sexta-feira, 19 de novembro de 2021

PROGNÓSTICO, MALDIÇÃO OU FATALIDADE? – “Pobres tê-los-eis sempre convosco”

                                                                             


         Foi no domingo passado, mas ele é de todos os dias, de todas as horas, de todos os segundos. De tão perto, tão vizinho  do-pé-da-porta e tão colado à nossa pele que até o esquecemos e, sem dar por isso, sacudimo-lo como quem sacode do casaco quotidiano a morraça de um cigarro.

         É o “Dia dos Pobres” que Francisco Papa instituiu no domingo transacto. Dir-se-ia redundante, super-desnecessário, atribuir “Um Dia” à pobreza. Fê-lo com a convicção de denúncia, de protesto e luta contra o maior ‘pomo de discórdia’ da humanidade. E, da minha parte, não podia deixar de acompanhá-lo, não só nesta semana como em todo o seu percurso dentro e fora de Roma.

         A pobreza!, o manto andrajoso de que se veste a esmagada  maioria dos progenitores da espécie humana, o imparável ‘covid’ circular que teve princípio, mas duvido que tenha algum fim até ao fim dos tempos. Passados milhões, biliões, triliões de anos da história humana, ainda estamos na estaca zero: de um lado, os povos nómadas, ‘judeus errantes’, pré-condenados ‘ciganos’ dentro da própria casa. Do outro, os ociosos sedentários, sardanapalos sem freio apertando o cerco aos que lhes constroem os palácios e lhes amanham as terras. Como romper a atávica muralha da vergonha que separa os dois mundos?

         As palavras estão gastas, bem pode aqui bradar Eugénio de Andrade. As minhas também e as de tanta gente boa que se acha impotente perante o desconcerto deste mundo. Acção! – é o que grita e exige o “Dia dos Pobres”. É certo que há muitos militantes da causa que, não podendo ir mais além, descansam naquela paz mínima equivalente a umas migalhas de acção, a umas côdeas de pão dadas pela calada da noite.  Mas a grande patologia associada à pobreza não se comove nem abala com isso. Nalguns casos, até cresce.

         Tentativas de solução – assinaláveis elas têm sido, no decurso da história – para questionar se a Terra-Mãe  traz no seu seio o ‘pão, o leite e o mel”, para sustentar tantos filhos seus. Em 1798, com a publicação do An essay  on the Princple of Population Thomas Malthus, um clérigo cientista britânico, entendeu que não. A solução deveria encontrar-se na redução da espécie, evitar a explosão demográfica, decorrente dos benefícios da revolução industrial. Perante o dilema do duplo crescimento – progressão geométrica da população versus progressão aritmética dos recursos alimentares – foi chamada a biologia a resolver o contencioso: limitar a natalidade. Mas em vão. A raiz do mal era outra.

         No entanto, em atitude de quase desespero, sabendo-se do estigma que marca o pobre – filho, neto, bisneto de pobre sê-lo-á sempre assim,  pobre – parece sustentável a solução biológica nestes outros termos: esterilizar na fonte a procriação genética das famílias pobres. Destruído o espermatozóide indigente, acaba-se com o flagelo geracional dos indigentes. Mas nem assim conseguiu Hitler a supremacia étnica da ‘raça ariana’. Até porque, no caso da pobreza, o mesmo método poderia aplicar-se aos todo-ricos, com a esterilização dos genes milionários.

         Surgem, rari nantes, na crosta terrestre as tentativas de solução político-social, apanágio  dos regimes democráticos que se distanciam, como a noite do dia, das condições infra-humanas em que viveram os nossos antepassados. Leis justas, procedimentos proporcionalmente igualitários, são as conquistas populares plasmadas nos  parlamentos fiéis aos seus genuínos constituintes, o povo soberano.  Não obstante os magros progressos alcançados, escandalosas assimetrias persistem, até com o sofisticado alvor dos antros fiscais, cinicamente transformados em ‘paraísos’.

Dir-me-ão que a subversão do normativo natural – a terra é de todos e para todos – nasce e cresce no coração de cada inquilino do planeta. E daí, a grande solução radicaria na mais íntima consciência do indivíduo. Sem dúvida, a mais segura e eficaz, concordo plenamente.

Mas a consciência é ela, mais a sua circunstância, recordo  Ortega y Gasset!

Por isso, diante do arsenal amuralhado, camuflado de um soturno terrorismo, onde os magnatas açambarcadores da terra municiam-se de paióis prontos a sugar o sangue, suor e lágrimas dos explorados, esqueçamos as palavras, os dias, as semanas dos “Pobres”. Agir, eis a palavra de ordem. Contra os revolucionários da opressão concentracionista requerem-se  revolucionários da Justiça distributiva.  Há casos exemplares: não fora a Revolução dos Cravos e ainda hoje os camponeses caseiros madeirenses estariam a viver como no século XVII sob o jugo esclavagista dos senhorios das terras. Foi preciso coragem, resistência, justiça. Já o proclamara o Nazareno: “Bem-aventurados, Felizes (Força!) os que têm Fome e Sede de Justiça”.

    A revolução também se faz “com as Armas da Luz” – vaticinou Paulo de Tarso, desde há mais de dois mil anos. E Francisco Papa, testemunha ocular dos dramas da pobreza,  com a instauração do “Dia Mundial dos Pobres” quis dizer ao mundo, a nos cristãos directamente, que não basta a paz diminuta da esmola, é preciso intervir nos centros da decisão. É dia de de persuasão interior para acção, não apenas para a oração.

Neste item, ousaria perguntar ao Estado-Igreja, que políticas concretas de intervenção possui para não seja vão o “Dia Mundial da Pobreza”. O Vaticano (para o bem e para o mal) é Estado e em matéria de explícito Direito Internacional Público deverá patentear ao mundo os seus planos  - estruturais e conjunturais – para debelar o Império dos Sedentários gratuitos, justiceiros exploradores dos nómadas injustiçados que não se contentam em  ter apenas um Dia no calendário de cada ano.

           

         19.Nov.21

         Martins Júnior

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