domingo, 27 de setembro de 2020

APAREÇA QUEM SE LHE COMPARE!

                                                                       


Um guião para a semana. Para a vida. Para a história.

         Ele encanta. Ele remexe com as obscuras e confusas ambiguidades do debate. Ele enche e preenche os ânimos sedentos da luz, da higiene mental, da descoberta da Verdade. E é muito sério o caso em apreço.

         O filho do carpinteiro confronta-se com os Doutores da Lei, os Juízes Ancião do Povo e, ainda para cúmulo, com os Sábios da Escritura e Sumos Pontífices de Jerusalém. Em síntese: o Povo de peito aberto, pé descalço, posto à margem dos privilégios e dos acessos à honra pública, ao palco da sociedade. À sua frente, a “Nomenclatura”, os legisladores e julgadores, os predestinados ao Reino de Iavé e do mundo. Na gíria hebraica, era o pobre pegureiro David contra o supra-guerrilheiro Golias.

          O embate vinha de há anos. A “Nomenclatura” tinha urdido todos os esquemas e redes de pressão social para ostracizar o ajudante de carpintaria e, assim, retirar-lhe a enorme força de apoio, a chamada plebe palestiniana. Mas Ele conhecia o exército armado da dita “nomenclatura”. Feitas as contas,  era a transparência existencial, a franqueza de comportamentos e atitudes, era o Povo, frente à corrupção  envernizada, a hipocrisia mais requintada, a ‘podridão dos sepulcros, branqueados por fora’, como Ele próprio havia já  denunciado.

         O debate era público. Poderia o operário Nazareno arvorar o seu estro retórico de taumaturgo das multidões e fazer tremer ali os alicerces dos tribunais, das sinagogas, as colunas salomónicas do Templo de Jerusalém. Com o poder persuasivo da Palavra, poderia reduzir a escombros os magnatas do império sacro-moisaico ali presentes.  Mas não. Ali estava também o Povo a franja  dos párias,  excluídos da cultura oficial. Era preciso falar a sua linguagem

         Então, o operário pedagogo usa o mais simples e rasteiro vocabulário, ao interpelar os “monstros sagrados” de Jerusalém, recorrendo à cena familiar de um pai que pediu aos dois filhos ajuda para a vindima daquele ano: o que prometeu ir não foi. Aquele que inicialmente recusou o pedido paterno, esse é que esteve no campo a vindimar arduamente. “Que vos parece, vós, Doutores e Sumos Sacerdotes: qual dos dois filhos fez a vontade ao pai?”. E logo responderam os Sábios Juízes: ”Foi o segundo”.

         Estava aberto o debate e lavrada a sentença. Contra eles próprios e por sua própria boca. E o Mestre concluiu frontalmente: “No Meu Reino, vós não entrareis. Vós, Doutores da Lei, Sumos Sacerdotes, Fariseus, ficareis de fora. Sabeis quem vai entrar? Os publicanos, as prostitutas, todos aqueles e aquelas que vós condenais”. (Mateus, cap.21).        

         A fundamentação da sentença deu-a Ele mesmo, no texto citado que vale a pena consultar.

         Não sei que mais admirar neste episódio verdadeiramente estremecedor: se a fina inteligência do ‘discurso’, se a portentosa denúncia contra uma sociedade dominante e hipócrita, se a coragem de Alguém que não perde tempo com subterfúgios e argumentários sofisticados, como acontece actualmente, entre os que pretendem disfarçar escandalosas alianças aos olhos do vulgo ignaro.

Transpondo para os dias de hoje, apareça por aí quem se assemelhe a Jesus de Nazaré e, com palavras e factos, ajude a vindimar a Terra, purificá-la e dela extrair o sumo da Verdade. Ainda que para isso tenha de “ser espremido como as uvas no lagar”!

 

         27.Set.20

         Martins Júnior

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