Todos os dias se nasce. Todos os dias se morre.
Um ano morre. Outro ano nasce.
Uns foram. Outros virão.
Na aurora nascente do Re-Nascimento do Bambino de
Belém e antes que o ocaso sepulte no ‘mar morto’ do esquecimento os 366
dias de 2024, trago o abraço irredutível que vem do fundo da história: Mors--Amor, mais
concretamente, entre a Morte e o Amor, a corrente circulante entre o berço e a
sepultura, à qual está ligado todo o ser vivo que vem a este mundo.
A Morte foi a de Jardim Gonçalves, presbítero, aos 92 anos de idade, em
Lisboa. Transcrevo, com incontida emoção, a sua última mensagem, escrita
precisamente oito dias antes do Natal e quatro dias antes da sua partida:
“A minha Família e Amigos
BOAS FESTAS, FELIZ NATAL
Toda a sociedade se movimenta
Luzes se acendem nas ruas e
praças
Trocam-se prendas e flores
Restaurantes e cafés enchem-se
Concursos de presépios
espalham-se
Olhares piedosos bafejam pobres
Tudo corre e o tempo foge
Mesas postas para a consoada
E mais e mais e mais…
Mas pergunto-me a mim e a vós:
QUEM NASCEU ???
Do: Agos, do Agostinho, do Jardim, do padre Jardim”
*******
Só o silêncio – um silêncio profundo e transbordante - poderá acolher
e condignamente responder a este poema iluminante - cada verso o rasto de
uma estrela - e, tudo junto, uma enciclopédia de sabedoria
bíblico-sociológica, semelhável às profecias de Isaías, Amós e Miqueias quando
anunciaram a alvorada de um Dia Novo e projectaram o Reino do Messias
Libertador, plasmado no Direito, na Justiça e na Paz Universal, valores
constitucionais arredados dos detentores do poder nos tempos actuais.
Perante a indiferença dos comunicadores oficiais, outra mensagem não me
ocorre senão aquela que completa o “QUEM NASCEU ???”,
traduzindo-a por uma outra que lhe é paralela, indissociável, irmã gémea: “QUEM
MORREU ???”
“Quem morreu, pergunto-me a mim e a vós”:
Um genuíno líder humano e cristão, um intelectual superior, pedagogo e
psicólogo sensível, perscrutador nato da alma de quantos o procuravam, cidadão
operante do mundo que percorreu na infatigável campanha iniciada por “Esse
Desconhecido” Jesus de Belém.
Agos, Agostinho, Jardim, Padre Jardim – Ele dispensa
panegíricos encomiásticos, como nunca os procurou em vida. Dono de uma escrita
limpa, vigorosa e lapidar, o aluno mais brilhante do seu curso, que tinha
todo o talento e todos os predicados para ascender a altos tronos
da oligarquia eclesiástica, podendo ocupar a ribalta dos palcos
pontificais, preferiu os bastidores da acção, a oficina do operário discreto
que produz e mobiliza os generosos compagnons de route dentro
de Portugal e no estrangeiro na demanda do Santo Graal da
Verdade Clara e Íntegra, arrasando os pântanos do obscurantismo, quebrando os
rochedos empedernidos do autoritarismo sacralizado.
Duas lâmpadas apenas deixarei acesas na sua tumba:
O optimismo resiliente com que foi “convidado” a abandonar a Ilha,
por manobras sub-reptícias do poder bicéfalo (sacro-político) vigente, com o
sofisticado pretexto de “promoção eclesiástica” no Patriarcado de Lisboa.
A casa da sua residência, à “Grão Vasco” em Benfica - a baía a que
aportavam contentores problemáticos de mares distantes e onde desaguavam as
mágoas de tantos colegas padres e ex-padres madeirenses, que o “Jardim” a todos
recebia com um abraço fraterno e o conforto de um pai acolhedor, fazendo-me
rebobinar a peça de teatro no Seminário do Funchal em que ele desempenhou, como
se de um actor profissional se tratasse, o papel de Pai do “Filho
Pródigo”.
Finou-se um Mestre, Guru dos novos tempos e, para mim particularmente,
fechou-se uma biblioteca, em termos de oralidade a maior fonte de consulta
sobre o estudo que tenho programado concretizar acerca do estado da Igreja em
Portugal, cuja ajuda já me tinha prometido. Helas!
Quem morreu? – Jardim Gonçalves!
Quem renasceu? – Jardim Gonçalves e o seu Legado!
30.Dez.24
Martins Júnior
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