quarta-feira, 9 de setembro de 2020

“ROBOTS” – ou - CIDADÃOS?

                                                                   


Uma vaga de esperança, mesmo que não passe de ilusória, invadiu a atmosfera desafiando o fantasma  - oxalá seja só fantasma – da ameaçadora segunda vaga do Covid, que em vez de catalogar-se de ‘19’ subirá um furo e passará a ‘Covid/20’. Refiro-me à reabertura das escolas, com a revoada de crianças e adolescentes que encherão de esperança e ventilação saudável o ambiente carregado em que vivemos.

         Mas há sempre um avejão quase sinistro a infiltrar-se no meio da sala de aula. É o “alma-negra” da desconfiança, do medo, da híper-escrupulose que põe toda a turma em estado de transe. Chamo-lhe “alma-negra” associando-o ao pássaro das nossas Ilhas Desertas, cuja cor e cujo voo à queima-roupa desestabilizam o visitante incauto.

Ora o dito bichinho voador apareceu por aí num denominado “Manifesto” de 100 asas, 100 (ou 200) mãozinhas angélicas,  acetinadas, tutelares. Assinaram um protesto contra um programa chamado “Cidadania”. Foram mais além e tomaram a forma daquele mítico réptil do paraíso edénico e amotinaram pais e filhos com este tremendo ameaço: “Não toquem nessa árvore, porque se a tocardes, ficareis sábios, esclarecidos, sabereis destrinçar o que é Bem e o que é Mal”!

         Já muito se tem escrito sobre o dito ”Manifesto”. De modo que vou ater-me apenas a dois marcos essenciais, qual deles o mais determinante.

         Primeiro. O programa escolar titulado de ‘Cidadania é aquele do qual nenhum aluno, nenhum homem, nenhuma mulher podem prescindir. Ousarei mesmo afirmar que ‘Cidadania’, numa escala de valores essenciais,  está antes da alfabetização, da especialização, de toda a gama de títulos académicos. ‘Cidadania” é a cadeira maior de todos os cursos. Precisamente porque ela ensina a circular nas grandes vias ou nos estreitos atalhos da vida. Ela é o ‘GPS’ de todo o “homem-em-situação”, de todo o migrante do planeta. Sem ela, seremos sempre uns desadaptados da sociedade, irremediavelmente infectados da terrível doença da anomia, como a classificou o eminente sociólogo Émile Durkheim, a qual patologia que desemboca, não raras vezes, no suicídio.

         A  área  de ‘Cidadania’ integra a verdadeira Universitas de saberes, tanto o metafísico como o científico e o experimental. Ela consubstancia a autêntica Universidade, no seu sentido mais profundo e abrangente. Ensina o jovem (toda pessoa, mas sobretudo o jovem imaturo) a posicionar-se perante a encruzilhada de valores e desvalores com que ele inelutavelmente terá  de  confrontar-se na babilónia dos dias, durante todos os anos que durar a sua trajectória  existencial. Sem a Cidadania’, teremos bons especialistas, sumidades sectoriais, peritos imbatíveis, cada qual  em seu saber particular e no segmento singularíssimo da sua profissão. Teremos géníos talvez  Prémios Nobel, astronautas, etc..  Em síntese: teremos robots infalíveis, mas não teremos CIDADÂOS! Já os antigos, na civilização greco-romana, consideravam o Trivium e o Quadrivium   como a “porta de entrada” para o ensino superior.

         O segundo marco desta breve abordagem estaciona diante do expoente máximo da hierarquia religiosa portuguesa, com sede em Lisboa. Também untou, com óleo cardinalício entre os dedos, o dito panfleto Anti-Cidadania. Aqui, por pruridos de odor sexual. Como se falar de ‘Cidadania’ fosse só falar de sexo…  Convém esclarecer que a sua assinatura não vincula os bispos de Portugal. Porque o tal Manifesto não foi à mesa da CEP, Conferência Episcopal Portuguesa, presidida pelo nosso conterrâneo, o bispo José de Ornelas, o qual (do quanto lhe conheço) nunca cairia numa tão escrupulosa quanto ridícula ingenuidade. De qualquer jeito que se lhe pegue, sempre sugeriria ao signatário purpurado lisbonense que lesse o seu homónimo, Clemente de Alexandria, o prestigiado e sábio bispo do século II (há 1800 anos!)  que sem traumas e desassombradamente ensinava os seus diocesanos nestes termos: “Porque é que havemos de ter vergonha de falar naquilo que Deus não teve vergonha de criar?”.

         Peço a quem me acompanha neste diálogo digital que complete o muito que eu desejaria desenvolver nesta tentativa pedagógica, sobretudo no que se refere à educação da adolescência e da juventude que se vêem sem defesa perante os emaranhados tempos que correm.

         E acima de tudo, a CIDADANIA!!!

        

09.Set.20

         Martins Júnior

Sem comentários:

Enviar um comentário