terça-feira, 16 de maio de 2023

O TERCEIRO “D” EM MACHICO DESDE 1440

                                                                                 


Continuam os reflexos da Semana do Concelho de Machico, em boa hora instaurada no dia 8 de Maio – a histórica data do nascimento de Machico para o quadro orgânico-administrativo do país por meio da Carta de Doação de Machico a Tristão Vaz Teixeira como Primeira Capitania, outorgada pelo  Infante Dom Henrique, em 8 de Maio de 1440, dez anos antes da Capitania do Funchal. Continuam as comemorações na semana que ora começa com a abertura da Feira do Livro.

No penúltimo escrito considerei (e hoje confirmo) Machico como laboratório e ex-libris exemplar dos três “D” – Descolonizar, Democratizar, Desenvolver – os ideais da Revolução dos Cravos. Como prometido, farei do terceiro “D” a inspiração e objecto do presente texto: o Desenvolvimento. Porque, mas não só, à míngua de argumentos sólidos, os detractores da belíssima estância, alcandorada nos poemas épicos Insulana de Manuel Tomás e Zargueida de Francisco de  Paula Medina de Vasconcellos, arregimentam-se os ditos olhares enviesados recorrendo aos velhos tiros de pólvora seca de que ‘Machico não tem desenvolvimento’. É a bobine, estafadamente rebobinada há quase 50 anos, que “Machico é o terceiro mundo” e até “o quarto”, ouvi eu de um já encalhado secretário regional de outras eras.

Pois bem, sem pretender defender tese na matéria, o que se questiona em primeira mão é o conteúdo do decantado “Desenvolvimento”. Para os detractores desenvolver é tão-só “betonar”, se possível fazer de Machico um decalque do afogado Puerto Rico canariano, impermeabilizando toda a paisagem desse a baía até ao Pico do Facho.  Não me sai da memória o que me observou o abalizado arquitecto Siza Vieira, presente em Machico a meu pedido, em 1993, como a gravura documenta, em reunião nos Paços do Concelho, precisamente há trinta anos: ” Presidente trate-me isto (a faixa do cais e toda A zona ribeirinha) trate-me isto com pinças”.

O que se viu depois, sob a megalómana batuta dos ‘desenvolvimentistas’? Muralhar, vedar o amplo anfiteatro de Machico com um bruto tapume de betão, a que deram o pomposo nome de “Forum”. Passaram à zona do cais e zás, assassinaram a beleza ímpar dos baixios milenares com o desaterro de um monstro erguido no centro da cidade e, logo, a safra do betão em sofreguidão. Mais adiante, o ma gosto, cego e surdo, atirou para o frontespício verde da baía mais uma amostra de elefante branco que baptizaram como “etar”-terminal de águas residuais, mas o povo que tem olfacto apurado deu-lhe o expressivo título de hotel da m…., devido aos maus cheiros que exala em tempo quente.

Poderia adicionar outros ‘tesourões deprimentes’, mas fico-me por aqui, sem esquecer que no ano de 1997 ouvi da boca do super-betonador da Ilha esta jura soleníssima a um conhecido empresário-patrão de empreendimento, na Quinta do Lord, Caniçal, em não menos solene cerimónia: “Tudo quanto a vossa firma pretender fazer aqui, tenha a certeza que o meu governo aprovará”. E o que saiu dali? Uma floresta de cimento em zona classificada como  Non aedificandi. Aproveito para informar a população e, directamente, a organização Cosmos que aquele bairro invasivo em zona Non  aedificandi - repito - foi feito à revelia da Câmara à qual então eu presidia. Além de que toda aquela extensa faixa ocupada pela Zona Franca  retirou aos habitantes do Caniçal o território de eleição para implantação natural do seu direito a habitação própria.

Machico faz a sua marcha na senda de um justo ordenamento urbanístico, adequado à sua dimensão e à simbiose entre mar e serrania com que tão sabiamente a natureza o dotou, sem agressões à paisagem, descontando os erros grosseiros que os actuais detractores cometeram e agora sem hipótese de retorno.

O concelho merece uma mais que positiva descriminação por parte da governação regional, tendo em conta a amputação que lhe foi feita pela mesma entidade para a construção do aeroporto, no superior interesse de toda a Madeira, é certo,  mas em detrimento de valiosíssimos equipamentos turísticos locais, como foi o caso da destruição do mais bem concebido  Aldeamento Turístico de Portugal, a Matur-Grão Pará. Machico ainda não foi ressarcido de tão prestimosa ´doação’  à Região e ao País. Venha a justíssima e almejada reparação dos danos, mas sem a proliferação de danos maiores, megalómanos, escandalosamente volumétricos, como muitos dos que são deferidos no Funchal.

O denominado wellfare de uma nação mede-se pelo bem-estar do seu povo, não pelos dinossauros de betão devoradores da paisagem e do ar que respiramos. E é neste programa de saúde e desporto, cultura e convivialidade que Machico investe no terreno. Sem alardes nem páginas de publicidade pagas do erário público. Após o Dia do Concelho, começa a Feira do Livro.

Foi sumamente gostoso estar com de Luís Represas, ao vivo, no último fim de semana, em Machico,  a sua voz límpida e sonora enchendo o Grande Largo, junto à praia, com o rumorejar das ondas em fundo orquestral. . E ouvi-lo recordar à multidão o dia em que cantou pela primeira vez nesta cidade, há 41 anos no palco aberto  da Ribeira Seca. Ele, Sérgio Godinho, Amélia Muge e o inolvidável TROVANTE. Aos quais poderíamos juntar Janita Salomé, Vitorino e os saudosos José Mário Branco e Pedro Barroso.

 

 

15-16.Mai.23

Martins Júnior

.


Sem comentários:

Enviar um comentário