segunda-feira, 21 de fevereiro de 2022

‘COVID’ AQUÁTICO E ‘TSUNAMI’ INVISÍVEL NUMA ILHA DE CONTRASTES

                                                                    


        Enquanto lá fora é a ameaça Rússia, Donetsk, Lugansk versus Ucrânia, Europa, EUA, que domina a cena internacional, aqui dorme-se e estremunha-se em duas almofadas, qual delas a mais dura: os doze anos da trágica aluvião do 20 de Fevereiro de 2010 e os dois anos do coronavírus e seus derivados.

         Solidário com a Ilha, acompanho sem estrondo nem espectacularidade  os dois sobressaltos que sacudiram a pacata vivência dos nossos insulanos.  Nas duas tragédias colectivas  vejo identidades comuns e, do mesmo passo, comuns contradições. É, pois, da trincheira do ‘Pico do Facho’ (e de todos os Picos do Facho da Ilha)  que olho a paisagem de 2010 e compagino-a com a de 2020-2021/2022.

         Ao aluvião de 2010 chamo-o de ‘Covid Aquático’ e à pndemia actual classifico-a de ‘Tsunami Invisível’. Sejam quais as diferenças ou as contradições, um traço comum atravessa as duas efemérides: o fantasma da tragédia. Ambas mataram, ambas arrastaram vidas: umas, para o grande cemitério do mar salgado, o tal “salgado das lágrimas” caídas das faces dos madeirenses, Outras, sepultas na lama viscosa e profunda. E ainda outras desaparecidas para sempre.

         O “Covid Aquático”, o de 2010, é líquido, ruidoso e fero como o leão da selva, igual ao adamastor dos confins do mundo. O ‘Tsunami Invisível’, ao contrário, é silencioso, afável, entra na casa alheia sem ninguém dar por ele.

         O “Covid Aquático” toca a rebate e chama à Ilha o Primeiro-Ministro, o Presidente da República, Ministros e Secretários de Estado. O “Tsunami Invisível” dispensa aperaltadas visitas oficiais, deita-se só e só também acorda na cama do seu mais anónimo hospedeiro.

         O “Covid Aquático” é o gigante furioso que salta da montanha, tomba casas e terras e é tal o berro que até consegue do Rectângulo fabulosas toneladas de dinheiro. O “Tsunami Invisível” contenta-se com pouco, remete-se calado ao hotel-prisão do confinamento e, passados dois anos, até paga para “ir à ‘Junta Médica’ chamada Teste e Vacina.

         O “Covid Aquático” sabe quantos mortos fez. Mas o povo, observador e vítima, sabe que foram mais que os 47 anunciados pelas estatísticas regionais. O “Tsunami Invisível” tem também enterrado os seus mortos, cujo volume, dizem os governantes locais, “está sobrevalorizado”, porque são menos, muito menos, o normal. Mas os números não mentem e não param de subir: só nos 21 dias deste mês de fevereiro já lá foram 34 nossos conterrâneos!

         O “Covid Aquático”, passados 12 anos, ainda não curou as cicatrizes deixadas nas casas, nas pessoas, nas linhas de água. Inacreditável, imperdoável!  Quanto ao “Tsunami Invisível”, a nossa expectativa é que ele se aparte quanto antes da nossa porta, dos nossos caminhos, das nossas comunidades. Tudo faremos para isso.

         Servem estes picos de observação e introspeção para medirmos a fragilidade da condição humana – a nossa fragilidade congénita – face à Natureza Soberana, quer no mar, quer na terra e no ar que respiramos.

         Sirva também para que nesta Ilha Nossa se encarem com frontalidade e humildade os problemas, as intempéries, as morbilidades, as cirurgias e as consultas adiadas.  E que se fale a verdade aos madeirenses. Para que ninguém diga que a Madeira é a república onde se branqueia tudo e onde a administração normaliza a anormalidade.

 

         21.Fev.22

         Martins Júnior  

          

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