domingo, 14 de maio de 2023

REMINISCÊNCIAS DE UM 13 DE MAIO NA COVA DA IRIA

 

    


Aconteceu, já lá vão duas décadas. Após a missa e o almoço de confraternização dos camaradas pertencentes ao Batalhão combatente.. em Cabo Delgado, Moçambique entre 1967-1969, passámos por Fátima, na precisa hora em que decorria a habitual e sempre extasiante procissão da despedida, com milhares de lenços brancos a acenar, qual revoada colossal de asas dançantes voando até à Imagem de gesso ou madeira alvacenta, levada aos ombros por entre  a multidão alvoroçada.

          Por mais dura que seja a sensibilidade do espectador, jamais ficará indiferente, impassível perante a vastidão ondulante em que se vê mergulhado. O pensamento deixa de sê-lo transforma-se em emoção inteira, transbordante.

          Mas “há sempre alguém que resiste”. Eu estava lá e tentei resistir à emoção.

          Pensei em Maria de Nazaré, a jovem mãe de dezasseis anos de idade, a mãe solícita, a vizinha sensível às carências de quem vive perto, Aquela que subiu à montanha ajudar a prima Isabel, grávida na velhice, Aquela que pediu ao Filho o ‘milagre’ da água transformada em vinho para que não se frustasse a alegria nas bodas de Caná, uma festa de casamento de gente pobre, trabalhadora. Maria, a Mulher igual às outras mulheres, indiferenciada,  na aparência , no traje, no semblante.

          Aos colegas ex-militares que comigo presenciavam o cenário inebriante de milhares de braços no ar em aclamação da Imagem, sussurrei baixinho (não fosse alguém censurar-me) estoutra emoção, uma pergunta sem resposta: “Se Maria, Mãe de Jesus, Aquela de Belém, de Nazaré, de Caná da Galileia, passasse agora por aqui no meio da multidão, Ela mesma, a autêntica, no seu traje humilde, ‘do cote’, e viesse um anjo lá das alturas dizer às pessoas: ‘Esta senhora é que é a verdadeira Mãe de Jesus, não aquela imagem” – achais, amigos, que o mar de lenços brancos voltar-se-ia para Ela?... Ou, pelo contrário, continuariam a cortejar a Imagem no andor – e quanto  à outra, a verdadeira, Ela passaria incógnita, anónima, sem alguém que lhe desse crédito?!...

          Pergunta sem resposta. Só depois de muita reflexão.

E se, em vez da escultura de José Tedim, fosse a da Senhora das Dores, da Conceição, da Luz, do Livramento, do Amparo, dos Remédios, do Calhau, da Aparecida, Guadalupe, etc., etc., etc., sairia assim a multidão numa ovação idêntica à da Senhora de Fátima?...

A pergunta é também dirigida a qualquer crente, peregrino ou não peregrino. Apenas adicionada com esta sinalética preventiva: Todas – centenas, milhares – são a mesma, uma só, Maria de Nazaré, esteja Ela onde estiver!

 

13-14.Mai.23

Martins Júnior      

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