segunda-feira, 27 de dezembro de 2021

DESMOND TUTU E A QUADRATURA DOS CRISTOS: O SUL-AFRICANO, O ANGLICANO, O ROMANO E O INSULANO

                                                             


                        

            Se “morrer é só deixar de ser visto”, como afiançou Fernando Pessoa, pode então seguramente dizer-se que Desmond Tutu não morreu, Vemo-lo todos os dias no seu vigor energético e na transparência quase infantil da sua emotividade sempre que os Direitos Humanos lhe entregam a defesa dos seus princípios e exigências.

         Tal como a de Nelson Mandela, será inapagável a imagem daquele homem franzino, por vezes desajeitado na explosão da palavra e da alegria. Casado com Namoli Leah Senxane, a quem deu quatro filhos, lutou desde a  juventude, como professor, não só pela emancipação dos negros contra o ‘apartheid’ mas também pelo tratamento igualitário dos sul-africanos, a vários níveis. Entendeu o espírito da mensagem evangélica e aos que o acusavam de agitador político respondia: “Eu não pregoo um evangelho social, eu prego o Evangelho nas suas múltiplas dimensões. Quando as pessoas estavam com fome Jesus não pôs a questão se era política ou social. Deu-lhes de comer. Para uma pessoa com fome, a boa notícia ou boa nova chama-se pão”.

         Desmond Tutu encontrava no rasto de Jesus de Nazaré a força necessária para tomar posição perante os problemas que atormentavam os seus compatriotas, esmagados que estavam sob a férrea ditadura colonialista. E traduziu em acções concretas aquilo que a experiência lhe ensinou e ele próprio escreveu “Quando você diz que é neutro em relação a uma injustiça ou a uma opressão, isso quer dizer que você já decidiu estar do lado do opressor”.

         Palavras que caem como  estrelas para uns e como pedras contundentes para outros! Quem assim falou e fez nunca morre. Está presente em todos os dias e em todas as circunstâncias. Quando se refere ao proselitismo da missionação às populações africanas, Desmond Tutu é de uma agressividade igual ao realismo então vigente. Lembra a tenacidade do Nazareno, sem rodeios: “Quando os missionários chegaram à África, eles tinham a Bíblia e nós a terra. E disseram-nos:’Vamos rezar’. Fechámos os olhos. Mas quando os abrimos, verificámos que nós é que  ficámos com a Bíblia e eles com a terra”.

Desmond Tutu era um eclesiástico graduado em bispo ou arcebispo. À primeira vista, a Igreja Católica ficaria prestigiada com este tão exímio intérprete da doutrina do Mestre. Mas não. É protestante anglicano. E cristão. A sua vida e a sua morte remetem-nos para a práxis das muitas e variadas religiões oriundas do mesmo coração de Cristo.

O testemunho de Desmond Tutu interpela-nos para uma suposta quadratura dos Cristos. De entre os quatro, qual deles estará mais próximo do Original? … O Sul-africano anglicano corporizado em Desmond Tutu?... O romano, com o império e a opulência encriptadas no ‘Grande Capitólio’ do Vaticano, o qual, no caso português, esteve ao serviço do colonialismo inveterado durante séculos?... Ou o insulano (da Ilha nossa) cujos auto-classificados (e empoderados) representantes do mesmo Cristo foram despudoradamente subservientes aos poderes regionais, sobressaindo de vez em quandoo com a oferta de um anel à Virgem ou uma cruz de prata no ‘sapatinho’ do povo?...

 Grandes incógnitas – e decisivas – que Desmond Tutu nos deixa, como património espiritual  universal, intemporal!

Bem haja!...

 

27.Dez.21

Martins Júnior

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