só, Maria de Nazaré, esteja Ela onde estiver!
13-14.Mai.23
Martins
Júnior
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